O “superalimento” que quer desenvolver Monchique

Georges Porta e Cristina Palma Brito dedicam-se à produção de spirulina.

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Já vemos as pequenas placas à beira da estrada a indicar o caminho para a quinta, localizada numa encosta da serra de Monchique com vista para o mar, quando dois caminhantes equipados a rigor nos ultrapassam. Voltamos a encontrá-los minutos depois, junto à sala de produção da Spirulina da Serra, a única produtora oficial deste “superalimento” em Portugal. Pouco depois chega Lucie de Sousa e a mãe. Vieram de propósito de Leiria para conhecer o projecto e estudar a viabilidade de o replicarem num terreno da família. “Muita gente tem curiosidade em visitar-nos porque não fazem ideia de como se produz spirulina”, conta o proprietário, Georges Porta, 62 anos.

O francês, nascido em Andorra, mudou-se para Portugal há oito anos com a companheira, Cristina Palma Brito, 60 anos, natural de Monchique. Depois de vários anos de burocracia, preparação dos terrenos e construção das infra-estruturas necessárias, começaram a produzir spirulina artesanalmente em 2015. O interior das estufas mantém-se quente e húmido, comparativamente ao Outono que se impõe lá fora, mas as temperaturas já não são suficientemente altas para que a microalga se reproduza nos tanques. A cor esverdeada da água e o leve cheiro a maresia denunciam a presença desta cianobactéria, que terá surgido na natureza há 3,5 biliões de anos, mas não em quantidades suficientes para continuar o processo de recolha e de secagem. “É como se estivesse em hibernação.” Por isso, só em Abril voltarão a produzir novos lotes.

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Até Outubro, a colheita começava por volta das 8h. A microalga era sugada por um tubo até à sala de produção, onde era prensada em panos para retirar o excesso água e criar uma massa, “como um queijo”. Depois, a spirulina passa por uma máquina manual para se dividir em “esparguetes com um milímetro de espessura” e fica a secar à temperatura ambiente, entre quatro a seis horas. “Se não secar até à noite, vai fermentar e não será boa”, explica George. A partir daí, está pronta a ser embalada. O processo podia ser acelerado ou mantido no Inverno, com aquecimento artificial, mas o casal quer manter a produção o mais natural e artesanal possível. Acreditam que só assim se consegue um produto de qualidade, com todas as propriedades nutricionais associadas à spirulina.

Georges é vegetariano há mais de 30 anos e, como tantos outros, começou a tomar spirulina para que “não faltasse proteína” à dieta (representa 64% da composição nutricional da microalga). Mas acredita que isso nem sequer é “o mais interessante”. Elenca múltiplos benefícios: é rica em ferro, antioxidantes e vitaminas que ajudam a regular o colesterol, a estimular o sistema imunitário e a ter mais energia, entre outros. “O pai de uma amiga já estava a ter problemas em dormir porque se dava tão bem com a spirulina que começou a tomar a toda a hora”, ri-se Cristina. Carece apenas de vitamina C e, por isso, aconselham a que seja dissolvida em sumo de laranja ou água com limão.

Um quarto da produção é vendida online, outra parte é escoada para um hipermercado em Monchique e três lojas em Portimão. Mas mais de metade dos clientes são “pessoas daqui”. E querem que assim se mantenha. A ideia é contribuir para o desenvolvimento local e, ao mesmo tempo, manter o carácter de proximidade. Acreditam ser importante para “manter uma relação de confiança” com os clientes e é uma oportunidade de mostrarem por que as embalagens que vendem custam o dobro das produzidas industrialmente na China, na América do Sul ou no Havai. “A nossa não tem a mesma cor, o cheiro ou o sabor desagradável das outras e mantém todas as propriedades”, defendem. No ano passado, a produção esgotou antes do Natal. Este ano, já com dois tanques a funcionar, acreditam que o stock dure um pouco mais. Quando o terceiro, mais pequeno, começar a produzir, atingem a capacidade máxima: 400m2. Não querem crescer mais. Georges teria de perder o contacto e o controlo directo da produção. “De repente estás só ao computador a tratar de encomendas. E isso já fiz. Gosto mais de ser produtor”, ri-se.

As portas estão, no entanto, abertas a todos os que quiserem aprender. “Não quero guardar o segredo.” É assim que vai afinando o seu próprio produto. Trabalharam seis meses numa quinta na Índia, mantêm um contacto próximo com a Federação de Spirulineiros de França. Os primeiros 15kg de spirulina vieram de uma quinta “madrinha” nos Pirenéus. É a eles que liga sempre que tem alguma dúvida. Muitos já vieram com vontade de reproduzir o conceito. “Querem ser empresários e conseguir subsídios, não querem saber da spirulina”, lamenta Georges. “Tem sido uma desilusão”, acrescenta Cristina.

Lucie estudou Biologia, trabalha na algoteca de Coimbra. Ficamos os cinco à conversa no alpendre, entre as duas caravanas onde vivem agora Georges e Cristina — “de um lado, cozinha e sala; do outro, o quarto”. A chuva e a noite prolongam a conversa. Lucie e Fátima têm muitas perguntas, estudam a hipótese de a luso-descendente de 25 anos vir para a quinta durante uma temporada para aprender. Talvez daqui a uns tempos nasça uma nova produção de spirulina em Portugal.

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