À procura de Lenine… ou do que resta dele

© Niels Ackerman
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No dia 8 de Dezembro de 2013, a estátua de Lenine que estava na praça Bessarabska, em Kiev, na Ucrânia, foi derrubada pelos manifestantes do movimento Euromaidan. O fotógrafo suíço Niels Ackermann estava presente no momento em que Lenine embateu ruidosamente no solo. "Foi a primeira de muitas quedas que viriam a suceder-se e que deram origem a um movimento intitulado #Leninopad. Eu estava lá, a observar as pessoas que tentavam desfazer a estátua tombada; apesar dos inúmeros golpes, apenas fragmentos se soltavam do bloco principal, que se manteve praticamente ileso", relata. "Na manhã seguinte, quando regressei ao local, já não havia sinal da estátua. Ou tinha sido transportada ou então tinha sido absolutamente destruída durante a noite, o que me parecia praticamente impossível.” Intrigado, Niels decidiu procurar Lenine; fê-lo na companhia do jornalista e amigo Sébastien Gobert, também destacado em Kiev. “Os desafios foram inúmeros: o primeiro com que nos deparámos foi descobrir que ninguém queria saber do assunto. Foi impressionante perceber que ninguém se importava com o que acontecia às estátuas depois de derrubadas. Encontrá-las foi quase sempre muito difícil", continua o fotógrafo. "Demorámos cerca de uma semana a descobrir o paradeiro de cada uma delas. A tarefa tornava-se mais complicada quando eram guardadas por pessoas nostálgicas, que não compreendiam o interesse de fotografar uma estátua suja e partida. Para fotografar a queda de um ícone da vida soviética, tivemos, por vezes, de transpor uma enorme quantidade de 'burocracia soviética'… Irónico, não é?"

 

Segundo Ackermann, existe hoje na Ucrânia quem sinta nostalgia pela era soviética e quem lhe guarde rancor. “Algumas pessoas irão contar-te histórias enternecedoras sobre o seu primeiro beijo junto a uma estátua de Lenine. Outros irão referir um tempo em que não tinham de preocupar-se com a sua reforma, o seu emprego ou com saúde dos filhos. Ao mesmo tempo, outros irão lembrar-se da fome causada pelas autoridades, soviéticas que matou milhões de ucranianos, e outro tipo de perseguições de origem política. Existem ainda aqueles que não expressam qualquer tipo de julgamento relativamente às estátuas e que questionam o futuro; os mesmos que referem que antes de estarem naqueles locais estátuas de Lenine estavam estátuas dos czares russos e que, neste momento, na verdade, ninguém sabe o que lá há-de colocar no seu lugar."

 

A Ucrânia de hoje depara-se, na opinião de Ackermann, com um problema identitário. “Acredito que a última revolução, a Euromaidan, foi provavelmente um dos elementos mais estruturantes que já aconteceu no país. Criou uma separação muito clara — a mais clara de sempre — com o que restava da herança soviética. A posterior ocupação da Crimeia pela Federação Russa e a guerra que decorre em Donbass acelerou tremendamente o processo de construção da identidade do país, uniu muitas pessoas que, de outra forma, estariam divididas.” Também existe, segundo o fotógrafo suíço, uma tendência de afastamento dos ideais de esquerda por parte das populações de território ex-soviético e a Ucrânia não é excepção. “Fico sempre fascinado quando vejo quantos amigos [ucranianos] têm, pelo menos, um livro de Ayn Rand na sua estante. Nunca vi semelhante na Europa.” O apego aos valores filosóficos objectivistas, que comparam o sistema capitalista a uma ordem natural, parece entrar em contradição com a realidade ucraniana presente, de acordo com a descrição do fotógrafo. "O salário médio [na Ucrânia] é muito baixo, as pensões são ridículas e vejo muitas pessoas, mesmo as que têm formação superior, a acumularem vários empregos para conseguirem sobreviver. Esta situação, a que muitos chamam de ‘capitalismo selvagem’, é radicalmente diferente da que se vivia na era comunista.” Tratar-se-á de uma questão ideológica? Ackermann não arrisca uma resposta. Mas conclui. "Quando olho para este país, sinto que se está a estruturar em torno de novos valores, novos objectivos e aliados. Claro, nada é perfeito: a corrupção ainda é muito expressiva e a justiça — assim como muitas outras instituições — precisa de reformas profundas. Mas a tendência é francamente positiva." 

 

O lançamento do fotolivro Looking For Lenin acontece no ano da celebração dos cem anos da Revolução Russa, que em 1917 ditou a queda do czarismo, a subida ao poder de Lenine e do partido que encabeçava e, derradeiramente, a fundação da União Soviética (que expiraria 74 anos mais tarde, em 1991).

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