Não sopram bons ventos de Nordeste

É possível que se as reformas avançarem na União Europeia e na zona euro, Portugal não seja convidado a juntar-se à coligação da frente.

Nos últimos meses parece estar a desencadear-se algo muito poderoso que terá forte impacto na organização e funcionamento das instituições da União Europeia. Discute-se a “reforma” da União Europeia e da zona euro no pós-"Brexit" e existem várias variantes às propostas de alterações estruturais e institucionais.

Primeiro, o livro branco da Comissão Europeia, divulgado a 1 de Março do corrente ano, a que se seguiu a proposta do presidente da Comissão Europeia para a reforma da governança da zona euro e, há pouco mais de uma semana, a proposta de Macron para a União Europeia pós-"Brexit", são os mais recentes elementos dessa discussão.

Parecia já um movimento imparável, só se aguardando a reeleição de Angela Merkel. Contudo, o resultado ambíguo das eleições na Alemanha e, em particular, a posição contra o aprofundamento do processo de integração europeia do futuro parceiro da CDU de Angela Merkel, o FDP, vieram colocar muita areia na engrenagem.

Os elementos-chave destes desenvolvimentos/acontecimentos recentes parecem ser os seguintes: Em primeiro lugar, a proposta de uma Zona Euro e de uma União Europeia a várias velocidades, que parece que irá vingar. No livro branco, a Comissão Europeia utiliza uma terminologia, no mínimo infeliz, no que quase parece um mau presságio para o futuro da Europa: “coalition of the willing” ao referir-se aos países do “pelotão da frente” (outra expressão que também faz lembrar exércitos em movimento), que procurariam avançar no processo de integração europeia. Esta designação traz-nos à memória acontecimentos com graves consequências no passado recente.

Em segundo lugar, a proposta de um ministro das finanças europeu. A figura de um super ministro das finanças europeu coloca várias questões: se os países que avançarem no processo de integração forem um sub-conjunto de países da Zona Euro, a União Europeia passará a ter não dois, mas três tipos de reuniões de ministros das finanças nacionais (Ecofin, Eurogrupo e, ainda, o novo grupo de ministros das finanças de países da “coligação”). Tudo, parece, fica mais confuso! O cenário mais plausível é que o ministro das finanças europeu, com poderes acrescidos, só presida aos trabalhos das reuniões dos ministros das finanças dos países da “coligação”.

Em terceiro lugar, passará a existir um Tesouro Europeu com receitas fiscais consignadas, possivelmente: receitas de um novo imposto sobre empresas da economia digital, de um novo complemento europeu ao IVA, de um novo imposto sobre emissões de CO2, ou ainda de um imposto harmonizado sobre os lucros de empresas.

Parece existir consenso sobre a criação de um programa de investimento público europeu, provavelmente desenhado, de forma a que as receitas fiscais recolhidas num dado país fossem gastas nesse mesmo país, ou seja, desenhado de forma a evitar transferências fiscais.

É ainda provável que o Mecanismo de Estabilidade Europeu seja transformado no Fundo Monetário Europeu (FME), o que seria negativo para a Europa. A Alemanha parece defender esta alteração que implicaria que, países membros em dificuldades seriam obrigados a recorrer a um resgate e a um empréstimo, com condicionalidade estrita, do Fundo Monetário Europeu (FME), procurando impedir um papel para o Banco Central Europeu como o que este desempenhou desde 2015, com o programa de expansão quantitativa.

Mas é todavia possível que se as reformas avançarem, Portugal não seja convidado a juntar-se à coligação da frente. De facto, o receio da Alemanha é que as transferências fiscais – ­de que ninguém fala, mas que seriam o elemento chave desta reforma da arquitectura que se desenha da Zona Euro – sejam muito significativas e, por conseguinte, a Alemanha quererá países com padrão competitivo similar ao seu próprio, i.e., Holanda, Áustria, Finlândia, Luxemburgo e talvez França, de forma a minimizar o risco de tais transferências fiscais.

Aguardam-se as cenas dos próximos capítulos…

 

 

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