“Dó, ré, mi, fá, sol, lá, ‘si’…” ou como a Catalunha acredita que já venceu

Entre os que acreditam que a independência está ao virar da esquina, há gente que decidiu acampar durante o fim-de-semana em escolas ou acordar de madrugada para tentar impedir que estas sejam encerradas pela polícia. “Que viva Espanha”, ouviu-se por fim nas ruas da capital catalã.

Foto

A Praça do Anjo, em plena Avenida Layetana, não tem este nome por acaso. Situada numa das antigas portas da cidade de Barcelona, diz a lenda que um anjo apareceu ao bispo Frodoí e lhe deu forças suficientes para transportar a pesada urna com os restos mortais da patrona da cidade, Santa Eulália. À porta que ali depois foi construída, entre duas torres, chamou-se, por isso mesmo, porta de Santa Eulália. Já não existe, foi derrubada em 1714 pelas tropas de Felipe V, quando a Catalunha caía definitivamente nas mãos de Castela.

Praça do Anjo, sábado dia 30 de Setembro de 2017, final da manhã. Dezenas de carrinhas da Polícia Nacional cruzam-se ao percorrer a Layetana, algumas descem em direcção ao mar; outras sobem a caminho de algum ponto da cidade. Os turistas reparam mas pouco. Um pequeno de uns quatro anos pergunta aos pais: “Mas como é que se faz um novo país?”. “É construído, pelos trabalhadores, pelas pessoas como nós, por toda a gente”.

A cinco minutos dali, na Praça de S. Jaume, sede da Generalitat e da câmara municipal, ainda sobram alguns catalães de bandeira de Espanha ao pescoço. Ao longo da manhã chegaram a ser perto de 300, em resposta ao apelo da Fundação de Defesa da Nação Espanhola. Sob o lema “É tempo de se ouvir a Espanha silenciosa”, a cena repetiu-se em diferentes municípios catalães e um pouco por todo o país.

Foto
Comício de encerramento da campanha independentista, esta sexta-feira à noite, em Barcelona EPA/Quique Garcia

Na guerra de palavras em curso entre Madrid e Barcelona, ouve-se com frequência que os anti-independentistas estão em silêncio e com medo. Não pareceu ser assim desta vez em S. Jaume. No fim da mobilização, leu-se um manifesto a favor da Constituição e contra as políticas da Generalitat: “40 anos de concessões levaram à criação de um monstro insaciável, um monstro que hoje ameaça devorar aqueles que, como nós, sentimos uma Catalunha diferente”.

A palavra a Iñigo, 38 anos, bandeira espanhola e catalã (as mesmas que esvoaçam no topo do edifício da Generalitat) atadas ao pescoço, em jeito de capa de super-herói, como as milhares de bandeiras independentistas que se vêem pela cidade: “Eu sou espanhol e sinto que eles estão a orquestrar um golpe de Estado. E fazem-no com mentiras, prometendo uma utopia e culpando o Governo espanhol pela sua incompetência”, diz, com a voz exaltada de quem parece ter esperado muito para falar. “Mentem, mentem, mentem e dividem-nos”.

Pepa e Lupe, duas catalãs soberanistas sem símbolos exteriores, observam e deixam-se ficar. “Nós somos mesmo diferentes. Mais de 1,5 milhões de pessoas na rua e nunca se vê um único problema. Com eles, sempre que se manifestam há pelo menos palavras feias contra nós. A mim, no meu bairro, chamam-me ‘vermelhita’ por ter uma bandeira independentista na varanda. Eu não sou ‘vermelhita’, sou vermelha, nasci aqui, filha de mãe de Saragoça e de pai andaluz, imagina, mas a tempo de ter memória da guerra civil e do que a minha família sofreu às mãos do franquismo”, afirma Lupe, 55 anos e uma pomba branca ao peito, em alfinete.

Dar a cara com medo

É impossível não perceber os comentários de Lupe. Claro que as excepções serão muitas, mas a verdade é que a cada Diada, o dia nacional da Catalunha, o tal que celebra a derrota de 1714, as ruas de Barcelona se enchem de centenas e centenas de milhares de pessoas e tudo decorre tranquilamente. O mesmo não aconteceu na manifestação pela “Espanha silenciosa”. Quando uns jovens passaram a gritar palavras de ordem a favor da independência, alguns manifestantes tentaram bater-lhes e a polícia teve de retirar duas pessoas da praça.

Praça de S. Jaume: são umas 17h e ainda resistem três homens que agitam bandeiras de Espanha. “Não saímos mais por medo. O medo aqui é um factor importante. Preferia estar em casa, a seguir tudo pela televisão, mas às vezes é preciso dar a cara”, afirma o advogado Xavier, de 53 anos, que não quer dar o apelido por questões de segurança. “Claro que os independentistas têm razão nalgumas coisas, na questão do financiamento e das infra-estruturas, por exemplo, como a necessidade do corredor ferroviário do Mediterrâneo, mas o que é preciso é conversarmos, não separarmo-nos”.

Para Xavier, o referendo que ele diz ser ilegal (como diz o Governo, apoiado na suspensão decidida pelo Tribunal Constitucional), “só pode servir para separar a sociedade catalã em vencedores e vencidos”. Por isso, apela “aos democratas e a todos os que defendem o Estado de direito” para que não votem. A chuva começa a cair e os três manifestantes tentam abrigar-se. “Sem apelidos”, repete Xavier.

Foto
Catalães anti-independentistas manifestam-se este sábado de manhã Yves Herman

Vivem-se dias estranhos por aqui. Percorre-se a rua com o mesmo nome da praça que é sede do poder e estamos de novo na Praça do Anjo e na Avenida Layetana. Xavier acabou de falar do “medo” e de repente há milhares de manifestantes anti-referendo a descer a avenida. “Não temos medo”, “Não tenham medo, não estão sozinhos”, são duas das palavras de ordem. Também se grita “Que viva Espanha” e “Catalunha é Espanha”, mas há slogans menos simpáticos para os conterrâneos. “Puigdemont, para a prisão”, é um deles e repete-se com muita frequência, assim como “Aqui não se vota”.

“A por ellos”

Um dos gritos transporta memórias piores: “A por ellos”. Um “vamo-nos a eles” que algumas das unidades da Guardia Civil mobilizadas e outras zonas de Espanha ouviram dos seus na despedida, a palavra de ordem de que todos os catalães independentistas se queixam, lembrando que muitos são filhos ou netos de gente das regiões de onde vieram esses polícias. Aqui e ali ouve-se um “Matem-nos” que não chega a formar coro. “Que não digam que somos cinco ou seis”, também se repete.

Está a cabeça da manifestação quase a chegar à Praça do Anjo e um senhor mais exaltado tenta chamar a atenção para uma delegação da Generalitat. “Está ali um, está ali um”, grita incessantemente o homem de fato cinzento e uns 60 anos. Dentro do edifício em questão, um guarda tenta por tudo tornar-se invisível, encostando-se ao canto da parede no pequeno espaço entre duas portas (a que dá para a rua é parcialmente de vidro) onde lhe cabe permanecer nas suas funções de vigilância.

A manifestação, de umas dez mil pessoas, chegou a S. Jaume a tempo de apanhar Xavier. Pelo caminho havia muita gente de estelada (a bandeira independentista às costas) e outros tantos com as bandeiras de várias cores onde se lê apenas “Sim” e que a Associação Nacional Catalã (ANC) tem distribuído nas mobilizações pró-referendo e pró-independência. São quase 19h e o protesto vai desmobilizando, mas ainda há tempo para alguns incidentes com fotógrafos e pelo menos uma estelada queimada.

De Aznar ao 20 de Setembro

Para alguns catalães, o referendo em que tentarão votar este domingo tem tudo a ver com 1714. Para outros, a luta tem dez anos e começou quando o Partido Popular, dirigido então por José María Aznar, levou a tribunal o Estatuto da Catalunha que o parlamento catalão e o Congresso tinham aprovado, e que os catalães já tinham referendado.

O Estatuto saiu do Tribunal Constitucional muito diferente do que o desejado pelos catalães, mas isso conta tanto como a atitude: o PP, na oposição, fez campanha contra o Estatuto, recolhendo até assinaturas para tentar forçar que toda a Espanha tivesse o direito de se pronunciar sobre a lei que definia as competências autonómicas e a relação da Catalunha com o Estado.

Também há independentistas de última hora. E muita gente decidiu apoiar o referendo por considerar que aquilo que Madrid tem feito desde dia 20 de Setembro é “reprimir direitos” e “tentar submeter os catalães”. Às vezes basta ouvir alguns “a por ellos”.

Este domingo vota-se na Catalunha. Este domingo não se vota na Catalunha. As últimas semanas têm sido difíceis de acompanhar. Nos dias 6 e 7 de Setembro, a maioria independentista do parlamento catalão votou a Lei do Referendo e Autodeterminação e a Lei da Fundação da República e da Transitoriedade, que enumera os passos para a criação de uma nova ordem institucional, até à aprovação de uma Constituição catalã. A oposição queixou-se de inúmeras ilegalidades processuais e abandonou o hemiciclo na altura do voto.

“A 1 de Outubro vai votar-se na Catalunha”, proclamou o presidente da Generalitat, Carles Puigdemont. “Este referendo não vai acontecer, a minha responsabilidade é impedi-lo”, garantiu o primeiro-ministro, Mariano Rajoy.

Entretanto, entre decisões da Justiça e do Governo, Madrid retirou a competência da gestão orçamental ao governo de Puigdemont, houve 14 funcionários catalães que passaram dois dias detidos e a polícia (Guardia Civil, que é a polícia militar, e Polícia Nacional) apreendeu já ninguém sabe bem quantos milhões de boletins de votos – a maioria numa gráfica, mas também houve agentes à procura de boletins e de urnas em carrinhas de pão e viaturas de uma cadeia de supermercados, suspeitas de estarem a distribuir o material de voto pela região.

Respeitar a Constituição

Na Catalunha estão 10 mil polícias a mais do que o normal e o Ministério do Interior tentou sem grande sucesso assumir a autoridade dos Mossos d’Esquadra, a polícia catalã. Ao fim do dia, véspera do referendo, o Ministério enviou um último recado aos polícias que respondem à Generalitat: “Todos os mais de 15.000 mossos juraram ou prometeram respeitar e fazer respeitar a Constituição, norma fundamental do Estado”. Os mossos são 17 mil, na verdade, e tal como acontece com todas as forças policiais actualmente na Catalunha, nenhum pode gozar férias ou folgas até novas ordens.

Entretanto, os estudantes universitários estão em greve e há escolas ocupadas desde sexta-feira à tarde para impedir que sejam encerradas pelos Mossos e garantir que quem ali tem de votar o possa fazer. Enquanto isso, eram encerradas e de novo reabertos centenas de sites criados para os catalães poderem saber onde votar e onde os responsáveis pelas mesas de voto podem aceder às instruções para o dia da votação (as cartas com a documentação habitual, que a Generalitat tentou enviar aos sorteados para estarem nas mesas, foram apreendidas pela polícia).

Entretanto, o espaço aéreo sobre Barcelona foi encerrado (para impedir que se tirem fotos aéreas das concentrações de catalães e das filas de eleitores, admitem deputados da oposição) e a Google eliminou a aplicação “On Votar 1-Oct” por ordem do Tribunal Superior de Justiça da Catalunha – com tantas páginas encerradas e abertas, muita gente passou nos últimos dias pela Universidade de Barcelona, onde estudantes têm estado em permanência a distribuir boletins de voto e de telemóvel em punho, a confirmar a mesa de voto de quem tem dúvidas através da aplicação.

Impedir a contagem

Entre as várias novidades de última hora, a Guardia Civil ocupou o Centro de Telecomunicações e Tecnologia de Informação da Generalitat para assegurar que estão bloqueados “as aplicações e os serviços informáticos que poderiam facilitar a votação online”, ao mesmo tempo que se bloqueou o sistema de contagem de votos. Por tudo isto, afirmou o porta-voz do Governo, Íñigo Méndez de Vigo, do ponto de vista de Madrid, o referendo foi “anulado pelo Estado de direito”.

Percebe-se que Méndez de Vigo está a muitos quilómetros de Barcelona. Por aqui, e por toda a Catalunha, organizações como a ANC e a Òmnium Cultural, partidos como a CUP (Candidatura de Unidade Popular) ou associações de bairros e de pais acreditam precisamente no contrário. Muitos dos que não dormiram de sexta-feira para sábado nas escolas contam fazê-lo de sábado para domingo, esperando-se que os Mossos tentem desalojar os colégios eleitorais a partir das 6h. E quem não vai dormir em nenhuma mesa de voto está decidido a chegar à porta da sua pelas 5h.

Sabe-se que os Mossos não encerrarão escolas se existir “a possibilidade de se produzirem altercações com perigo para pessoas e bens” ou “na presença de pessoas vulneráveis (crianças, pessoas de idade avançada...)”.

Política e autoritarismo

Òscar, 20 anos, estudante do segundo ano de Biotecnologia, não acredita que os Mossos o expulsem da escola onde funciona a sua mesa de voto, a Francesc Macià (o mesmo que proclamou a República Catalã em 1931, depois de tentar invadir a região a partir de França durante a ditadura de Rivera). Fica a cinco minutos da Fonte Mágica da Praça de Espanha, onde os partidos e as associações independentistas fizeram o seu comício de encerramento de campanha, na sexta-feira à noite.

“Já da Guardia Civil tenho algum medo”, diz o jovem, muito magro e alto, acompanhado de uma amiga galega, e que decidiu trocar o comício pelo pátio da escola depois de a mãe o avisar que havia muito pouca gente por ali às 18h, à hora a que acabaram as aulas. Filho de mãe catalã, independentista de sempre, e de pai galego, anti-independentista, Òscar explica que em casa sempre houve respeito pelas diferentes opiniões. “Na verdade, até agora pouco se discutia política em família.”

Desde que Madrid enviou reforços policiais o cenário mudou. Não foi só a União Europeia e a ONU a dizerem-se preocupadas, na casa de Òscar a conversa também passou a ser outra. “O meu pai está indignado com o autoritarismo do Estado. Continua a defender o ‘não’ e quer que a Catalunha faça parte de Espanha, mas ainda há bocado esteve aqui e trouxe comida para todos os que vão passar a noite.” Não está muita gente na escola, umas 20 pessoas. Mas a tortilha gigante e mantida quente embrulhada em muito papel de alumínio vai saber ainda melhor à medida que a noite avance.

Foto
As escolas foram ocupadas para impedir que os locais de voto fossem encerrados EPA/Toni Albir

“Já houve tanta gente a lutar por este voto. O que é que me custa a mim dormir um fim-de-semana aqui, mesmo que chova ou faça frio?”, diz o jovem. “Creio que vai votar menos gente do que se esperava, muitas por medo outras por desconhecimento, por não saberem onde ir, vão acabar por ficar em casa”. Elsa, a amiga galega que estuda em Barcelona concorda. “Na verdade, não sei como é que se vão poder ler e interpretar os resultados. A verdade é que o ‘não’ devia ter feito campanha, não se limitar a dizer às pessoas para não votar”, defende a jovem.

Òscar e Elsa sabem que “isto não acaba aqui”, mas nenhum está muito contente com o país que tem. “Cada vez que Rajoy fala há mais independentistas e gente que os apoia. Vê as manifestações em Madrid, em Sevilha…”, diz Elsa. “Primeiro, antes de tudo, devíamos mudar Espanha”, afirma Òscar. “Gostava de mudar Espanha, mas vejo mais exequível sair de Espanha e começar de novo num país catalão”.

Dia Internacional da Música

A menos de 15 minutos a pé, na escola primária Joan Pelegrí do bairro de Saints, a ocupação foi mais bem organizada e quem mais se mobilizou foi a Associação de Famílias. Há um cartaz com as actividades previstas para a noite de sexta, o dia de sábado, a noite seguinte e ainda domingo, Dia Internacional da Música. A jornada, com cartaz e tudo, intitula-se “Primeiro encontro de jogos de tabuleiro”.

É madrugada, já passa das 2h e há umas 60 pessoas no interior da escola Joan Pelegrí. Alguns dormem, mas são poucos. Há quem jogue xadrez ou damas, mas a maioria conversa ou acaba de fazer as camas. “Houve uma senhora que nos trouxe 37 colchões insufláveis”, conta uma das ocupas, vizinha do bairro que vota nesta escola e por isso veio. “Os mais velhos vão dormir muito confortáveis.”

Sergi, 23 anos, um dos monitores que aqui trabalha a partir das 17h, quando se iniciam as actividades pós-escolares, conta que os Mossos vieram às 18h e de novo à 1h. “Perguntaram quem éramos, quantos somos e o que o que é que está previsto fazermos. Pois, é como diz o cartaz. Vamos organizar jogos de tabuleiro, um torneio de futebol e fazemos fazer cravos em origami. Também há a corrida em que pretendemos chegar às 1714 voltas, as famílias vão participar e os miúdos vão divertir-se de certeza.”

E domingo? “Pois, no domingo vamos celebrar um belo e pacifico Dia da Música”, responde Sergi. “Dó, ré, mi, fá, sol, lá, ‘si’… Oh, não existe ‘não’”, brinca uma das colegas. A boa-disposição impera por aqui. Há algum nervosismo, também, mas mais parece a ansiedade antes de um teste importante, não medo face a algum perigo. “Hoje vou tentar dormir. Amanhã acho que ninguém vai pregar olho”, antecipa uma das vizinhas voluntárias.

Nervoso miudinho

A ansiedade que se sente entre os que se ofereceram para passar o fim-de-semana nesta escola de Saints é um pouco a mesma que trespassa Barcelona por estes dias. Entre os saíram à rua na sexta-feira para aplaudir uma manifestação de agricultores junto à delegação do Governo espanhol, no bairro residencial de Eixample. Entre os que passam pela praça da Universidade para fazer perguntas aos estudantes. Entre os milhares que se juntaram no comício da Fonte Mágica, simples manifestantes, voluntários (ainda com os seus coletes da Diada de 11 de Setembro) ou até entre os políticos, activistas e comuns catalães que subiram ao palco.

Remei (Remédios), 70 anos, fica indignada quando lhe dizemos que pode falar castelhano. “Nós somos bilingues, não somos como eles, que nem bom-dia em catalão tentam dizer quando cá estão”, diz esta reformada que mora longe do centro, mas que tem vindo todos os dias, de autocarro, “para ver se a mobilização continua” e “confirmar que o referendo se faz”.

Anna, de 47 anos, acompanhou a mãe, Concepción, de 73 anos, à manifestação de agricultores. “Isto é tão bonito, agora não há recuo, é isso que eu sinto”, diz Anna, que trabalha “como professora”. A mãe, que já esgotou a memória do telefone com fotos e vídeos mas ainda tem a sua Nikon ao pescoço, não quer ir embora enquanto o último tractor não arrancar dali. E são tantos, dezenas e dezenas. “Eles deixaram os campos para nos virem dizer que também existem, também são catalães e sonham com o nosso país”, justifica.

“Estes dias são muito diferentes. Acabei de me cruzar com um senhor ainda mais velho do que eu, no Passeio da Gràcia e chorava compulsivamente, compreendes?”, diz Concepción. “Chorava por já não acreditar que ia ver chegar este dia.”

“Votaremos” e “Venceremos”

Ninguém sabe ao certo se este dia vai chegar. Mas no comício de sexta-feira à noite todos garantiram que sim. “Já ganhámos. Ganhámos dignidade”, afirmou Puigdemont, o último interlocutor de uma longa noite e o que recebeu, de longe, a maior ovação, com as milhares de pessoas presentes a gritarem o seu nome durante uns bons minutos.

Antes, tinham falado todos os partidos envolvidos no processo, mas também representantes dos bombeiros, dos informáticos ou dos gráficos, dos professores e das associações pró-independência, dos municípios, de todos os que de alguma maneira partilham a responsabilidade do referendo, se ele se realizar, este domingo. Também subiram ao palco representantes de diferentes comunidades – um sikh, uma muçulmana – para afirmarem em bom catalão que “a Catalunha é de todos e feita por todos”.

Domingo, gritou-se: “votaremos”. Domingo, gritou-se: “venceremos”. “Segunda-feira, terça-feira, quarta-feira, também são dias muito importantes”, afirmou Puigdemont. O presidente catalão sabe que será nesses dias que a pressão para que declare unilateralmente a independência da Catalunha se fará sentir. Virá de partidos como a CUP e de organizações como a ANC. Virá da rua, como da rua tem vindo parte deste processo. Para não o fazer, Puigdemont precisa que Rajoy lhe telefone e se ofereça para negociar, por fim. Infelizmente, o líder da Generalitat tem a certeza que o telefone não vai tocar.

Foto
Os Mossos d'Esquadra chegam a uma das escolas ocupadas REUTERS/Enrique Calvo
Sugerir correcção
Ler 5 comentários