Abstenção: um problema com solução

Daqui a poucos dias teremos as eleições autárquicas e muito provavelmente a abstenção será alta, continuando assim até que tenhamos uma estratégia sólida, arrojada e eficaz de consciencializar toda a população...ou então, até que de uma forma paternalista, o Estado nos obrigue a ir votar!

Aproximam-se as eleições autárquicas e, com elas, a habitual discussão sobre as elevadas taxas de abstenção, que aumentam de ano para ano e que são constantemente “as mais altas de sempre”, comprometendo assim a nossa democracia.

O aumento da abstenção é grave porque traduz uma maior distância entre eleitores e governantes, podendo gerar uma representação democrática enviesada que favorece aqueles que votam, na medida em que existe uma tendência para os governantes responderem às suas necessidades, já que estes grupos são os que ditam, em grande parte, os resultados das eleições. Basta pensar que se reformados votam mais que jovens estudantes, provavelmente existirá uma tendência em priorizar as necessidades dos mais velhos em detrimento dos mais novos.

Além de Portugal, este problema afeta praticamente todas as democracias ocidentais, em maior ou menor escala. Pegando no exemplo das eleições legislativas, em 2015 a abstenção foi aproximadamente 44,1% (dados Pordata), ou seja, o valor mais alto da nossa história democrática. Comparando com os outros países da OCDE, estes valores colocam-nos com uma abstenção acima da média, mas, ainda assim, abaixo dos valores registados em países como Espanha, Reino Unido ou EUA. Curiosamente, no grupo dos países com menores taxas de abstenção estão a Suécia, Dinamarca e Islândia, tal como países em que o voto é obrigatório, como a Austrália, Bélgica ou Turquia (dados OCDE).

Mas quais são as causas para uma abstenção tão elevada? Utilizando um raciocínio de economista, as pessoas deveriam votar se o seu custo de ir votar fosse inferior ao seu benefício, ou seja, se dessem mais valor ao seu voto do que àquilo que têm de sacrificar ao ir votar (quer isso seja apenas tempo, uma ida à praia num domingo de sol ou um jogo do seu clube favorito). Mas numa eleição com milhares ou milhões de eleitores o voto individual de cada um de nós não faz a menor diferença e, de acordo com este raciocínio de custo/benefício, ninguém deveria ir votar. 

Contudo, paradoxalmente, as pessoas mesmo assim votam! Este é o famoso “paradoxo do voto” formulado por Anthony Downs nos anos 1950. Tal comportamento sugere que, felizmente, existe algum fator que ultrapassa a mera contabilização custo/benefício individual. Possivelmente as pessoas votam por sentirem que é o seu dever cívico, necessário para a manutenção da nossa democracia e estilo de vida. Assim, apesar de o voto ser individualmente insignificante, acaba por ter relevância em termos coletivos.

Esta hipótese de as pessoas votarem por sentimento de dever cívico foi testada recentemente em Portugal, no âmbito de uma tese de mestrado da Nova SBE. Algumas pessoas foram informadas acerca da importância de ir votar e de como esse ato cívico é crucial para a manutenção da democracia (usando informação oficial do Portal do Eleitor), enquanto outras pessoas não receberam essa informação. Concluiu-se que a prestação desta informação levava a uma maior probabilidade (cerca de 3,4 pontos percentuais) de as pessoas votarem no futuro.

Esta conclusão tem um impacto elevado: se a probabilidade de as pessoas irem votar aumenta com a sua consciencialização de que o voto é um dever cívico essencial, então devemos ter mais e melhor políticas públicas que reforcem este sentimento de dever cívico.

Não basta ter a informação disponível no Portal do Eleitor. Provavelmente só consulta este portal quem já tem interesse em política e que, provavelmente já iria votar de qualquer forma. 

É necessário chegar àqueles que não estão conscientes que o seu direito de voto é também um dever cívico essencial. Um caso flagrante são os jovens, com taxas de abstenção bastante elevadas, especialmente aqueles que votam pela primeira vez. Para esses, a probabilidade de votar é 17% inferior à probabilidade das pessoas mais velhas (dados OCDE).

Possivelmente, estes jovens poderiam ser consciencializados com técnicas mais modernas do que a disponibilização de informação num sítio qualquer na internet. O Estado podia ativamente publicar informação em redes sociais como o Facebook ou o Instagram, que rapidamente chega a milhares de pessoas. Se quisesse ser mais arrojado, podia mesmo fazer campanhas incluindo os ídolos destes jovens, como atores, cantores ou desportistas, que mencionariam pela sua própria voz a importância de votar.

Ainda assim, a solução apesar de ter de passar pelo Estado, não tem de depender exclusivamente deste, podendo a sociedade civil desempenhar um papel importante. Por exemplo, as estações de televisão poderiam incluir nos seus conteúdos menções breves sobre a importância de votar, à semelhança do que já fizeram no passado ao levantar o debate sobre questões tão importantes como o racismo, o aborto ou a homossexualidade. 

Concluindo, daqui a poucos dias teremos as eleições autárquicas e muito provavelmente a abstenção será alta, continuando assim até que tenhamos uma estratégia sólida, arrojada e eficaz de consciencializar toda a população...ou então, até que de uma forma paternalista, o Estado nos obrigue a ir votar!

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