"Senhor presidente", é o que lhe chamam há 38 anos

João Rocha, presidente da Câmara de Beja, tem 67 anos e quer vencer a 11ª eleição autárquica.

Foto
LUSA/NUNO VEIGA

Esta história começa com a Nossa Senhora da Agonia, a padroeira dos pescadores, por mais estranho que isso possa parecer quando se fala de um autarca comunista no Alentejo interior, longe da água do mar e com uma relação muito própria com a Igreja Católica. Não é o mais velho em funções, mas é o mais antigo no cargo. “Senhor presidente” é como lhe chamam há 38 anos, dos 67 que tem de vida. João Rocha nunca perdeu umas eleições autárquicas, desde 1979, e vai agora tentar a sorte pela segunda vez em Beja, pela 11.ª vez. 

Quando era moço novo, ajudava nas festas da Senhora da Agonia, em Viana do Castelo, onde nasceu. A família era toda "muito animada" e o então pequeno João, apesar de gostar muito de música e festa, "era duro de ouvido". Não lhe ficou o talento na voz, ficou-lhe a vontade de ajudar a fazer coisas na cabeça e acha mesmo que foi por isso que foi eleito presidente da Câmara Municipal de Serpa.

No pós-25 de Abril, rumou ao Sul para dar aulas no pequeno concelho alentejano, foi para a comissão de festas e daí até ser candidato à câmara foi um tirinho. "Meti-me lá nas festas em Serpa, na parte profana, porque entendo que qualquer pessoa, quando vai morar para uma localidade seja lá onde for, ou opta por ir trabalhar e voltar para casa ou participa extra trabalho. Muitos daqueles que participam nas festas e na cultura são os que preservam a nossa identidade. Os outros vão ao sushi... Há coisas que assimilamos muito depressa e, às vezes, o que é nosso não assimilamos", conta ao PÚBLICO, numa conversa tirada a ferros. É que, apesar de se dizer uma "pessoa divertida", não gosta "de mostrar os dentinhos para a fotografia". Na verdade, é melhor um resumo pelo próprio, assim que atende o telefone: "Quer falar sobre mim? Eu não gosto muito de falar, sou de outra espécie. Quanto menos falar melhor, para não dizer asneiras".

João Rocha não acredita que com festas e bolos se enganam os tolos, mas é disso que o acusam em Beja: de promover muitas festas para disfarçar o resto do trabalho na autarquia. Paulo Arsénio, o candidato pelo PS, que é o principal opositor, não esconde as dificuldades. "Não é nada fácil a minha tarefa", diz. O socialista propõe um modelo que não quer "propor nada de espectacular, mas recuperar, valorizar e promover o que Beja já tem", ao contrário do modelo de gestão autárquica de João Rocha, que "se tem baseado em festividades, não exclusivamente, mas sobretudo em festividades".

O actual presidente-candidato não esconde que gosta de animação. "Eu acho que este país precisa de muita educação e muita cultura. Às vezes as pessoas estão tão fechadas, que precisamos de as fazer sair", defende-se.

João Rocha foi um dos "dinossauros" que em 2013 mudaram de habitat, de Serpa para Beja, e conseguiu convencer um eleitorado diferente e logo com maioria absoluta, apesar de ter conquistado a câmara com 303 votos de diferença para o PS. Mas em Beja, mais do que o PCP ganhar eleições, é o PS que as perde. 

Rocha conta com a volatilidade nos votos no PS. Olhando para os resultados desde 2001, os votos nos socialistas, os principais adversários, variam bastante entre um mínimo de 5971 (2005) e 8577 (em 2009). Esta instabilidade no eleitorado que vota PS não se reflecte no entanto numa mudança directa para o PCP. Aliás, os votos nos candidatos comunistas têm sido bastante estáveis, entre os 7398 (2001) e o máximo de 7815 (2009), ano, aliás, em que apesar de ter tido a melhor votação nas eleições autárquicas no concelho neste século, acabou por perder para o candidato socialista Jorge Pulido Valente. 

Pode, por isso, dizer-se que, mantendo um eleitorado bastante fixo (uma variação de 417 votos num universo de 17 a 18 mil votantes), o PCP ora ganha ora perde eleições, dependendo da força dos socialistas. Numa análise em espelho, pode dizer-se que é o PS que perde eleições (variação de 2606 votos desde o início do século) e não o PCP que as ganha.  

Para o PS, "há uma janela de oportunidade" para derrotar Rocha, se subir nas freguesias e for buscar alguns votos ao centro-direita. Mas aí o presidente criou uma relação próxima com sociais-democratas na terra, entre eles alguns empresários - aliás, das primeiras acções que teve enquanto presidente foi reunir-se com uma centena de empresários e consta que apenas um era do PCP. Há, aliás, quem questione se ele é mesmo comunista. Rocha ri-se. Diz que não é partidário da ideia que "não se pode dar com alguém porque é de outro partido". "Da minha vida faço o que entendo".

Esta "autonomia" que apregoa transforma-se para os críticos na criação de uma espécie de partido dentro do partido: faz o que quer, mas apesar disso sem grandes afrontas públicas ao partido, relaciona-se com quem quer, e tem, no centro do seu pragmatismo, o instinto de sobreviência. E se para sobreviver politicamente precisava do PSD para governar duas freguesias da cidade de Beja, fez uma "vodka-laranja" que está a criar mais problemas aos social-democratas do que a si.

João Rocha já passou pelas várias fases dos autarcas portugueses. Foi o homem do betão e alcatrão, dos esgotos, água e electricidade em Serpa quando nem isso havia e em Beja tem nas mãos um trabalho diferente. Mesmo assim, do que gosta é do "planeamento", sobretudo o urbanístico, e não esquece que Beja é a única capital de distrito que não tem nem uma auto-estrasda, nem o comboio Intercidades. O autarca queixa-se que os sucessivos governos têm esquecido o Baixo Alentejo. "Se eu estivesse no Governo, aquilo funcionava melhor", diz em jeito de brincadeira.

Mas alguma vez pensou em ir? "Nunca tive grandes aspirações políticas. Não tenho jeito para isso. Sou uma pessoa muito ligada ao planeamento, um bocado anarca, mas organizado". O que é entendido, por funcionários e opositores, como alguém que manda - ele é que é o presidente da câmara. "Decide sozinho. Tem uma gestão unipessoal da câmara, na melhor lógica do 'quero, posso e mando'. Deveria confiar mais nos técnicos e nas pessoas, coisa que não tem acontecido", diz Paulo Arsénio. E Rocha não esconde que gosta de estar no comando. "Não sei se gostam muito de mim, mas tenho de fazer o meu papel. Uma pessoa pode ser mais casmurra ou menos, o que importa é a criatividade" e a acção: "Se puder fazer cem coisas, não faço cinquenta". É o que se propõe fazer por mais quatro anos.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários