A economia tornou a eleição mais previsível, mas também tem problemas

Por trás de uma economia que conseguiu, com o resto da Europa em crise, colocar o desemprego abaixo de 4%, estão a emergir desafios como o aumento da desigualdade, a falta de inovação e os conflitos com os parceiros comerciais deficitários.

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A imigração é uma solução para a falta de mão de obra, mas levantam-se questões políticas Ina Fassbender/Reuters

Uma economia a crescer acima de 2%, um sector exportador cada vez mais forte e que é o motor da economia, um excedente face ao exterior de 8% que é único a nível mundial e, principalmente, uma taxa de desemprego de 3,7%, a mais baixa em toda a zona euro. Basta olhar para estes indicadores na Alemanha, sabendo que foram construídos ao mesmo tempo que noutros países europeus se passava por uma crise profunda, para se ficar com boas pistas para se perceber porque é que se está a assistir a umas eleições classificadas por muitos como “aborrecidas” e “previsíveis”, sem o nível de incerteza que se viveu recentemente nos EUA, em França ou no referendo britânico, países abalados pela luta pelo poder de forças populistas.

Não se pense contudo que a forte economia alemã, a terceira maior potência exportadora do Mundo, está livre de problemas e de desafios que podem, caso não sejam enfrentados, colocar em causa a continuidade do seu bom desempenho em indicadores como o crescimento, o emprego e mesmo as exportações.

Um dos problemas detectados é que, a par do crescimento e da descida do desemprego, se tem assistido também a um agravamento da desigualdade na distribuição da riqueza.

Uma das razões mais vezes apontada para o sucesso da economia alemã durante este século é o facto de, durante o Governo liderado por Gerhard Schröder, terem sido postas em prática reformas estruturais na legislação laboral que flexibilizaram a economia e tornaram as empresas mais competitivas. Do outro lado da moeda, contudo, essas mudanças trouxeram para a Alemanha uma nova realidade de emprego precário e de salários baixos, que contribuíram que indicadores como o da percentagem da população em risco de pobreza (abaixo de 60% da mediana do rendimento) subissem para valores nunca vistos.

É verdade que ser considerado “em risco de pobreza” na Alemanha ou cair nessa classificação num país como Portugal é bastante diferente, mas o aumento da desigualdade e o sentimento de que são as grandes empresas que estão a retirar os principais benefícios do crescimento da economia são combustíveis poderosos para as tensões sociais. Durante as eleições, este foi um dos temas em que Angela Merkel foi mais alvo de críticas da oposição.

Outro problema muitas vezes identificado na economia alemã está no reduzido investimento que está a ser feito, nomeadamente público, e que pode constitui uma ameaça para o crescimento potencial da economia. O bom desempenho da economia alemã continua alicerçado nos sectores industriais tradicionais e há quem alerte para o perigo de não haver mais investimento, nomeadamente público, que dinamize outros sectores e promova a inovação. A Alemanha é por exemplo um dos países da zona euro com uma percentagem mais baixa de habitações com acesso a internet de alta velocidade (com um valor que é menos de metade do português). E é também por isso que, apesar de continuar a ser um líder no sector industrial, a Alemanha está longe dos primeiros na economia digital.

Outra dificuldade a que se assiste é a da falta de mão de obra no país, especialmente a mais qualificada. A imigração é uma das soluções de curto prazo para esse problema, mas também aqui têm vindo a ser encontrados obstáculos, de ordem política, cada vez mais difíceis de ultrapassar.

Por fim, há ainda a perspectiva de que a Alemanha seja sujeita a uma pressão crescente vinda do exterior para a alterar uma política económica que tem vindo a criar excedentes externos considerados insustentáveis. Para os mais críticos, o crescimento alemão dos últimos anos tem sido feito à custa de uma divisa subvalorizada que lhe permite, com mais facilidade, conquistar mercados, especialmente dentro da zona euro. E ouvem-se cada vez mais vozes, vindas de outros governos europeus, de Bruxelas, do FMI e da administração Trump nos EUA, que pedem às autoridades alemãs outro tipo de estratégia para a economia, que promova mais a procura interna e menos a competitividade face ao exterior.

Na Alemanha, há uma grande relutância em abandonar uma estratégia que tem garantido tanto crescimento e emprego, mas está a crescer a convicção de que, o novo Governo, seja qual for a sua composição, vai ser forçado, mais do que os anteriores, a dar uma resposta mais convicta aos desafios que a economia enfrenta.

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