Jerry antes de se ter tornado Seinfeld no Netflix

Jerry Before Seinfeld, o especial que traça o início do percurso de Jerry Seinfeld nos clubes de comédia de Nova Iorque nos anos 1970, chegou na terça-feira ao Netflix. Só não se espere introspecção.

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Jerry Seinfeld em Jerry Before Seinfeld Netflix

Desde 1998, quando lançou I’m Telling You For the Last Time, que Jerry Seinfeld não fazia um especial de comédia. E, antes disso, tinha feito um em 1987. Só. É, portanto, um acontecimento digno de nota isso acontecer. Desta feita, Seinfeld lançou, na terça-feira, Jerry Before Seinfeld, o primeiro de dois especiais no Netflix — os outros passaram primeiro na HBO — que fazem parte da forte aposta do serviço de streaming em comédia.

Seinfeld é, obviamente, um dos nomes mais sonantes dessa estratégia e foi por isso que apareceu com Dave Chappelle, Chris Rock e Ellen Degeneres num anúncio que passou nos Estados Unidos durante a cerimónia dos Emmy no domingo e pretendia realçar esse mesmo investimento no humor – já agora, o anúncio foi realizado por Neal Brennan, o co-criador de Chappelle's Show cujo muito recomendável 3 Mics, lançado em Janeiro, é um dos melhores especiais de comédia do ano e merece muito ser visto.

O especial consiste maioritariamente numa actuação ao vivo que é composta por material antigo e novo, alternada por imagens documentais, sejam da sua infância, dos seus primeiros passos na comédia ou das suas influências, filmagens novas de Seinfeld sozinho e conversas com colegas, como as que faz em Comedians in Cars Getting Coffee, a sua série de entrevistas na internet

A ideia subjacente a Jerry Before Seinfeld é retratar os primeiros passos do co-criador e protagonista de Seinfeld. Não só antes da série que o tornou um sucesso mundial, mas antes de chegar ao sofá do Tonight Show apresentado por Johnny Carson em 1981, quando era um jovem obcecado com comédia e não levar nada a sério nem ser como as pessoas que o rodeavam que tinham crescido em Long Island – ou “em cima de”, como diz num memorável segmento – e ido para Nova Iorque e começado a actuar no Comic Strip Live. Que é, aliás, o sítio onde o especial foi filmado.

O clube, no activo desde 1975, é claramente especial para o cómico, mesmo que não tenha sido exactamente lá que ele se iniciou nos campos da stand-up, e foi remodelado para as duas noites de fim-de-semana em que Seinfeld lá actuou desta vez para se parecer com aquilo que era há 41 anos.

Seinfeld será sempre Seinfeld, por isso, mesmo que haja alguma autobiografia neste novo especial e muita personalidade através da dissecação daquilo que o irrita ou não, não há a introspecção severa nem o lado ultra-confessional que caracteriza a comédia de pessoas que ascenderam ao topo da comédia nos últimos anos, tais como Louis C.K., em cuja série Louie Seinfeld já apareceu.

Na parte documental de Jerry Before Seinfeld, o cómico explica, aliás, que nunca lhe interessou que o público gostasse dele como pessoa, só que se rissem das piadas que escreveu. Além disso, diz, em dada altura, ao visitar o lugar em que cresceu, que teria tido mais piada se tivesse crescido num bordel em Peoria, Illinois, que foi o que aconteceu com Richard Pryor, alguém que minava a sua tumultuosa vida pessoal em cima do palco. Que é, diga-se, alguém de quem Seinfeld é fã e que até tem direito a aparecer num vídeo a meio do especial quando se mencionam as suas influências.

As observações não fogem daquilo a que o cómico nos habituou ao longo dos anos, muitas vezes em frente a uma parede de tijolos como aquela que há no Comic Strip Live no início e no fim de episódios de Seinfeld – se bem que, nesse caso, era suposto ser outro clube, o Catch a Rising Star, que é aliás mencionado no início do especial. E algumas das observações são exactamente as mesmas de sempre, ainda que tenham ligeiras alterações e estejam agora ligadas pela ideia de um espectáculo biográfico.

Em Jerry Before Seinfeld, fala sobre a linguagem – uma constante –, a infância, cereais, o Super-Homem, Nova Iorque, apartamentos minúsculos, finalmente ter dinheiro depois de uma vida sem ele – Seinfeld encabeça rotineiramente, graças à sua mítica sitcom, listas dos cómicos mais bem pagos do mundo –, roupa, a falta de apetência para interacções sociais ditas normais que sempre foi uma parte importante da sua obra, profissões, o quão insano é alguém ter vontade ou sequer achar-se capaz de ser presidente dos Estados Unidos ou a estranheza de, no seu país, o Partido Democrata e o Partido Republicano terem como mascotes, respectivamente, um burro e um elefante.

Não é nada de avassalador, se bem que é feito por alguém que sabe muito bem o que está a fazer, com talento e anos de experiência. Muitas das piadas estão compreensivelmente datadas, visto serem tão antigas, ou têm menos peso saídas da boca de um multimilionário, outras são apenas inofensivas – Seinfeld nunca foi, nem nunca quis ser, conhecido pela acutilância. Muitas são hilariantes. E há também alguns momentos de interacção com o público, se bem que pouco naturais (o que vai de encontro à personalidade de Seinfeld), para demonstrar que isto se trata de algo um pouco mais espontâneo e menos meticuloso do que é habitual nele.

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