Três Governos, a mesma Merkel

A chanceler liderou três coligações diferentes: com os sociais-democratas, com os liberais, de novo os sociais-democratas. O que esperar do quarto mandato? As eleições na Alemanha são a 24 de Setembro.

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Angela Merkel Axel Schmidt/Reuters

Angela Merkel tem uma carreira política excepcional e um percurso também extraordinário como chanceler. Liderou duas “grandes coligações”, e pelo meio governou com os liberais. O director do instituto Policy Matters Richard Hilmer (antigo director do Infratest Dimap, um dos barómetros políticos mais importantes) e o jornalista de política do jornal Stuttgarter Nachrichten Matthias Schiermeyer ajudam a traçar um retrato dos três governos de Merkel – e daí antecipar o que poderá ser o seu quarto executivo.

Primeiro Governo (2005-2009) Coligação com o SPD

Após as eleições de 2009, a CDU de Merkel consegue um resultado um pouco acima do SPD, do chanceler Gerhard Schröder. A solução foi fazer uma “grande coligação”, com é conhecido um executivo com democratas-cristãos e sociais-democratas, os dois maiores partidos do país. Esta foi apenas a segunda grande coligação da Alemanha – a primeira aconteceu de 1966 a 1969.

Nos primeiros tempos, beneficia de uma economia em crescimento, descida do desemprego e redução da dívida, até que acontece a crise do subprime nos EUA. É aqui que o Governo se mostra a resposta certa em tempos instáveis.

“Ainda hoje as pessoas sabem que foram as decisões da grande coligação que fizeram com que a Alemanha superasse a crise de um modo que poucos outros países europeus conseguiram”, diz Richard Hilmer. “Se hoje estamos muito melhor do que a média, é por isso.” Soluções como a redução das horas de trabalho nas empresas, com o Estado a pagar a diferença, aponta Matthias Schiermeyer, fazem parte do grande sucesso da coligação.

Momento simbólico: Em Outubro de 2008, Merkel e o seu ministro das Finanças, Peer Steinbrück, garantem que os depósitos estão seguros apesar da crise financeira.

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Segundo Governo (2009-2013) Coligação com os liberais

Depois do sucesso da grande coligação, as eleições mostram que os eleitores deram o crédito a Merkel e não aos sociais-democratas, e estes descem para o seu pior resultado eleitoral. Durante a campanha, Merkel nunca indicou o que preferiria (o que está a fazer de novo nesta campanha). Era uma incógnita o que iria decidir: se manter-se com o SPD ou coligar-se com os liberais, um partido com mais afinidade com os democratas-cristãos, e que foi durante décadas a coligação clássica.

A chanceler escolhe a coligação mais tradicional, o que se revela uma má decisão. “O Governo teve vários problemas, especialmente entre 2010 e 2011 [quando os liberais mudam de líder]”, nota Richard Hilmer. “Não foi um Governo bem aceite pelas pessoas.”

Matthias Schiermeyer descreve “um Governo caótico”, com conflitos regulares, especialmente entre a CSU (o partido gémeo da CDU na Baviera) e os liberais.

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No entanto, Merkel conseguiu um grande sucesso que a definiu, quando decidiu alterar a política nuclear – o Governo acabara de decidir aumentar a produção de energia nuclear na Alemanha quando o desastre de Fukushima, no Japão, levou a chanceler não só a reverter a decisão como a ir mais longe e anunciar o fim faseado do nuclear na Alemanha.

No executivo com os liberais, Merkel não muda, assim, a sua atitude. Continua a apoiar medidas que não seriam típicas do seu campo político: é com esta coligação que aprova também o fim do serviço militar obrigatório.

Momento simbólico: Para Matthias Schiermeyer, a demissão de Christian Wullf, o Presidente envolvido num escândalo (favores indevidos e um telefonema irado para o director do jornal Bild). A sua eleição (não por voto universal mas por uma assembleia formada por políticos e personalidades públicas) deixou evidente o desacordo profundo entre os democratas-cristãos e os liberais. A sua saída levou à eleição do bem mais popular Joachim Gauck (que os liberais também apoiaram).

Terceiro Governo (2013-2017) Nova coligação com o SPD

O resultado eleitoral de 2013 é um desastre absoluto para os liberais, que pela primeira vez na sua história ficam fora do Parlamento. Já Merkel tem um óptimo resultado, perto da maioria absoluta. Isso dá origem à ideia da “maldição de Merkel”: quem com ela governa está eleitoralmente condenado.

Tentando evitar isso, o SPD exige o estabelecimento de um salário mínimo nacional, uma forte promessa de campanha, para entrar no Governo. Merkel cede com relutância, dizendo sempre que terá custos para a economia.

O salário mínimo de 8,5 euros por hora foi, para Matthias Schiermeyer, um dos grandes sucessos da coligação. Mas o SPD não conseguiu, mais uma vez, beneficiar: o crédito foi para Merkel.

Mas o momento que define o terceiro Governo de Merkel foi a decisão de abrir as fronteiras aos refugiados. “O erro de Merkel”, defende Richard Hilmer, “não foi deixar entrar os refugiados no Verão de 2015”. O problema veio depois, “quando se recusou a fechar de novo as fronteiras, e a cultura de boas vindas do início mudou muito rapidamente”.
Matthias Schiermeyer diz que a fraqueza do Estado ficou visível com o acolhimento de tantas pessoas, e levou ainda a uma fricção entre os dois partidos gémeos, CDU e CSU.

Merkel, sempre pragmática, não mudou o discurso – mas mudou a política. “Há uma discrepância o que está a dizer e a fazer”, aponta Hilmer. A entrada de refugiados na Alemanha foi entretanto muito dificultada (incluindo as reunificações familiares).

Momento simbólico: Merkel abre a porta a milhares de refugiados em Setembro de 2015 (falou-se num milhão, mas foram registadas 800 mil entradas em 2015)

O quarto Governo

Como será o próximo Governo? “Essa é uma questão entusiasmante e difícil de prever”, diz Schiermeyer. Segundo as sondagens, uma coligação com os liberais pode nem ter uma maioria de deputados. Se tiver, e se os liberais tiverem um bom resultado, seria sempre uma opção para Merkel.

Mas também há a hipótese de entrada em jogo dos Verdes. “Há muito que se especula sobre uma coligação destas, especialmente porque ambos os partidos já estão juntos numa coligação em Baden-Würtemberg.” Uma “coligação Jamaica” – preto, amarelo e verde, as cores dos democratas-cristãos, liberais e ecologistas – é muito mais improvável, diz: verdes e liberais estão em desacordo em áreas fundamentais. Numa entrevista aos jornais do grupo de media Funke, ontem publicada, Merkel pareceu afastar estas hipóteses, dizendo que não faz campanha com uma coligação em vista mas declarando que não é altura para “fazer experiências”.

O mais provável é assim uma nova grande coligação. Nas sondagens aparece como a opção preferida dos inquiridos. “Por vezes, fora da Alemanha, não se tem noção de que o nosso sistema é muito orientado para consensos”, diz Hilmer. Um desejo de unidade que aumenta ainda mais em tempos conturbados. “Por isso, também, é que a grande coligação tem tanto sucesso.”

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