No novo ano lectivo as escolas vão ser mais diferentes umas das outras

Projecto de flexibilidade curricular estreia-se com um mosaico de escolhas por parte das direcções escolares. O PÚBLICO falou com responsáveis de 31 das 235 escolas e agrupamentos envolvidas no projecto. Apostam na aplicação das mudanças às turmas de início de ciclo (1.º, 5.º, 7.º e 10.º anos).

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A falta de disponibilidade de professores condicionou algumas escolas que queriam avançar para o novo projecto Daniel Rocha

O novo ano lectivo começa oficialmente na próxima sexta-feira e há, desde já, uma certeza: as escolas vão ser mais diferentes umas das outras. Os projectos de flexibilidade curricular, introduzidos pelo Ministério da Educação como uma experiência pedagógica, entram em funcionamento. E vão ser usados de forma muito diversa pelos professores. Ainda que a generalidade das direcções escolares que entram na experiência tenha optado por aplicar a mudança a todos os alunos de início de ciclo, há casos em que serão constituídas “turmas de teste” para esta estratégia e há até quem vá ter disciplinas semestrais, à semelhança do que acontece no ensino superior.

A flexibilidade curricular permite, entre outras medidas, que as escolas façam a sua própria gestão de até 25% da carga horária lectiva. Ao longo da última semana, o PÚBLICO falou com responsáveis de 31 das 235 escolas e agrupamentos envolvidos no projecto. Na generalidade dos casos (74% das escolas contactadas), os directores apostaram em aplicar as mudanças a todas as turmas de início de ciclo (1.º, 5.º, 7.º e 10.º anos), que são aqueles em que legalmente é possível usar os mecanismos de flexibilização. Nos restantes casos (8 escolas) é feito algum tipo de selecção, limitando o número de turmas e alunos envolvidos.

Mas mesmo nos estabelecimentos de ensino que optaram por aplicar este projecto a todos os estudantes, a forma como o mesmo será efectivado é muito variável. O retrato que é possível traçar é, por isso, bastante diversificado.

Várias escolas assumem a dimensão de experiência da novidade introduzida este ano. É o caso do Agrupamento de Pedome, em Vila Nova de Famalicão, que optou por aplicar a medida a duas das suas cinco turmas do 5.º ano. A flexibilidade curricular vai ser testada numa turma com “condições para poder ter bons resultados e sucesso educativo de qualidade”. A outra turma “poderá não vir a apresentar um desempenho escolar e um sucesso de tanta qualidade”, assume o director Fernando Manuel Lopes. A intenção da escola é que, com “dados de partida diferenciados”, possa documentar o impacto do projecto nas aprendizagens.

A experiência da Escola Secundária Alberto Sampaio, em Braga, passa por reforçar o número de horas destinadas ao director de turma em apenas uma turma do 7.º ano. A intenção é semelhante: “Vamos querer ver a diferença que essa alteração possa provocar”, explica o director, João Andrade.

Convencer os professores

A escolha do Agrupamento de Escolas D. Dinis, em Leiria, teve outra motivação: os resultados dos alunos. A direcção optou por deixar de fora da flexibilidade curricular todos os alunos do 5.º e 7.º anos e também a generalidade dos do 1.º ciclo. Com uma única excepção: a escola EB1 do Arrabalde.

Esta é uma escola pequena — tem 60 alunos e apenas três turmas, já que funciona uma turma mista de 2.º e 4.º anos — que nos últimos anos tem tido maus resultados escolares. A direcção do agrupamento viu na flexibilidade curricular uma possibilidade para inverter essa tendência: “O objectivo desde modelo é ser promotor do sucesso escolar e é nesse sentido que vamos avançar com ele”, explica a directora, Madalena Costa.

Há, porém, outros motivos práticos e não pedagógicos a condicionar as opções das escolas contactadas. Por exemplo, o Agrupamento de Escolas da Senhora da Hora, em Matosinhos, aplicará o projecto em apenas duas de seis turmas do 7.º ano, dada a falta de disponibilidade demonstrada pela maioria dos professores para trabalharem no novo modelo.

O caso mais extremo será, porém, o do Agrupamento de Escolas Grão Vasco, em Viseu. A directora, Inês Campos, é uma entusiasta da flexibilidade curricular — “é um projecto muito válido e estou certa que trará resultados muito positivos” —, mas não encontrou a mesma abertura nos professores do estabelecimento de ensino. Por isso, apesar de estar na lista inicial do Ministério da Educação, não vai integrar esta experiência pedagógica no novo ano lectivo.

A flexibilidade curricular vai ser testada em cerca de 20% dos estabelecimentos de ensino. Há escolas que estão ainda a fechar o processo de constituição de turmas e de definição dos moldes de funcionamento dos projectos, pelo que o número total de turmas envolvidas neste primeiro ano lectivo de experiência pedagógica ainda não está fechado. Ao que o PÚBLICO apurou esse número deverá rondar as 2000 turmas.

A aposta dos privados

Das 235 escolas envolvidas, 170 são públicas, às quais se juntam quatro das sete escolas portuguesas no estrangeiro. Outras 61 do ensino privado vão também fazer parte da experiência, o que levou a Associação dos Estabelecimentos do Ensino Particular e Cooperativo (Aeep) a criar um grupo de trabalho para que os seus associados possam “partilhar ideias uns com os outros”, explica o director-geral da associação dos colégios, Rodrigo Queiroz e Melo.

Um desses casos é o do Grupo Ensinus que tem sete instituições diferentes envolvidas no projecto de flexibilidade curricular, entre os quais o Real Colégio de Portugal, o Colégio de Alfragide e o Externato Álvares Cabral. Aí serão criadas novas disciplinas como o Laboratório de Empreendedorismo e Educação Financeira ou Técnicas Laboratoriais de Física e Química e, na Matemática, passará a ser aplicado o método usado em Singapura — que tem por base a compreensão dos conceitos antes de se ensinar procedimentos, utilizando uma abordagem visual e prática.

A “grande alteração” que a experiência pedagógica implicará, porém, tem a ver com o professor, considera Teresa Damásio, administradora do Ensinus. “Vai ter obrigatoriamente de alterar a sua metodologia de ensino e permitir maior interdisciplinaridade”, defende.

Para preparar os docentes para essa alteração, o grupo contratou o especialista em mudanças educativas, Javier Aragay, para uma assessoria de três anos, em que dará tutorias mensais aos professores das várias áreas.

Outra das mudanças que vão ser aplicadas nos colégios do Grupo Ensinus é a passagem de algumas disciplinas para um regime semestral. Por exemplo, no 7.º ano os alunos passarão a ter quatro tempos semanais de Geografia na primeira metade do ano lectivo. Esses blocos nos horários são substituídos, no segundo semestre, por aulas de História.

A opção do Ensinus cruza-se com uma discussão que começa a ganhar força no sector: a possibilidade de o ano lectivo passar a ser organizado em dois semestres em lugar dos actuais três períodos. O Agrupamento de Escolas de Freixo, em Ponte de Lima, apresentou o seu próprio calendário escolar para 2017/18, dividido em dois semestres. O primeiro semestre começa a 13 de Setembro — como a generalidade das escolas, ainda que formalmente o ano lectivo comece na próxima sexta-feira, dia 8 — e prolonga-se até 2 de Fevereiro. O segundo estende-se entre 14 de Fevereiro e 19 de Junho. Os alunos mantêm dez dias de férias na altura do Natal e uma semana no Carnaval e Páscoa.

Esta possibilidade não foi aberta pelo projecto de flexibilidade curricular, mas pelo facto de a escola integrar os Projectos-Piloto de Inovação Pedagógica, destinado a um grupo mais restrito de estabelecimentos de ensino, e que reforça a sua autonomia caso adoptem projectos educativos diferenciadores.

O presidente Associação Nacional de Directores de Agrupamentos de Escolas Públicas, Filinto Lima, tem sido um dos defensores desta solução. De resto, pretendia fazer o mesmo na escola que dirige, a Dr. Costa Matos, em Vila Nova de Gaia, mas a possibilidade foi negada pelo Governo. Ainda assim, dentro das possibilidades que a flexibilidade curricular prevê, na sua escola haverá também algumas disciplinas semestrais.

A mudança para um calendário lectivo semestral teria “vantagens evidentes”, defende Filinto Lima. Por um lado, tornaria os dois períodos lectivo equivalentes, acabando com um velho problema de um 3.º período muitas vezes excessivamente curto. Por outro, promoverá o sucesso e terá efeitos positivos na disciplina, acredita: “Hoje em dia, há muitos alunos que chegam ao 3.º período com o destino traçado. Como o tempo é curto sabem que já dificilmente passam ou dificilmente chumbam.”

 

Síntese do que muda com a nova experiência:

— As escolas podem usar até 25% da carga lectiva para aplicar novos métodos de ensino.

— Podem juntar blocos de tempos para dedicar a projectos específicos (por isso, a percentagem da carga lectiva deve ser calculada anualmente).

— Podem criar novas disciplinas (oferta lectiva complementar, um tempo por semana).

— É também aberta a possibilidade de:

a) Combinação parcial ou total de disciplinas;

b) Alternância, ao longo do ano, de períodos de funcionamento disciplinar com períodos de funcionamento multidisciplinar, em trabalho colaborativo;

c) Desenvolvimento de trabalho prático ou experimental com recurso a desdobramento de turmas;

d) Redistribuição da carga horária das disciplinas, promovendo tempos de trabalho de projecto interdisciplinar, com partilha de horário entre diferentes disciplinas;

e) Organização do funcionamento das disciplinas de um modo trimestral ou semestral;

— No 2.º e 3.º ciclo, devem privilegiar abordagens interdisciplinares.

— No secundário (cursos científico-humanísticos) podem permutar uma das disciplinas bienais e ou uma das anuais da formação específica por disciplinas de um curso diferente do frequentado pelo aluno.

— São introduzidas duas novas áreas: Cidadania e Desenvolvimento; Tecnologias de Informação e Comunicação.

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