Abramovich e Dasha: um divórcio, a elite e o soft power russo

O super-casal Roman Abramovich e Dasha Zhukova vai separar-se, mas isso não impedirá que russos milionários deixem de afluir a Londres. Depois do “Brexit”, os ingleses podem mais que nunca vir a precisar deles – e das suas fortunas.

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É quase meia-noite, e nos iates ancorados à luz das estrelas em Positano, em mesas de restaurantes sobre as colinas da Toscânia, ou nos bancos traseiros de limusines a caminho das discotecas de Ibiza, as conversas — em russo — giram à volta do mesmo assunto: o recente anúncio da separação entre Roman Abramovich, o milionário dono do Chelsea FC, e a sua terceira mulher, Dasha Zhukova.

Estamos em Agosto e a comunidade russa desapareceu da sua cidade de acolhimento favorita, mas as férias têm sido animadas pela notícia de que o casal, que durante toda a última década foi visto como a realeza não oficial da chamada “Londongrad”, governando-a a partir da sua mansão de 125 milhões de libras no lado oeste dos jardins do Palácio de Kensington, já não está junto.

“A notícia surgiu do nada e foi uma surpresa”, diz uma conhecida do casal. “Já há algum tempo que se ouviam rumores, mas claro que é uma situação muito triste. Como russa, tenho pena de que eles se separem, porque enquanto Abramovich representa a ‘velha’ Rússia — novo-rico, rodeado por guarda-costas, amigo de [Vladimir] Putin —, Dasha é a imagem de uma nova Rússia, mais cool, com a qual me identifico e que gostava que o mundo conhecesse melhor.”

Contudo, a reputação dos russos — vistos como vulgares arrivistas, no melhor dos cenários, ou como gangsters, no pior — mantém-se, e há razões para isso, diz o colunista de lifestyle Peter York, que durante os últimos 20 anos viu a classe alta britânica a que chamou “Sloane Rangers” [Guardiões de Sloane, zona de Chelsea famosa pela riqueza dos seus habitantes] ser empurrada à força dos rublos para longe dos seus antigos locais de encontro. O dinheiro russo tem frequentemente uma origem duvidosa, diz. “É extremamente difícil ter muito dinheiro no estrangeiro sem a aprovação do pessoal de Putin. E esse é um patrão difícil de contentar. Sei que dizê-lo soa a ‘-ista’, como ‘racista’ ou ‘sexista’, mas a verdade é que nunca conheci alguém que o negasse.”

“Fechar os olhos ao dinheiro russo”

“Quando Putin começou a consolidar o seu poder, os oligarcas tiveram três opções: exilarem-se, trabalharem para ele ou serem mortos”, explica Misha Glenny, autor de McMáfia: O Crime Organizado Sem Fronteiras (ed. Civilização Editora). O livro, publicado em 2008, é um relato não ficcional sobre o mundo do crime organizado internacional depois da queda do bloco soviético e serve de inspiração a uma série da BBC sobre uma família oligarca exilada em Londres e que será transmitida no próximo ano. (Declaração de interesses: o meu marido, James Watkins, é o realizador da série.) “Se se quisesse manter tanto a riqueza como as boas relações com Putin, Londres era uma óptima escolha.” A principal razão da escolha do Reino Unido, em detrimento de países como a França ou os EUA, teve que ver com a política mais flexível dos ingleses relativamente aos vistos. “Um funcionário do Serious Organised Crime Agency, como na altura se chamava, disse-me que tinha sido pressionado a fechar os olhos ao dinheiro russo. A esperança era que o dinheiro fosse pingando”, diz Glenny.

Uma vez chegado a Londres, até o mais famoso criminoso podia ter a certeza de que não teria de voltar para a Rússia — até à data, todos os pedidos russos de extradição de empresários procurados pela polícia foram rejeitados por motivo de asilo político.

Esta estratégia de “fechar os olhos” pode ter contribuído para a subida dos preços das casas, empurrando os nativos de Londres para cada vez mais longe do centro, mas significou um boom nas receitas dos advogados, contabilistas e banqueiros que os servem. E a estes juntaram-se hordas de chauffers, amas, mordomos, empregadas, decoradores de interiores, comerciantes de arte e de vinhos, donos de restaurantes e vendedores de jactos privados e iates de luxo.

Contudo, mafiosos humildes sem dinheiro para “enterrar” nos armazéns Harrods e, por conseguinte, na economia britânica, não tinham qualquer hipótese. “Os russos que querem vir para Londres têm de ser extremamente ricos, porque os vistos do Reino Unido são proibitivamente caros”, afirma Glenny. “Um mero visto para uma viagem de negócios custa cerca de 950 libras [1031 euros], o que exclui uma grande parte da população de poder, sequer, visitar o país, quanto mais fazer dele a sua casa.”

O governo de John Major lançou em meados dos anos 1990 um programa de vistos de investidor, garantindo residência a estrangeiros que investissem um milhão de libras no país — número que subiu para dois milhões em 2014. “Obviamente, só os endinheirados podem pagar isso e, desses, muito poucos serão os que fizeram fortuna por meios que nós consideraríamos inocentes”, continua Glenny. Em Moscovo, os ricos não só se conhecem como muitas vezes se odeiam entre si, com as famílias dos oligarcas presas a disputas violentas e desprezadas pela opinião pública, que as acusa de se apoderarem dos recursos do país. Em Londres, pelo contrário, sentem-se bem mais seguros.

Bentleys à prova de bala

“Apercebem-se rapidamente de que a vida é muito mais agradável aqui do que na Rússia. Os seus filhos não precisam de andar sempre com um guarda-costas atrás; podem viver como pessoas normais”, diz Natasha Semyonova-Bateman, residente no Reino Unido desde 1992 e que dirige o Axton UK, serviço de realocação para os seus compatriotas. “A riqueza deles já não chama a atenção. Quando vives numa rua em que toda a gente é multimilionária, deixas de ser especial. Há quem ache isso perturbador, mas a maior parte das pessoas está encantada.”

Pelo menos no início, os recém-chegados tentam manter a maior discrição possível. Vivem por trás de portões eléctricos e foram mesmo os pioneiros da nova moda de piscinas, salas de cinema, pistas de bowling e salões de beleza subterrâneos. Deslocam-se em Bentleys à prova de bala conduzidos por um motorista e só muito raramente se misturam com o mundo exterior.

“Dado que os motivos que trazem um russo para Inglaterra são muito diferentes dos de um francês que vem para cá viver, por exemplo — nomeadamente, proteger a pele e o dinheiro, por oposição a uma escolha baseada no gosto pessoal —, a verdade é que os russos não se misturam muito”, diz York. “Se tiver um banqueiro americano como vizinho, rapidamente o irá conhecer, mas nunca será convidado para jantar em casa de uma típica família milionária russa. Como os seus rendimentos estão ligados e dependem de um estado de cariz duvidoso, eles nunca vão cortar os laços que os amarram.”

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Eclipse, o iate de Abramovich na chegada à Turquia Getty Images

Mas Semyonova-Bateman diz que tal atitude se altera rapidamente. “Eles tornam-se muito mais amigáveis do que eram em Moscovo, mais relaxados”, declara. “Tive um cliente que à chegada estava muito paranóico, queria as cortinas sempre fechadas. Mas quatro anos depois, a sua mulher abriu as portas do jardim para que as pessoas pudessem admirar as rosas, à boa maneira inglesa. Na Rússia, tal seria impensável. Achei isso adorável.”

“Só ouvimos falar dos Abramovich, mas há milhares de outros russos a fazer a sua vida normal, vão buscar os filhos à escola, bebem um café no Starbucks”, prossegue. Ainda assim, as novas chegadas continuam a dirigir-se em massa para os enclaves dos super-ricos, com preferência para as zonas de Knightsbridge, Belgravia, St. John’s Wood e Hampstead. Os que elegem o campo gravitam à volta de Eton e Aston, no condado de Berkshire, e de Cobham e Weybridge, no condado de Surrey.

“As pessoas não conhecem mais nada, por isso, quando me dizem, ‘tem de ser em Knightsbridge’, tenho de as reeducar um pouco”, diz Semyonova-Bateman. “Já coloquei famílias em todo o lado, desde Oxford a Kent ou Buckinghamshire — é preciso é fazê-los perceber que há outros sítios para viver.” “Os pais costumavam entrar em contacto connosco para pedir a melhor escola”, diz Irina Shumovitch, directora do School Placement Service, que oferece aconselhamento aos compatriotas sobre a educação na Grã-Bretanha. “Normalmente, pedirem a ‘melhor’ queria dizer que estavam à procura de escolas como Eton ou Harrow. Demorou um bocado a explicar o conceito de escolher uma escola que seja a melhor e a mais adequada a uma determinada criança.”

Tradições aristocráticas

Aqueles para quem o dinheiro é absolutamente um não problema continuam a passar as férias de Inverno em Courchevel, Gstaad e St. Barths, e as de Verão na Côte d’Azur e na Sardenha.

Os destinos favoritos para as compras são desde há muito os armazéns Harrods e as boutiques de Bond Street; em matéria de restaurantes, os preferidos são os famosos Nobu, Roka e Le Gavroche; os bares de eleição situam-se nos hotéis de Dorchester e Lanesborough. Como grupo social que desde a revolução de 1917 se viu privado das suas tradições aristocráticas, o Verão é preenchido com os eventos de remo em Henley, de hipismo em Ascot, de pólo em Windsor e de ténis em Queens.

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Zonas como Knightsbridge, Belgravia (na fotografia), St. John’s Wood e Hampstead são as escolhidas para residência da elite russa Mike Kemp/ Getty Images

“A ideia que os russos têm de Londres é incrivelmente anacrónica, enraizada na mítica Grã-Bretanha posh do passado, e há muitos ingleses oportunistas que se aproveitam disso. Chegam a recriar aqueles ridículos bailes de debutantes para as filhas deles”, atira York. Agora que a elite se encontra firmemente integrada, a crescente classe média russa está determinada a seguir os seus passos. “Em Moscovo e em São Petersburgo, quem quer ter wow factor e mostrar que alcançou os seus objectivos diz que vai morar para Londres”, explica Alina Blinova, filha do dono de uma empresa pesqueira russa e que vive em Londres desde 2006, trabalhando primeiro no sector bancário e tendo depois lançado uma empresa de relações públicas e gestão de eventos, a RuStyle.

“Londres está a quatro horas de distância de avião e as pessoas gostam do facto de ser uma cidade tão internacional”, diz Blinova. A atracção principal, contudo, são as escolas privadas. “Na Rússia, toda a gente sabe que a educação inglesa é a melhor, não só pelas razões académicas, mas também porque acham que é uma forma de os filhos terem amigos melhores e desenvolverem uma rede de contactos que perdurará nas suas vidas.”

Comprar entrada em Eton?

Goga Ashkenazi é uma multimilionária cazaque do petróleo e gás natural. Cresceu em Moscovo, mas a sua educação fez-se na Rugby School e no Sumerville College, em Oxford.

Em 2012 decidiu dedicar-se à moda e comprou a marca Vionnet, sediada em Milão, onde vive durante a semana. Os seus dois filhos menores vivem na sua casa em Holland Park, oeste de Londres, com a avó, uma ama e um tutor para cada um, de forma a poderem frequentar as apetecidas escolas preparatórias londrinas.

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A multimilionária cazaque Goga Ashkenazi vive durante a semana em Milão, sede da sua marca de moda Vionnet, e os filhos estão em Londres, com a avó e amas Venturelli / Getty Images

Não podiam eles ir à escola em Milão, perguntei-lhe quando a conheci, no ano passado. “Não há escolas em Milão”, respondeu-me.

Para outros progenitores russos, o sistema britânico baseado no mérito causa espanto. Consultores educacionais e pessoal administrativo escolar trocam histórias sobre esperançosos pais que ficam indignados e perplexos ao descobrirem que não é possível comprar a entrada em Eton — ou em “Oxbridge” [substantivo usado para referência conjunta às universidades de Oxford e Cambridge] — nem com sacos cheios de notas de 50 libras.

Escolas menos sofisticadas podem não ser tão exigentes nos critérios de admissão: “É sobejamente conhecido que muitos colégios internos de segundo plano só sobrevivem por apostarem em massa na Rússia e em países como o Cazaquistão”, acusa um consultor educacional.

Ocasionalmente, alguns dos alunos que recrutam causam problemas: “Ouvi dizer que uma das preocupações na Headmaster’s Conference [reunião entre os directores das escolas públicas] era quão violentos os miúdos russos e do Leste europeu conseguem ser entre eles, e que muitas vezes levam para a escola as vendettas dos pais. Não sei se é verdade”, diz York.

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Consultores educacionais dizem que há progenitores russos indignados e perplexos ao descobrirem que não é possível comprar a entrada em Eton Christopher Furlong/ Getty Images

Segunda geração

Mas há uma nova vaga de jovens russos a chegar às universidades. Blinova observa que “antes ninguém nos queria, mas agora as universidades inglesas abriram os portões e imploram por estudantes estrangeiros”.

“A nova geração, que já viajou pelo mundo, é completamente diferente da dos pais”, continua. “São mais flexíveis, têm a mente mais aberta. Não se identificam com o sexismo e o racismo da velha cultura russa. Há pouco tempo tive uma discussão com uma pessoa lá da terra que tinha visto um vídeo do Gay Pride em Berlim e que estava chocada por ver travestis. E a minha resposta foi tipo ‘qual é o problema? Porque não podes ficar feliz por eles?’. É bom podermos trabalhar onde quisermos. Mas é complicado voltar para a Rússia. Sentimo-nos entre dois países, e não pertencemos completamente a nenhum deles.”

Shumovitch identifica um enorme fosso entre os russos educados no Reino Unido e os seus pais. “Vêm para cá e por osmose absorvem a tolerância, o respeito pelos outros, a abertura. Às vezes os pais deles dizem-me: ‘Já não os consigo entender.’”

A segunda geração mostra-se muito mais interessada no tipo de carreiras ligadas à criatividade, algo que os seus pragmáticos progenitores nunca sonhariam seguir. Ashkenazi sempre quis estar ligada ao mundo da moda, mas os seus pais — parte do círculo íntimo de Brejnev — insistiram em que fosse para a banca. “Se eu quisesse ser pintora, isso estaria completamente fora de questão”, disse-me no ano passado. “Diziam-me: ‘Nasceste num país comunista onde o dinheiro não interessava; mas agora interessa. E nós hoje temos dinheiro, mas ninguém sabe o que vai acontecer amanhã. Primeiro tens de ser capaz de ganhar o necessário para ti com um emprego normal. E depois podes ser criativa.’”

Agora, depois de fazer milhões, Ashkenazi impõe os mesmos termos aos seus filhos. “Durante a minha vida, vi tantos altos e baixos, e é difícil. O dinheiro é importante. Eu incentivo muito os meus filhos a serem artísticos e quero que sejam pessoas equilibradas e que gostem de arte, mas ao mesmo tempo que sejam capazes de se auto-sustentarem se... Deus me livre, alguma coisa me acontecer — e pode acontecer. Se olharem para todas as famílias que não pensaram assim...”

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Zhukova com o escultor britânico Antony Gormley no no Garage Centre, a primeira galeria de arte contemporânea de Moscovo da qual a ex-mulher de Abramovich é fundadora Sergei Karpukhin/reuters

Um estereótipo em mudança

Aos 36 anos, Dasha Zhukova é a personificação destes russos de segunda geração: é mais provável vê-la em Hoxton do que no Harrods, em férias num ashram no Butão do que em St. Tropez ou a fazer compras online na Vetements do que na Versace.

Filha de um oligarca do petróleo, que em 2001 passou seis meses preso em Itália por suspeita de fornecimento de armas ao exército sérvio (as queixas foram retiradas), Zhukova nasceu e foi educada em Moscovo até aos dez anos.

Após o divórcio dos pais, emigrou para os EUA na companhia da mãe, bióloga molecular, onde o seu inglês se tornou tão bom que quase esqueceu a língua materna. Estudou na Universidade da Califórnia, em Santa Barbara, lançou a marca Kova & T, caracterizada por ser “expensive-casual” (não é certamente uma marca de luxo), com a amiga Tina Tang, filha de Sir David Tang, o magnata nascido em Hong Kong e estabelecido em Londres, e acabou por se mudar para um apartamento em Kensington que custou ao pai um milhão e meio de libras.

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Instagram partilhado pelo multimilionário David Geffen, amigo de Dasha (no iate de Geffen, com Oprah e Diane von Furstenberg)

“Uma mulher russa nunca larga os seus saltos-agulha, nem debaixo de neve e dez graus negativos. Mas eu ponho o conforto em primeiro lugar — vivi quatro anos em Santa Barbara, e acho que não andei de saltos altos o tempo todo. Talvez o estereótipo esteja mesmo a mudar”, disse numa das raras entrevistas.

Os seus amigos próximos vão desde os artistas Jeff Koons e Damien Hirst a Ivanka Trump, passando pelo multimilionário da indústria musical David Geffen, que recentemente partilhou no Instagram uma foto de Dasha no seu iate na Sicília, acompanhada por Oprah Winfrey e Diane von Furstenberg.

Diz-se que conheceu Abramovich, agora com 50 anos, numa festa de Ano Novo dada pelo seu pai em 2006. O casal, que tem dois filhos de sete e de quatro anos (ele tem outros cinco do seu segundo casamento), casou-se em segredo em 2007. Com o apoio do marido, fundou a primeira galeria de arte contemporânea de Moscovo, o Garage Center, e começou a desenvolver uma “ilha artística” em São Petersburgo.

“A Dasha é 100% cool, não podia estar mais longe daquele estereótipo da ‘Natasha’ tacanha e atrevida”, diz uma fonte do mundo da arte.

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Soft power

Em contraste, Roman Abramovich cresceu num canto desolado do círculo árctico. Tendo ficado órfão aos quatro anos, foi criado pelos avós e começou a sua carreira nos negócios a vender perfumes, desodorizantes e collants nos mercados clandestinos. Tal como o pai de Zhukova, fez fortuna a comprar petróleo barato, aproveitando o colapso da União Soviética e a vendê-lo no estrangeiro por preços superiores.

Aliado próximo de Putin, é muitas vezes visto como um mediador entre a Grã-Bretanha e a terra-mãe, estatuto consolidado pelo investimento que fez em instituições inglesas — nomeadamente pagando um novo edifício na escola londrina da filha e adquirindo o Chelsea em 2003. Outros multimilionários seguiram-lhe o exemplo: Alexander Mamut, que contribuiu para a campanha de reeleição de Boris Yeltsin em 1996, é o novo dono das livrarias Waterstones.

São também conhecidos os casos do antigo espião do KGB Alexander Lebedev e do seu filho Evgeny, educado no Reino Unido e agora proprietário do jornal London Evening Standard. Alisher Usmanov, que cumpriu no seu Uzbequistão natal uma pena de seis anos por fraude e “roubo de propriedade socialista”, é um dos accionistas maioritários do Arsenal. “A influência deste tipo de soft power não pode ser subestimada”, alerta Glenny. Mas o facto de estes homens construírem bases de poder no mundo ocidental não quer dizer que virem as costas às origens. Abramovich, por exemplo, doou cerca de dois mil milhões de libras à sua região de Chukotka e comprou preciosas obras de arte que tinham sido contrabandeadas durante a revolução, devolvendo-as à terra-mãe.

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Abramovich é um aliado próximo de Putin e visto como um mediador entre a Grã-Bretanha e a terra-mãe Itar Tass/reuters

Em contrapartida, Putin assegurará que o seu divórcio — tal como o anterior, da ex-assistente de bordo Irina, sua segunda mulher — será assinado em Moscovo em vez de Londres, onde os tribunais têm a reputação de forçar acordos generosos. “Foi o que aconteceu no último divórcio e agora vai ser igual”, diz Glenny. “Vai haver o mínimo de publicidade possível, para não dar aos media a possibilidade de vasculharem a sua vida privada e os seus negócios.”

Realmente, o casal parece estar a esforçar-se para que a separação pareça amigável: “Mantemo-nos amigos próximos, pais e parceiros nos projectos que desenvolvemos juntos”, pode ler-se na declaração oficial.

Aconteça o que acontecer, é provável que ambos continuem a manter a sua base em Londres, apesar de as candidaturas russas a vistos de investimento terem caído para apenas 13% dos números de 2014, muito devido à desvalorização do rublo e ao aumento do valor mínimo de investimento.

Shumovitch diz que a combinação entre a ascensão do nacionalismo russo e as sanções estrangeiras contra as posses dos oligarcas causou uma queda vertiginosa na procura de vagas nas escolas inglesas. “Está toda a gente a dizer o mesmo: há cinco anos não tinham mãos a medir, agora têm um ou dois clientes nos períodos em que tinham 20. A dissidência está a tornar-se perigosa na Rússia. As pessoas agora preocupam-se em como será visto mandarem os seus filhos para estudar no estrangeiro.”

“É incerto o que vai acontecer depois do ‘Brexit’”, diz Glenny. “Os russos podem deixar de ver Londres como uma ponte para a União Europeia, o que é importante, mas por outro lado podem ficar cá porque o governo vai estar ainda mais desesperado para atrair dinheiro estrangeiro para o Reino Unido.” Para já, os vendedores de Bentleys e de bons vinhos não precisam de ficar preocupados.

Exclusivo PÚBLICO/ The Times / The Interview People. Tradução de António Domingos

Este artigo encontra-se publicado no P2, caderno de Domingo do PÚBLICO

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