Breve história da comunidade LGBTQQIAAP

Foi algures na passagem do LGBT para o LGBTI que muita gente, como eu, começou a ter dificuldade em acompanhar a subtileza de certas reivindicações.

O momento fundador daquilo a que se pode chamar uma comunidade gay portuguesa ocorreu a 13 de Maio de 1974, na última página do Diário de Lisboa, com a publicação do manifesto “Liberdade para as minorias sexuais”. O texto foi escrito pelo recém-formado Movimento de Acção Homossexual Revolucionária (MAHR), que reivindicava o direito à “livre prática homossexual” e garantia orgulhosamente ser ela a “força mais destrutiva” da “moral sexual burguesa”.

O MAHR reclamava para si “mais de 1000 militantes no Porto e em Lisboa” (o manifesto especificava que dias antes, no 1.º de Maio do Porto, tinha surgido um primeiro cartaz a pedir “liberdade para os homossexuais”), mas os seus líderes optavam prudentemente pelo anonimato, “até um reconhecimento mínimo da nossa integridade física e social”. O manifesto concluía com um entusiástico “viva a Homossexualidade, viva a Revolução” — mas a revolução não estava pelos ajustes. Diz a lenda que Galvão de Melo terá afirmado na RTP, em nome da Junta de Salvação Nacional, que não tinha sido para isso que se fizera o 25 de Abril.

Estava enganado, felizmente: também foi para isso que se fez o 25 de Abril. Mas os direitos dos homossexuais tiveram de esperar, e muito. A descriminalização da homossexualidade ocorreu apenas oito anos depois, em 1982, década em que o advento da sida marca tragicamente a comunidade gay, mas também lhe oferece a visibilidade que nunca havia tido até então. A discriminação estava à frente de todos. No início dos anos 90, enquanto o filme Filadélfia comovia o planeta e Tom Hanks levava o Óscar para casa, o PSR constituía o Grupo de Trabalho Homossexual.

Foi a década em que tudo realmente começou a mudar na luta pelos direitos dos gays portugueses: fundação da ILGA (1996) e de outras organizações homossexuais, primeiro Arraial Pride, que evoluiria depois para a Marcha do Orgulho Gay, aprovação da lei das uniões de facto, contemplando casais homossexuais (1999). Parece que foi há uma vida, mas passaram-se apenas 20 anos. Desde então, foi aprovado o casamento gay (2010), a adopção por casais homossexuais (2016), a revisão das regras da doação de sangue.

Simplesmente, à medida que estas conquistas iam sendo alcançadas, as reivindicações foram-se tornando cada vez mais específicas — já não se tratava apenas de comportamentos, mas de vigiar obsessivamente a linguagem. As próprias questões de género tornaram-se tão absurdas que a designação da comunidade evoluiu de gay para LGB, de LGB para LGBT, de LGBT para LGBTI (lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e intersexuais), e daí para coisas tão delirantes quanto LGBTQQIAAP (em inglês: Lesbian, Gay, Bisexual, Transgendered, Queer, Questioning, Intersex, Asexual, Allies, Pansexual). No site da ILGA encontrei o LGBTI+, sendo que o “+” está ali para significar “etc.”, ou seja, todos os géneros que as pessoas sintam não estarem devidamente contemplados nas descrições anteriores.

Foi algures na passagem do LGBT para o LGBTI que muita gente, como eu, começou a ter dificuldade em acompanhar a subtileza de certas reivindicações. Tristemente, a recusa da explosão alfabética e do policiamento das palavras passou a ser razão mais do que suficiente para se ser classificado como homofóbico. Após uma história dura, mas feliz, de luta por direitos justíssimos, os membros mais activos da comunidade LGBTI+, e seus simpatizantes, foram-se transformando em burocratas da indignação. No próximo texto tentarei explicar porquê.

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