No seu primeiro dia de trabalho, constituintes destituem procuradora-geral da Venezuela

Luisa Ortega foi a primeira vítima do ajuste de contas prometido pelo Presidente para depois da instalação da Assembleia Constituinte. Mercosul suspendeu a Venezuela e exigiu a libertação dos presos políticos.

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Luisa Ortega Diaz era a mais crítica figura do Estado em relação ao papel do Presidente Nicolás Maduro Reuters/UESLEI MARCELINO

Começou a purga prometida pelo Presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, para depois da instalação da Assembleia Constituinte. Empossado na sexta-feira, o novo órgão plenipotenciário, constituído por 545 delegados todos eles comprometidos com o regime, começou a trabalhar às 10 horas deste sábado: pouco depois, anunciava a destituição sumária da procuradora-geral, Luisa Ortega, que se tinha tornado a voz mais incómoda no interior do aparelho chavista.

As movimentações das tropas da Guarda Nacional Bolivariana, que pela manhã cortaram o acesso à sede do Ministério Público em Caracas, e cercaram o edifício, deixavam poucas dúvidas quanto às intenções do regime. E também quanto ao destino da procuradora-geral, que pôs em marcha uma investigação às alegadas ilegalidades cometidas durante a votação e contagem dos resultados da eleição para a nova assembleia, e abriu vários inquéritos aos abusos das forças de segurança na repressão aos protestos anti-governamentais que se repetem diariamente desde o fim de Abril.

“Assembleia Constituinte aprova por unanimidade o julgamento da procuradora-geral Luisa Ortega por faltas graves no exercício das suas funções”, informou por comunicado o Partido Socialista Unido da Venezuela, dando conta da decisão de remover Luisa Ortega do cargo que ocupava desde 2007, e da sua inabilitação para o exercício de qualquer cargo público. Além do processo contra a magistrada, também foram confirmadas as medidas fixadas contra ela pelo Supremo Tribunal de Justiça como o congelamento de todos os seus bens ou a proibição de sair do país.

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Neste sábado as forças de segurança cercaram a sede da Procuradoria em Caracas LUSA/MIGUEL GUTIERREZ

Pouco depois, o vice-presidente do partido e número dois do chavismo, Diosdado Cabello, “sugeria” a nomeação do actual Defensor do Povo (uma espécie de provedor cuja competência é garantir o respeito pelos direitos fundamentais) e presidente do Conselho Moral republicano, Tarek William Saab, de 54 anos, como procurador-geral interino. A proposta foi imediatamente acolhida, com uma votação por braço no ar.

Saab, que foi líder estudantil e militou na extrema-esquerda na juventude, liderou o Movimento V República fundado por Hugo Chávez, foi membro da Constituinte de 1999 e deputado na Assembleia Nacional, que abandonou em 2004 quando foi eleito governador do seu estado natal de Anzoátegui. E tal como o Presidente, Nicolás Maduro; o vice-presidente, Tarek el Aissami e o ministro do Interior, Néstor Réverol, o nome de Saab integra a lista de indivíduos sancionados pelos Estados Unidos

Ao fim da manhã, impedida de entrar no seu gabinete pelos soldados que barricavam a sede da procuradoria, Luisa Ortega tinha rejeitado através do Twitter o “assédio ao Ministério Público” e criticado as manobras do Governo para “esconder a corrupção e as violações dos direitos humanos na Venezuela”. “Denuncio esta arbitrariedade perante a comunidade nacional e internacional”, escreveu a magistrada, que teve de fugir do local de mota, “ensanduichada” entre dois guarda-costas e escoltada por apoiantes. “Já não há liberdade neste país”, concluíra, falando aos jornalistas que se deslocaram ao Ministério Público.

O Tribunal Interamericano dos Direitos Humanos outorgou uma “medida cautelar” para conceder protecção a Ortega e à sua família, “que se encontram numa situação de gravidade e urgência uma vez que os seus direitos à vida e à integridade enfrentam o risco iminente de dano irreparável”.

Para o jornalista e escritor Carlos Montaner, “a destituição ilegal da procuradora Luisa Ortega demonstra até que ponto o regime está empenhado em criar uma ditadura como a cubana”. Antes da votação para a Constituinte, o Presidente deixara bem claras as suas intenções, prometendo um “ajuste de contas” com todos os seus opositores e revelando até que já tinha mandado escrever os seus nomes na porta das celas de prisão para onde pretendia enviá-los.

A oposição não tem dúvidas de que o passo seguinte será a dissolução da Assembleia Nacional e a suspensão de todas as eleições no país. Os seus receios parecem ter sido confirmados com a aprovação, também por unanimidade, de um mandato de pelo menos dois anos para a Constituinte.

Mercosul suspende a Venezuela

Os quatro países fundadores do Mercosul, Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, anunciaram a suspensão imediata da Venezuela, que ficará fora daquele bloco económico regional até que” se verifique o pleno restabelecimento da ordem democrática” no país. Numa reunião de emergência da cúpula do Mercosul, este sábado em São Paulo, os ministros do bloco exigiram a libertação dos presos políticos e o desmantelamento da Assembleia Constituinte, e ofereceram-se para mediar um processo de diálogo e transição política.

“Ninguém saca a Venezuela do Mercosul”, respondeu o Presidente Nicolás Maduro, numa entrevista à rádio Rebelde da Argentina em que garantiu que o seu país continuará a integrar o mercado comum da América do Sul. No regulamento daquele fórum económico não existe nenhum mecanismo para a expulsão de um país, mas tal como nos estatutos da Organização dos Estados Americanos, foi definida uma “cláusula democrática” que permite a aplicação de sanções para punir os Estados membros que rompam com os preceitos da ordem institucional.

A Venezuela foi temporariamente suspensa do Mercosul em Dezembro, num processo jurídico por incumprimento das regras dos tratados comerciais. Agora, trata-se de uma suspensão por tempo indeterminado – é um processo político que consagra o isolamento do regime de Caracas. “Esta é uma mensagem para a Venezuela: chega de repressão, chega de ditadura”, declarou o ministro argentino dos Negócios Estrangeiros, Jorge Faurie.

No seu comunicado, os países do Mercosul comprometem-se a “definir medidas com vista a minimizar os impactos negativos desta suspensão para o povo venezuelano”, que depende das importações de bens alimentares e outros produtos essenciais vindos do México, da Colômbia ou do Brasil. Os parceiros garantiram que a suspensão não vai, para já, implicar mexidas nas suas políticas comerciais ou de migração. “Todos os venezuelanos que quiserem vir para o Brasil serão bem-vindos”, sublinhou o ministro dos Negócios Estrangeiros, Aloysio Nunes.

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