Quem gostaria de prever um incêndio?

Talvez fosse mais imprevisível a vitória de Portugal no Europeu de França do que a continuidade desta vertente infernal à qual assistimos anualmente

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Paulo Pimenta

Existem muitas palavras, muitos actos. Na verdade, todos temos muito a dizer no que a tragédias diz respeito.

Em Portugal, não sofremos com ciclones, tempestades ou terramotos. Não. O que realmente marca todos os nossos verões é o constante fenómeno a que damos o nome de incêndios. Poderíamos chamar-lhes irresponsabilidade e verificar que existem vários focos de negligência que ardem um pouco por todo o país. Mas assim seríamos insensíveis.

Contrariamente aos fenómenos referidos no parágrafo anterior, de um modo geral, não é a natureza a grande culpada destes acontecimentos. A melhor forma de enfrentar um ciclone, proteger-nos de chuvas intensas ou combater um terramoto é, sem dúvida, a prevenção. Porém, em Portugal, #somoslondres, #somosparis, #somosberlim, somos, aparentemente, o país dos “somos qualquer coisa”. Já agora, porque não um grande e gordo hashtag do género #somosprevenção? É só uma ideia… Então vejamos: poderíamos limpar definitivamente as matas e colocar uma fotografia no Instagram ou poderia ser também interessante incluir a palavra “justiça” e criar algo que contribuísse para não libertar quem – deliberadamente – acende o fogo que ceifa a vida a pessoas, animais, destrói casas, desequilibra ecossistemas, maltrata todo o ambiente. Seria, de facto, interessante.

Em Portugal, estamos já habituados a ver a floresta a arder, é algo que já damos como certo: estar sentado no sofá, a beber um refresco e a suspirar de vez em quando ao apercebermo-nos de que várias pessoas estão quase a ficar sem a sua habitação.

No entanto, algo mudou. O fogo foi um pouco mais longe e, à medida que acendia tudo à sua volta, apagava várias vidas. Desta vez, as habitações não se ficaram pelo “quase”, arderam por completo e, com elas, a vida de uma população. Se choca? Sem dúvida! Se espanta? Rigorosamente nada. Talvez fosse mais imprevisível a vitória de Portugal no Europeu de França do que a continuidade desta vertente infernal à qual assistimos anualmente.

Existem várias petições que colocam a prémio a cabeça dos culpados. Porém, até nisso este episódio recente inovou. Ao invés de um incendiário, de que todos já suspeitamos, a natureza é que teve a culpa. Se não, vejamos: o grande problema, o inicio de tudo isto, foi um relâmpago pertencente a uma maldita trovoada seca. Também é verdade que a árvore que quebrou devido ao raio teve a sua quota parte de culpa! Porém, dizem os entendidos, se a vegetação rasteira (e seca) que ocupava o chão destas florestas não existisse, a própria seiva característica do eucalipto, do pinheiro ou de qualquer outra árvore teria sido suficiente para calar este trovão que insistiu em cair. E a vegetação não pertence à natureza, pergunta o leitor atento? Claramente, meu caro. Talvez fosse mais vantajoso acabar com a raça desta praga rastejante do que realizar homenagens, fazer orações, tratar feridos. Talvez, mas só talvez, fosse mais importante antever um fenómeno que todos nós já conhecemos. Quem é, afinal, o grande culpado?

É verdade que agora pouco ou nada há a fazer. No entanto, quem quer apostar que vamos assistir ainda a muitos mais braços de ferro entre o homem e a natureza? Esperemos que esta não saia a ganhar. Ainda temos muitos hashtags para inventar e muitas lágrimas para chorar.

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