Nós por cá tudo bem

Com ou sem acordo ortográfico, o Português esteve e está sempre aquém das suas possibilidades.

Faz sentido comemorar o 10 de Junho, Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades no exterior do país. A fórmula é perfeita: gera pertença a uma comunidade, distribui e exporta uma política de “afectos” e explora uma cooperação estratégica de fazer inveja a Cavaco. Começando pela primeira, a data é mais importante para quem vive fora de Portugal, sobretudo para os portugueses que há mais tempo emigraram e que se reconhecem no conceito de comunidade, algo bem diferente para quem deixou o país recentemente e que atribui àquele conceito uma definição mais alargada e que não se circunscreve a indivíduos da mesma nacionalidade. No ano passado, a escolha recaiu sobre Lisboa e Paris, numa dicotomia entre “território físico” e “território espiritual”, conciliando as duas cidades com o maior número de habitantes portugueses e a celebração da data com a realização do Euro 2016 e com a presença de Hollande. Este ano, a escolha recaiu sobre o Porto, primeiro, e o Rio de Janeiro e São Paulo logo a seguir, mas sem a presença putrefacta do presidente brasileiro. 

A efeméride presta-se a discursos vagos e redondos, que Marcelo resolve de uma assentada, ao invocar a importância das Forças Armadas, que deram ao país "vezes sem conta a independência e a liberdade”. Os cinco minutos de discurso presencial sobre o atraso, a ignorância, a pobreza, a injustiça, a dívida, a sujeição, a prepotência, a demagogia, o pensamento único, a xenofobia e o racismo são demasiado efémeros quando comparados com a repercussão pública da atenção que lhe é dedicada nas ruas do Porto ou junto das comunidades no Brasil. 

Faz sentido comemorar o 10 de Junho se ao mesmo tempo comemorarmos o património linguístico que une uma série de países falantes de português. Com ou sem acordo ortográfico, o Português esteve e está sempre aquém das suas possibilidades. De que serve o facto de ser a terceira língua mais falada no Facebook ou a quinta mais falada na Internet  se essa união se traduz na algaraviada política da CPLP. É bonito e romântico escutar “que é muito mais aquilo que nos aproxima do que aquilo que nos afasta” ou que Portugal é “uma pátria que não tem fronteiras espirituais e que nasceu para ser ecuménica”. A língua é a melhor forma de abolir essas fronteiras. É bom que Dupond & Dupont tentem o ecumenismo. Eis um bom tema para uma cooperação estratégica.

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