O comboio-fantasma

Vinte e um anos de indefinição e prejuízo para as populações de Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã deixaram marcas difíceis de apagar.

O comboio é um ícone da revolução industrial e o processo do metro ligeiro de superfície no antigo Ramal da Lousã, em Coimbra, a imagem das contradições e da impotência de uma cidade.

Sendo a Linha da Lousã uma barreira na relação da cidade com o Mondego, houve um dia a ideia de a derrubar adotando uma solução urbana contemporânea, amiga da cidade e dos utentes daquele ramal ferroviário. O que estava em causa era substituir uma decadente, mesmo ridícula, solução de transporte, constituída por velhas “pandeiretas” adquiridas no ferro-velho espanhol, por uma nova forma de transporte ferroviário que aproveitaria o traçado existente, garantindo e melhorando a mobilidade de há muito consolidada numa periferia de Coimbra, incorporando-a, simultaneamente, no tecido urbano e tornando-a fator de requalificação urbana.

Não era a morte do Ramal da Lousã, era, sim, a sua ressurreição e a afirmação de que esta era uma solução de futuro, justificada pela satisfação das populações no seu serviço e ainda criadora de expectativas de valorização territorial num espaço significativo, ansioso por modernidade e melhoria de qualidade de vida.

Para mais, era o tempo em que o investimento público era uma incontestada opção política e o custo da operação não era significativo relativamente àquilo que acontecia na área metropolitana de Lisboa e no Porto. Por essa altura, os cidadãos do Porto diziam que, finalmente, apesar de um atraso de 40 anos relativamente a Lisboa, tinham o seu metropolitano.

Mas como Coimbra é uma cidade ingénua, não desconfiou do modelo societário adotado, em 1996, pelo poder central para a Sociedade Metro Mondego, e também porque é uma cidade que paulatinamente veio a degenerar de Lusa Atenas em discípula de Bizâncio, tornando-se coletivamente frouxa e com políticos locais mais ansiosos em utilizarem o comboio para a capital do que as desengonçadas carruagens da Linha da Lousã, ficou escrita à nascença a dúvida sobre a realização de um interessante sonho de modernidade.

Aliás, é sintomática uma ideia de “tutela centralista” ao incluir nos corpos sociais o Metropolitano de Lisboa, como se este tivesse alguma vocação e interesse em envolver-se num processo desta natureza. Foi um sinal de consideração da menoridade politica e técnica de Coimbra para realizar este seu projeto específico.

No meio das mais variadas peripécias, dos concursos lançados e anulados, das alterações de gestores e de perspetivas de desenvolvimento do projeto, em que se gastaram milhares de contos e milhões de euros, o que é visível é uma cratera na Baixa de Coimbra e um canal de 42 quilómetros, onde se desconfia que circula um comboio-fantasma, carregado de boas intenções, de declarações solenes, de despachos e decisões políticas, mas, sobretudo, de frustrações e de oportunismos.

Esse comboio-fantasma tem a particularidade de aumentar a sua atividade por altura das campanhas eleitorais e, por isso, não será de estranhar que agora que se aproximam as eleições autárquicas vá entrar em grande atividade. É sabido que o atual Governo prometeu uma decisão definitiva (?) sobre o projeto para o próximo mês de Junho, depois de mais um estudo de reavaliação. Ora, independentemente da solução que venha a ser adotada e pensando que será mesmo para levar à prática, há uma certeza: ninguém ficará satisfeito e o Metro Mondego vai tornar-se numa importante arma de arremesso político.

É que 21 anos de confusão, de indefinição e de prejuízo para populações de Coimbra, Miranda do Corvo e Lousã deixam marcas difíceis de apagar e há, sobretudo, uma coisa muito valorizada e que não se sabe como poderá, neste caso, ser reconquistada: confiança. Será que uma solução apresentada num tempo de pré-campanha eleitoral merecerá crédito? Será possível acreditar que vai haver mesmo uma solução real e que não continuaremos a ter apenas um comboio-fantasma a circular numa linha sem carris, por entre ervas e lixo, com mais uma decisão ministerial sem consequências?

Ficamos à espera da decisão do ministro do Planeamento e das Infraestruturas, Pedro Marques, e de que nos convença de que agora é que vai mesmo ser. Mas, por causa das dúvidas, seria melhor que a palavra definitiva nos fosse dada pelo primeiro-ministro, António Costa, porque palavra dada é palavra honrada! 

O autor escreve segundo as normas do novo Acordo Ortográfico

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