Universidades – transparência e honestidade precisam-se

Está na altura de a universidade decidir se pretende contribuir para a igualdade de oportunidades, para a justiça social, para a formação cívica e, em suma, para a verdadeira educação, ou se aceita ser um instrumento de oportunismos a favor dos menos escrupulosos

Foto
rawpixel/ Pixabay

É lícito esperar das universidades um papel de formador de competências, nivelador de desigualdades e promotor dos elementares valores éticos e democráticos. A realidade encontra-se muito distante deste ideal, propiciando oportunismos aos formandos mais desavergonhados e criando injustiças no tratamento da comunidade estudantil. Além disso, as universidades não são de todo honestas na forma de apresentar os seus resultados formativos à sociedade.

Havia um tempo em que as questões pedagógicas nas universidades eram frequentemente geridas por catedráticos omnipotentes que decidiam arbitrária e despoticamente todos os aspetos. Desde o modo de funcionamento das aulas até aos tipos de avaliação e critérios de passagem às disciplinas, as vidas dos estudantes estavam condicionadas ao momento da superior decisão. Os (felizmente muitos) exemplos de notáveis de magnanimidade, de quem assume a sua profissão e ama a sua missão, são ainda mais admiráveis naquele contexto de regime absolutista.

A revolução de abril trouxe exageros de ocasião, em que a turma decidia “democraticamente” a classificação de cada aluno… Rapidamente este e outros delírios foram abolidos, sobrando a figura do trabalhador-estudante como uma espécie de resquício do PREC. Durante uns tempos, o trabalhador-estudante era visto como uma espécie maior dentro da classe estudantil, merecendo não só mais oportunidades assim como provas facilitadas.

Apesar das diferenças, a figura do trabalhador-estudante ainda persiste nas nossas universidades, acompanhada dos Trabalhadores Independentes, dos Bombeiros, dos Voluntários, dos Atletas de Alta Competição, dos Dirigentes Associativos, dos estudantes com necessidades especiais, etc, etc, etc. Hoje em dia, a quantidade de casos extra-ordinários roça o ridículo quer pela quantidade e tipo, quer pelas benesses que lhes são facultadas. Facto estatístico indesmentível: a percentagem de alunos em regime especial é cada vez mais elevada e é previsível que a curto-prazo os estudantes ditos normais deixem de existir. Estão a tornar-se frequente os desabafos de alunos normais que se sentem injustiçados, até porque conhecem os seus colegas, tão normais uns como outros.

A interpretação é muito simples: os estudantes extra-ordinários beneficiam de um regime de favorecimento relativamente aos estudantes normais. De facto, os primeiros beneficiam de um maior número de exames, de mais tempo por prova ou até (não invulgarmente) de provas particularmente acessíveis e de condescendência também excecional. É suposto que as medidas extraordinárias se destinem a compensar algum tipo de limitação – nesta perspetiva, estas medidas não fazem qualquer sentido. Se um estudante se desloca numa cadeira de rodas, a faculdade deve providenciar rampas e facilitar acessos; ou será que lhe deve oferecer testes mais fáceis?

Acresce que o estatuto de extra-ordinário não é suficientemente escrutinado, sendo a sua obtenção relativamente simples e a comprovação de estado praticamente inexistente. Para além disso, a carta de curso não refere as condições em que o curso foi feito. Esta medida seria, com certeza, dissuasora – muitos falsos casos deixariam de existir. Note-se que não se trata duma questão de violação de privacidade ou divulgação de dados privados. Não se pode admitir esta reserva aos estudantes que exibem este estatuto quando pretendem usufruir do mesmo.

Um outro argumento de peso para a inclusão do historial académico na carta de curso é a transparência e a honestidade. Na verdade, as universidades devem transparência e a honestidade à sociedade, que as subsidiam, e às entidades empregadoras, que irão acolher os seus formandos. Atualmente, as universidades apresentam alunos com a mesma média final, mas com competências eventualmente muito distintas, porque tiveram estatutos diferentes e foram avaliados de forma diferente. Isto não é transparente nem sério.

Percebe-se que a atual situação foi, por um lado, impulsionada pela nobre vontade de integração de pessoas menos favorecidas e, por outro lado, pela necessidade de financiamento que obriga a estender o leque de candidatos admissíveis. No entanto, o regimento criado tem demasiadas debilidades e está na altura de repensar a questão. A posição que a universidade vier a tomar terá um impacto decisivo na sua credibilidade e, por consequência, no seu futuro próximo. Está na altura de decidir se pretende contribuir para a igualdade de oportunidades, para a justiça social, para a formação cívica e, em suma, para a verdadeira educação, ou se aceita ser um instrumento de oportunismos a favor dos menos escrupulosos.

Crónica escrita segundo o novo Acordo Ortográfico

Sugerir correcção
Comentar