Viseu vai dar incentivos a boas práticas na reabilitação urbana

Projecto Viseu Património permitiu identificar técnicas de construção e materiais a preservar no centro histórico da cidade.

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Estudo tem permitido identificar características do edificado do centro de Viseu PAULO RICCA / PUBLICO

O projecto Viseu Património está há um ano no terreno e os primeiros resultados apontam para “singularidades” no casco velho da cidade que quer ser Património da Humanidade. O edificado é a matéria-prima de muitas teses de investigação e em curso está a criação de um memorando de boas práticas, que o município pretende incentivar nas obras de reabilitação urbana.

O centro histórico de Viseu é um laboratório de investigação na área da reabilitação e um espaço com “valor construtivo”. Estas são, para já, as conclusões que se retiram de um ano do projecto “Viseu Património” que é liderado pelo professor universitário Raimundo Mendes da Silva. Tabiques únicos pela sua resistência e construção e prevalência de outras estruturas em madeira são algumas das descobertas feitas pelas equipas nos últimos meses e que caracterizam o edificado desta zona da cidade.

O  “Viseu Património” é o plano de acção que a autarquia viseense lançou com vista ao conhecimento, à protecção e à valorização do património cultural, material e imaterial. Como horizonte está a UNESCO e a candidatura do centro histórico a Património da Humanidade, mas, antes disso, há todo um repositório de boas práticas que urge incentivar.  A Câmara de Viseu anunciou que pondera alterar os regulamentos sobre edificação e reabilitação e compensar com incentivos financeiros quem defende o património edificado.

“Uma consequência muito prática deste trabalho que estamos a fazer de levantamento e caracterização do nosso património é que também nós, município, temos de ter um grau de exigência muito grande. Se queremos preservar, temos de dar ferramentas aos proprietários para poderem avaliar o que têm e como o podem reabilitar. Temos de dar compensações, isto é estimular as boas práticas”, sublinhou Almeida Henriques.

Segundo o autarca, o projecto Viseu Património é mais um passo que se está a dar “neste caminho íngreme” que espera que possa chegar à candidatura da UNESCO, olhada como “a cereja no topo do bolo”.  “Quando nos abalançámos a fazer um trabalho sobre o património sabíamos que estávamos a iniciar uma corrida de fundo, com muitas etapas, mas muitas coisas gratificantes, trazendo ao de cima pormenores que os nossos olhos ao longo destes anos não valorizaram”, disse.

 Segundo Raimundo Mendes da Silva num primeiro ano de trabalho foi possível caracterizar construtivamente e arquitectonicamente os edifícios, perceber o que é repetitivo, o que é identitário. Depois, estes resultados concretizam-se em aspectos mais concretos, nota. “Como é que são os pavimentos, como é que são os ornamentos, como é que são as janelas, o que é perfeitamente singular, o que é típico, o que se repete... neste momento já conseguimos identificar alguns edifícios que pela sua história, pelas suas características são perfeitamente singulares”, desvendou o professor.

Uma das fases mais visíveis deste projecto aconteceu com o evento Freeze, uma iniciativa na qual estiveram envolvidas 180 pessoas que registaram fotograficamente 500 edifícios do centro histórico. Uma inventariação que deu lugar a mais de 10 mil dados com as características dos imóveis.

Do levantamento efetuado chegou-se à conclusão que a cidade tem muitos “fingidos”. Há chaminés, por exemplo, que parecem de azulejo, mas na realidade não são, ou paredes que são boas imitações da pedra. Foi também realizado um trabalho de levantamento de coberturas com recurso a drones. Foram filmados 33 quarteirões e 20 ruas. Todos os resutados são dados a conhecer a 18 de abril, Dia  Internacional dos Monumentos e Sítios.

Cidade é laboratório de Investigação

Segundo Raimundo Mendes da Silva, o “Viseu Património” tem já como mais valia  o ter sido criada uma onda de atenção sobre Viseu, nomeadamente ao nível da investigação nacional e internacional. Neste momento são mais de 20 os projectos de investigação em reabilitação patrimonial e urbana a acontecer em Viseu oriundos de cidades e universidades como Coimbra, Porto e Braga. “Estamos a construir um laboratório permanente de investigação útil e aplicável”, disse. O tipo de pavimentos e a resistência das madeiras são alguns dos temas de teses e doutoramentos que estão a ser desenvolvidos.

Além do levantamento e da investigação aplicada, este projecto está também a acompanhar a reabilitação de três edifícios da responsabilidade da Câmara. São eles o Orfeão de Viseu, a Casa das Bocas, que vai receber uma unidade de saúde familiar, e o edifício Águas de Viseu.  O professor destacou que todas estas fases funcionam como “aceleradoras” do “memorando para a reabilitação” que vai ser criado, mas que pode também valorizar uma futura candidatura de Viseu à UNESCO. “O caminho da UNESCO tem esta enorme vantagem que é a de balizar o que são as prioridades”, referiu.

Raimundo Mendes da Silva, que agora está a coordenadar o projecto Viseu Património, foi o responsável pela candidatura da Universidade de Coimbra à UNESCO. Especialista em gestão e salvaguarda de património cultural, afirma que a reabilitação em Portugal ainda está na sua fase da adolescência.

“Comparando, por exemplo, com a informática, nós não conseguimos fazer mudanças instantâneas. As nossas mudanças na construção demoram gerações a fazer. Portugal acordou para a reabilitação nos últimos 30 anos. As experiências de reabilitação urbana mais emblemáticas atualmente, não desprezando outras, são as de Guimarães e o Porto com a Ribeira/Barredo. Exemplos de grande influência do ponto de vista do pensamento da reabilitação urbana. Ainda estamos a aprender e continuamos a ter entusiasmo e a fazer experiências. Actos típicos da adolescência”, assinala.

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