Agências patrocinam eleições de associações de estudantes para garantirem viagens de finalistas

Apoios das agências garantem festas e celebridades nas campanhas eleitorais dos alunos das escolas secundárias. Em troca, ficam com a organização das viagens de finalistas.

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Angariadores recebem viagens grátis Rui Gaudêncio

Algumas agências de viagens usam estudantes do ensino secundário, uma grande parte menores, como angariadores de clientes para viagens de finalistas dando-lhes em troca viagens de graça ou trocando essa colaboração por dinheiro. É igualmente prática corrente agências patrocinarem listas concorrentes à direcção das associações estudantes (AE) de variadas formas, de modo a garantirem a organização da viagem de fim de curso. Uma das agências que angariam estudantes como relações públicas dá-lhes o nome de dealers. O Ministério da Educação “desconhece” esta prática.

A “colaboração” dada pelas agências durante a campanha eleitoral para a eleição das AE passa, por exemplo, pela contratação de artistas, cantores, dj’s e actores de séries e telenovelas. Também fornecem brindes e instalam insufláveis.

O acordo com as listas candidatas às associações é feito de forma verbal, com os candidatos a darem como garantia optarem pelo programa da viagem de finalistas proposto pela agência caso ganhem as eleições.

Os eleitos podem ter ainda outras regalias: por cada 25 viagens garantidas ganham uma viagem de oferta. Essa viagem é atribuída a quem a direcção da associação de estudantes entenda. Esta é, pelo menos, a prática descrita por duas das agências contactadas pelo PÚBLICO. As viagens ganhas podem ser trocadas por dinheiro.

“Há eleições em que cada lista é apoiada por uma agência de viagens. É um apoio logístico”, conta Nuno Dias, sócio gerente Slide In Travel. Este empresário afirma que hoje em dia a agência tem mesmo “dificuldade” em garantir a “colaboração” que lhe é pedida pelas listas candidatas às AE devido às muitas solicitações que lhe são feitas.

“Eles querem é ganhar as eleições”

Admitindo que está prática possa “ser estranha”, o sócio gerente da Slide In diz ser difícil fugir a ela porque “são as próprias listas” que concorrem às AE que a exigem. “Eles querem é ganhar as eleições. Quem lhes garanta os artistas mais conhecidos ou as melhores actividades durante a campanha. E nós tivemos de nos adaptar a isto.”

Nuno Dias, que há 20 anos trabalha no mercado das viagens de finalistas, diz lamentar que as coisas se passem assim. “Eles já nem analisam quem lhes apresenta o melhor programa de viagem, o melhor hotel ou a melhor proposta”, diz. “Eles [candidatos às associações] querem ao seu lado quem lhes garanta o melhor apoio durante a campanha.”

Mas também já aconteceu à sua agência e a outras “darem o apoio a uma lista candidata” e esta, depois de ganhar as eleições, “escolhe outra agência”.

Este tipo de apoios é igualmente dado a outras organizações responsáveis pelas viagens, como comissões de finalistas que, muitas vezes, se autonomeiam para organizar a viagem, com a participação de artistas ou os brindes a servirem para angariar fundos para ajudar a custear as deslocações.

O tema das viagens de finalistas regressou às notícias depois de no fim-de-semana um grupo de alunos portugueses ter sido acusado de causar danos de milhares de euros num hotel em Torremolinos. Já a agência de viagens diz que o grupo não cometeu qualquer acto de vandalismo.

O sócio gerente da Slide In defende, contudo, que a organização deste tipo de experiências “devia ter uma participação mais activa dos pais”, lamentando que na maioria dos casos “eles não querem saber de nada”. “A maior parte dos pais quer que o seu filho vá na viagem para não ser a ovelha negra da escola, mas querem que tudo passe depressa. Quando marcamos reuniões de planeamento, na maior parte dos casos aparece um ou dois.”

Relações públicas e dealers

Há agências que nomeiam “RP” (relações públicas), ou dealers —  estudantes que, de forma individual, conseguem clientes para as viagens e que, tal como as associações, ganham viagens grátis ou as trocam por dinheiro. Nuno Dias diz que o “primeiro contacto” para apresentar os programas de viagens é sempre feito com as associações de estudantes, embora também aceitem a colaboração dos chamados “RP”.

Na agência Megafinalista esta prática é fortemente incentivada. “We Want You” (“nós queremos-te”), lê-se no seu site. “Queres ser o próximo dealer da tua escola? Envia os teus dados.” Depois, vêm as explicações mais detalhadas: “Um dealer é aquele que vai convencer e influenciar os amigos e conhecidos a participar numa das viagens que está a organizar”, prossegue. “Imagina o que é ganhares viagens para ti, para os teus amigos... ou então podes trocar por €€€. Ganhas uma comissão por cada inscrição que fazes, portanto quantos mais inscreveres mais ganhas!”

A agência incentiva ainda os jovens a recrutar e a gerir “uma rede de dealers”. “Afinal não conheces só malta da tua Escola. Imagina o que é teres uma rede de amigos/conhecidos a vender as viagens e tu a ganhares por cada inscrição que eles conseguem! O Céu é o limite.”

A Megafinalista garante que trata os seus dealers “como VIPP’s (Very Important Party People).” E diz que os “dealers” ganham também “experiência profissional na área de eventos, marketing, relações públicas e social media”.

“Material que nunca mais acaba”

No que respeita ao apoio a candidatos a comissões de estudantes garantem “material que nunca mais acaba”: “Tens uma lista ou conheces alguém que vá concorrer à AE e queres fazer parte? Nós podemos ajudar, temos material que nunca mais acaba bem como parceiros”, dizem, citando várias empresas que “ajudam com brindes, materiais, etc.” Em suma: “Só tens de garantir que os membros da lista inscrevem 5 pax na tua viagem para teres o nosso apoio!” Uma das imagens que acompanha o texto no site mostra uma jovem com um maço de notas de dólar nas mãos, que parece usar como se fosse um leque.

Tomás Linhares de Andrade, sócio gerente da Megafinalista, diz que este tipo de “práticas são correntes”, recusando a ideia de que os estudantes trabalhem para as agências de viagens. “Nós ajudamos os estudantes e eles ajudam-nos a nós”, afirma ao PÚBLICO.

Nota, porém, que a “principal prática da agência é a realização de Road Shows [apresentações]” pelas escolas do país, onde revelam os seus programas de viagens. “Temos patrocínios de empresas que nos ajudam e são os alunos que nos pedem ajuda.”

Sobre a escolha do nome dealer para os angariadores de viagens, explica: “Todos lhe chamavam RP e nós quisemos inovar, ser diferente. É uma palavra popular que também está, por exemplo, associada aos vendedores de carros nos Estados Unidos.”

O representante da Megafinalista diz que, este ano, a sua agência terá oferecido “cerca de 100 viagens” graças a este tipo de angariações individuais e colectivas. Um número que representa “15 a 20% de viagens vendidas”. A viagem mais popular e acessível pode ir dos cerca de 300 euros a pouco mais de 500.

Já Nuno Dias, da Slide In, diz que a sua empresa terá oferecido entre 30 a 40 viagens.

Um “mundo complexo”

João Rosa, sócio da agência XTravel, que por esta altura também organiza uma viagem que envolve finalistas — embora lhe prefira chamar “festival” —, diz condenar este tipo de práticas. E conta que quando ele e alguns dos seus sócios criaram, há sete anos, esta agência, deixando de trabalhar para outras, o fizeram “por não concordarem com a forma como elas actuavam”. Tinham vontade de “fazer diferente”.

Aliás, este empresário não quer que o seu “festival” seja “associado a uma viagem de finalistas. “É um festival de música, num resort de praia, que se realiza na altura das viagens de finalistas, mas que vai muito para lá disso.”

João Rosa diz que “o mundo das viagens de finalistas tem melhorado muito”, mas "ainda hoje há práticas muito pouco recomendáveis". "É um mundo complexo onde há muito experimentalismo.”

“Não é por acaso que quase todos os anos há notícias pouco positivas sobre as viagens de finalistas”, continua. “Desordens, destruições, jovens a quem são prometidos hotéis de quatro estrelas e acabam em parques de campismo, ou agências que recolhem dinheiro para viagens e depois desaparecem com ele. Todos os anos aparece um pato bravo a meter-se no negócio.”

Por isso, defende “que as autoridades e os governantes deviam estar mais atentos” a esta actividade. João Rosa admite que a sua agência também apoia listas candidatas às AE, garantindo, porém que apoiam “sempre todas as listas concorrentes da mesma maneira”, não optando “nunca por uma individual”.

Prática generalizada e “normal”

Vários pais e alunos ouvidos pelo PÚBLICO dizem que estes procedimentos estão generalizados. Rui Teixeira, presidente da Associação de Estudantes da Escola Secundária Almeida Garrett, em Gaia, afirma que acontecem “em quase todas eleições de estudantes do secundário no país”.

“São como o apoio que dá o café ao lado da escola ou a empresas x ou y. Eles dão-nos apoio e nós devolvemos dando-lhes a organização da viagem de finalistas. Mas para nós o que conta é o programa que apresentamos aos alunos, é isso que nos elege, não é a viagem de finalistas. Se o programa da associação for só a viagem de finalistas, ou os artistas que vão às escolas, isso é que é grave”, afirma admitindo, contudo, que “algumas eleições podem ser condicionadas pelos apoios das empresas”.

Rui Teixeira está a organizar, com o apoio do Conselho Nacional da Juventude, um Encontro Nacional das Associações de Estudantes do Ensino Básico e do Secundário, que terá lugar em Maio, onde este tema estará em debate.

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