O robot luso-francês que foi castigado para toda a vida

“Quão automatizado queremos que o nosso mundo ou o nosso corpo sejam?" Um robot castigado que reescreve a mesma frase vezes sem conta. É a instalação do luso-francês Filipe Vilas-Boas

The Punishment é a obra de Filipe que aproxima os robots dos humanos. Após duas inteligências artificiais terem comunicado entre si sem que os humanos percebessem o conteúdo da mensagem, Filipe Vilas-Boas cria um robot que é “obrigado” a reescrever, vezes sem conta, a mesma frase como se estivesse de castigo – é a instalação The Punishment (O Castigo).

Se eles comunicam, provavelmente também são capazes de "aprender" como os humanos aprendiam – através da repetição – mas só na instalação de Filipe, que “é uma piada” com muitos significados.

A criação levanta uma série de inquietações sobre a relação entre o homem e tecnologia. “Quão automatizado queremos que o nosso mundo ou o nosso corpo sejam? Que enquadramento físico, moral e legal devemos adoptar? Quais são as consequências para a vida humana? Que sociedade pós-trabalho vamos construir? É tempo de reinventar a escola?”

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A ideia já tinha nascido há mais de um ano, entretanto foi completada por várias leituras de ficção científica e conversas sobre robótica. As questões em redor da automatização dos processos de trabalho são, na opinião de Filipe, preocupações muito actuais e por isso olha para as máquinas "sempre fascinado".

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Filipe não desassocia as novas tecnologias do crescimento do desemprego, mas acredita que com a ajuda das máquinas, os humanos podem libertar-se do trabalho e terem mais qualidade de vida. The Punishment é um truque de humor negro sobre a automação humanizada das máquinas, mas também é uma visão sobre a automação como “processo de liberação do homem”, explica o luso-francês, recuperando a ideia da “sociedade pós-trabalho”.

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O problema do desemprego

Apesar de ter nascido em Portugal, Filipe vivem em França. Mudou-se com os pais – ambos portugueses – para a Córsega quando tinha dois anos e mais tarde para Paris. Explica que, na campanha para as eleições francesas, que são no próximo domingo 23 de Abril, a tecnologia tem sido uma temática recorrente.

Concorda que um bom exemplo disso foi a utilização – pelo candidato de esquerda, Mélenchon – de um holograma para discursar em Lyon e em Paris, simultaneamente. A utilização de hologramas, por políticos, para se “desdobrarem” e comparecerem a dois comícios simultaneamente não foi uma inovação do francês, mas não deixa de ser exemplificar a realidade que Filipe descreve.

Como é que se resolve o problema do desemprego? “Estou a falar de um novo contracto social”, responde Filipe, enquanto narra um novo modelo onde cada um trabalha menos horas porque, naturalmente, o trabalho é substituído por máquinas e todos os trabalhadores acabam por ter mais tempo livre.

“Eu não devo magoar os humanos. Eu não devo magoar os humanos. Eu não devo magoar os humanos” – é assim que o robot se repete, recuperando umas das leis da robótica de Isaac Asimov. A repetição da mesma frase a cada linha, num ritmo constante, faz lembrar um castigo da escola primária. “A repetição é realmente inspiração no castigo duro que tivemos”, concorda Filipe “mas não uma validação do mesmo, é um alerta”, avisa Filipe.

Para a execução da instalação, Filipe contou com a colaboração do arquitecto francês Paul Coudamy. O objetivo é expor a obra The Punishment em Portugal, no Convento Corpus Christi, em Vila Nova de Gaia, mas só para Junho, caso até lá se acertem todos o pormenores logísticos.

Não é a primeira vez que Filipe constrói uma instalação que versa sobre temáticas sociais e sublinha que uma obra que lhe deu particular gosto fazer e expor foi Shooting Thoughts, onde a fé é assunto central. O objectivo é que as pessoas disparem pensamentos, através de um dispositivo que os lê reproduz nas luzes instaladas no tecto, da igreja Saint-Eustache.

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