Hepatite A: vacinar todos os homens que fazem sexo com homens seria o “ideal”

Mike Catchpole, responsável científico do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças, acredita que haja muito mais casos do que os que foram até agora reportados.

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Mike Catchpole, responsável científico do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC, na sigla inglesa) DR

Mike Catchpole, responsável científico do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC, na sigla inglesa), organismo de vigilância epidemiológica que começou por alertar as autoridades de saúde para um surto de hepatite A em vários Estados-membros já no Verão passado, aguarda novos dados dos países para actualizar o documento com a avaliação de risco de Fevereiro e em que Portugal surgia pela primeira vez com casos da infecção. O responsável acredita que haja muito mais casos do que os que foram reportados nessa altura.

A 23 de Fevereiro, o ECDC indicava que Portugal era um dos 13 Estados-membros onde tinham sido identificados casos do surto de hepatite A na Europa. Sublinhava, então, que a maior parte dos casos tinham sido reportados entre homens que fazem sexo com homens.
É correcto. Vimos claramente que era assim. Estamos muito certos de que o surto actual está a ocorrer sobretudo entre homens que fazem sexo com homens, porque já tínhamos observado [este fenómeno]  antes. E algumas destas pessoas, sobretudo no Norte e no Leste da Europa, estão particularmente em risco porque estão também infectadas com VIH. O problema é que, se o sistema imunitário estiver debilitado, o risco de complicações graves decorrentes da hepatite A é de entre dez a 20 vezes superior.

Este não é, porém, um problema de um grupo específico, mas sim de comportamentos de risco.
Sim. Este vírus transmite-se sobretudo através da via fecal-oral [neste surto específico]. Mas a realidade é que alguns dos comportamentos dos homens que fazem sexo com homens os colocam numa situação de maior risco por causa da forma de contacto sexual .

O ECDC recomenda a vacinação universal deste grupo, como já é feito nalguns países? Em Portugal o stock de vacinas é muito limitado...
É um questão complicada. Primeiro, devemos dar informação sobre comportamentos de sexo seguro e enfatizar os riscos da transmissão fecal-oral. Depois, quando há poucas vacinas, devemos identificar os que estão mais em risco, priorizar, identificar as áreas em que há evidência de que um surto está em curso. Também é necessário avisar as pessoas que viajam para outras áreas onde haja surtos [a hepatite A transmite-se não apenas pela via fecal-oral, mas igualmente através de água ou comida contaminada]. O que é importante é identificar os grupos que estão em maior risco. O problema da falta de vacina contra a hepatite A é comum a muitos países.

Mas faria mesmo sentido, como chegam a afirmar na avaliação de risco, vacinar todos os homens que fazem sexo com homens?
Sim. Fizemos uma revisão dos estudos publicados, consultamos especialistas e acreditamos que sim, porque é significativa a evidência de que há benefícios de saúde pública em promover a vacinação dos homens que têm sexo com homens. Pensamos que a melhor estratégia é oferecer uma vacina combinada contra a hepatite A e a hepatite B. Estamos a falar num mundo ideal [em que não haveria falta de vacinas].

Num primeiro draft, a Direcção-Geral da Saúde associou este surto, em Portugal, a práticas de chemsex (do inglês "chemical sex", o que significa "sexo químico", praticado habitualmente em festas e orgias, utilizando drogas para que as relações sexuais possam durar horas ou dias), mas depois explicou que se tratou de um lapso. Faz algum sentido esta associação?
Para este surto em particular não temos um nível de informação que nos permita afirmar isso. Alguns estudos sobre outro tipo de infecções mostraram que estes tipo de comportamentos pode estar associado a um maior risco de transmissão, mas não temos informação suficiente para afirmar isso.

Na avaliação, aconselham que, além da vacinação de grupos prioritários, devem ser consideradas outras formas de prevenção, nomeadamente através de informação disponibilizada à sociedade civil, nos media,  na imprensa gay e até nas aplicações para encontros gays. O que é que o ECDC está a fazer neste âmbito?
Temos trabalhado com alguns dos criadores deste tipo de aplicações [para encontros gay], sugerindo a inclusão de links com informação sobre os serviços onde as pessoas se devem dirigir, onde podem fazer testes de VIH e de hepatites [além da A, a B e a C, sendo que estas últimas podem, ao contrário da primeira, evoluir para cronicidade]. É importante disponibilizar informação útil às pessoas.

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