Pepsi: geração com corantes e conservantes

Lata teve a Pepsi quando fez um anúncio insultuoso, com uma protagonista que é um dos pares do Presidente, é um facto, quando os Estados Unidos atravessam uma crise social grave e quando as ruas se enchem de protestos viscerais

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O novo anúncio/hino da Pepsi, com Kendal Jenner, uma Kardashian, e com música de Skip Marley, neto de Bob Marley, está a causar indignação nas redes sociais. Alerta: spoleirs. Em minha defesa, aviso que bebia uma Pepsi quando escrevia o texto.

Temos um jovem com traços "asiáticos" a tocar violoncelo num telhado, uma jovem fotógrafa, com hijab, angustiada, no seu estúdio a ver provas das suas fotos, e a Kendal Jenner "Kardashian" (KK), disfarçada, numa sessão fotográfica perto de uma "manif" de jovens. Mencionei que são todos super sensuais? Maldita Pepsi! O violoncelista "acrobático", tanto faz, sai, passa pela KK – ai, se ela se chamasse Kendal Kristina, pisca-lhe o olho, ela abandona a sessão, arranca a peruca e junta-se à "manif". Tudo ao som do Skip. O Marley, não o detergente! E segue, desfilando, desculpem, marchando. Saca de uma lata de Pepsi e, rufar de tambores (a sério, o vídeo tem tambores. Tem de ter!), entrega a lata um dos polícias da "manif". Este último bebe, claro. GOLO! E gole. A jovem do hijab capturou o momento com a sua máquina! Está tudo lá! Vi um negro e alguém "estranho". Adoro finais felizes. Mas sem corantes e conservantes.

O momento-vil, a entrega da lata, remete, subliminarmente, para factos reais, nomeadamente, 9 de Julho do ano passado, Baton Rouge, Louisiana. Após a morte de Alton Sterling, um homem negro, vendedor de CDs, assassinado pela Polícia, numa manifestação de protesto sobre a sua morte, Ieshia L. Evans, uma mulher negra, de 35 anos, enfermeira, dirigiu-se até ao cordão policial, serenamente e em silêncio, só com o seu telemóvel nas mãos. Os polícias, de forma abrupta, tendo em conta o comportamento de Evans, prenderam-na. O momento foi capturado por um fotógrafo no local, Jonathan Bachman, e Evans é identificada, mais tarde, pelos seus amigos. O seu acto é tão poderoso que chega a ser comparado aos protestos de Tiananmen Square em 1989.

Ieshia L. Evans era uma mulher negra, de uma minoria, a enfrentar o seu opressor, a superar os seus justificados medos. Não uma mulher branca privilegiada, rica, celebridade, a desfilar numa catwalk no meio de um grupo de jovens, frescos, "bonitos" num clima de festa. Evans colocou a sua vida em risca. Não teve lata. Teve coragem. O que lhe terá passado pela cabeça? Talvez pensar no seu filho de cinco anos e que devia lutar pela sua vida. Não era uma garota de Ipanema a curtir o Verão. Lata teve a Pepsi quando fez um anúncio insultuoso, com uma protagonista que é um dos pares do Presidente, é um facto, quando os Estados Unidos atravessam uma crise social grave e quando as ruas se enchem de protestos viscerais. Não há tempo para brincar ao faz-de-conta. Nos dias que correm, isto só vai lá com bebidas fortes e puras. Não é o que dizem por aí?

E quanto a Marley, não há Redemption Song que o salve. “We are the lions. We are the chosen. We are the movement, this generation. You better know who we are, who we are.” A sério? Claramente, Marley não sabe quem é.

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