Em Miragaia, as escadas rolantes seriam um alívio mas "bom bom" era um elevador

“”Como é que faço? Não tenho asas, tenho de ir por aqui fora, tenho de subir, subir, subir”, comenta-se em Miragaia. Agora, a população vai ganhar uma alternativa às dezenas de escadas íngremes.

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Paulo Pimenta
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Na esplanada do café Mariana, quase em frente à Alfândega do Porto, a eventual colocação de elevadores ou escadas rolantes para vencer a encosta, anunciada pela câmara, já tinha sido assunto do café da manhã. Na verdade, o quanto custa subir todas as escadas dali até à parte mais alta da cidade é tema quase diário entre a população cada vez mais envelhecida. 

À dona do estabelecimento, Dina Oliveira, os degraus até casa, perto da escola de Miragaia, ainda não são um pesadelo. São mais de 150, contando com os 100 que tem de subir depois de passar o portão junto à escola e até se sentar a descansar em casa. Para já, galga-as “como uma flecha”, o problema, diz, “vai ser daqui a uns anos”.

Os acessos às habitações na escarpa são complicados. “Quem quiser ir ao hospital, quem quiser ir aos Clérigos, quem quiser ir para a baixa tem que subir as escadas”, explica. Para as pessoas de mobilidade reduzida, a outra opção é esperar pelos autocarros, o problema é que estes “são poucos” e “não chegam a todo o lado”.

A primeira vez que ouviu a ideia da Câmara de construir ligações mecanizadas a partir de Miragaia, o olhar foi de desconfiança. “Ninguém se lembra desta freguesia...”, lamenta Maria Helena. Com 75 anos, prefere enfrentar as escadarias a “perder tempo” a esperar pelos autocarros. “Vou mais rápido até à Foz, ou daqui até ao Marquês a pé do que se estiver à espera do 500”, afirma.

Lembra-se das vezes que subia as escadas íngremes do Monte dos Judeus “com uma criança ao colo”, para ir ao Hospital Santo António, “muito lá em cima”. Já se conformou com a subida, mas diz que “dava um jeitaço” ter a força de uma máquina a ajudar no caminho. Mas para isso, teria de haver duas condições. Primeiro, tem de ser grátis. “Se for a pagar não vale a pena!”, avisa, para isso prefere andar a pé “que para já ainda não se paga”. E depois, propõe que se opte por tapetes ou elevadores em vez de escadas rolantes, opções “menos assustadoras”.

Ao ouvir isto, Rosa Alves, de 61 anos, interrompe a conversa. Se for para pôr um elevador, diz, antes prefere “continuar a subir as escadas”. “Sofro de vertigens”, explica. As escadarias que estão em mau estado ou são muito inclinadas, troca “por uma volta a pé muito grande”, mas onde se sente mais segura. Até entrar em casa, também tem de subir 100 escadas, mas quando se lembra das escadas rolantes que tem de subir quando vai “à EDP, na Boavista”, até se “arrepia”. As amigas começam a rir-se. “Se não queres escadas nem elevadores, o quê que queres afinal?”. “Um tapete rolante”, esclarece. Mas não parece muito confiante. Há dois anos ouviu pela primeira vez a ideia e até hoje está à espera de mais pormenores e de melhorias nos acessos.

Na reunião camarária de terça-feira foi apresentado ao executivo o concurso de concepção para novos percursos pedonais mecanizados entre Miragaia, o Palácio de Cristal e as Virtudes, depois de um estudo realizado pela empresa Sítios e Memórias. Com resultados previstos para Junho, o concurso vai ser lançado ainda este mês. No entanto, esta fase deixa em aberto o tipo de soluções que poderão ser apresentadas pelos concorrentes, bem como os pontos exactos de partida e de chegada das novas ligações.

Em Miragaia, a população envelhecida e com dificuldades de locomoção, o tecido urbano degradado e o fraco acesso a veículos de emergência fazem com que a zona seja a prioridade do concurso que pretende melhorar a mobilidade local, a acessibilidade pedonal e a segurança da população. Os meios mecanizados são vistos pela câmara como a chave para estes problemas.

Para Rosa, o caminho mais importante, diz, seria de Miragaia até às Virtudes, mas o melhor “seria mesmo chegar ao Palácio (de Cristal)”.

Umas quantas escadas mais a cima, quase a chegar ao passeio das Virtudes, Angelina Almeida chega com uma proposta diferente. “Giro, giro era um teleférico”, diz, “as escadas rolantes podem ser perigosas”.

Quando trabalhava, subia e descia “com uma perna às costas”, depois, começou a ser preciso sentar-se “a meio para descansar” e agora, com 62 anos, não tem outra opção senão esperar pelo autocarro. Espera longa pelo transporte, que às vezes, “quando está trânsito”, faz um desvio e nunca chega a passar. “Subir as escadas? Agora? Nem pensar”, assegura. As pernas começaram a falhar e mesmo que ainda funcionassem como antes, acha que a zona “só tinha a ganhar” com o projecto.

Da varanda com vista privilegiada, consegue ver a “enchente de turistas” que visitam o horto e o passeio das Virtudes todos os dias. Para esses, carregados de malas e mochilas, a visita “vale sempre a pena”, diz, “o jardim lá dentro é mesmo muito lindo”. Com ou sem escadas rolantes.

Texto editado por Ana Fernandes

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