Governo reforça segurança jurídica do corte de 140 milhões às renováveis

Secretário de Estado da Energia publicou nova portaria para esvaziar argumento das empresas de que a medida, anunciada em Outubro, não tinha habilitação legal.

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O secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, já fez reflectir metade do corte às renováveis na descida dos preços da luz em 2017 Enric Vives-Rubio

Depois de ter surpreendido os produtores de energias renováveis com o anúncio de um corte de 140 milhões nas suas remunerações, por considerar que houve acumulação indevida de subsídios tarifários e apoios ao investimento, o Governo reforçou a segurança legal desta medida, que foi divulgada em Outubro, mas ainda não começou a ser concretizada. Neste momento, o Estado está ainda a determinar o valor que caberá a cada produtor compensar.

Com a revogação da portaria de Outubro, e a publicação de uma nova (em Fevereiro), que sustenta que a medida está enquadrada pela lei orçamental deste ano, mais concretamente pelo seu artigo 171º, o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, veio precaver-se contra uma das linhas de contestação das empresas, a de que o diploma original não tinha habilitação legal.

O artigo 171º do Orçamento do Estado (OE) para 2017, sobre tarifas de energia eléctrica, define que as tarifas fixadas pela via administrativa representam “um apoio público” que “não é acumulável com quaisquer outros apoios públicos” e que os valores recebidos em excesso pelas empresas devem ser repostos, a favor do sistema eléctrico nacional.

Além de criticarem o carácter retroactivo da medida (por se referir a apoios atribuídos há mais de uma década às eólicas pelo Governo de Durão Barroso e que nunca antes tinham sido questionados), as empresas também argumentavam que a portaria de Outubro não tinha habilitação legal, parecendo ter surgido “do nada”, sem estar suportada por um diploma de valor hierárquico superior. Agora, a medida passou a estar conformada por normas legais de “valor reforçado”, ou seja, a lei orçamental.

O texto da portaria remete expressamente para o OE, que determina que os valores que tenham sido “indevidamente” pagos aos produtores que acumularam fundos comunitários e tarifas subsidiadas têm de ser deduzidos aos custos com as renováveis que anualmente são assegurados pelo sistema eléctrico (na prática pelos consumidores, através das suas facturas da luz).

Com a nova redacção, o Estado também passou a ter mais tempo para calcular o valor do corte (ou reposição) que cabe a cada empresa. Se no primeiro diploma o secretário de Estado definia que a Direcção-geral de Energia e Geologia (DGEG), que identificou a dupla subsidiação, tinha 30 dias para apresentar os valores a corrigir por cada centro electroprodutor, na actual redacção desapareceu a referência temporal, dando mais margem para determinar os cortes que serão impostos depois pela Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE).

Na prática, metade do montante – 70 milhões de euros – foi já considerado pelo regulador da energia para o cálculo das tarifas de 2017, contribuindo para que tivessem o menor aumento em dez anos, de 1,2%. O que não quer dizer que este valor não venha a estar no centro de uma disputa judicial, dando origem a um desvio que os consumidores podem depois ser chamados a pagar. Os outros 70 milhões foram destinados pelo secretário de Estado da Energia para abater à dívida tarifária (que ronda os cinco mil milhões de euros), que se explica essencialmente pela diferença entre o preço médio da energia no mercado grossista e o preço (mais alto) que o sistema eléctrico tem de pagar anualmente pelas tarifas administrativas da produção renovável, cuja venda está sempre garantida.

Para já, os produtores aguardam com expectativa os cálculos da DGEG e esperam que o Governo lhes prove que as empresas agiram à margem da lei e das medidas que foram estabelecidas em 2004, quando o Executivo de Durão Barroso anunciou a política de desenvolvimento das energias renováveis em Portugal.

“Queremos ter a garantia de que o sistema na altura não correspondia àquilo que devia corresponder”, disse recentemente o presidente da EDP, António Mexia, a propósito dos cortes às renováveis. O gestor, que falava na apresentação dos resultados anuais da empresa, defendeu que o corte de remunerações resulta de uma “percepção contrária a documentos que existiam” e que assumiam a “acumulação de apoios com tarifas". Algo que foi reconhecido “explicitamente, aliás, pelo regulador”, sublinhou Mexia. Dizendo tratar-se de uma “situação discutível”, o presidente da EDP (que estima o impacto da medida para o grupo entre dez a 20 milhões de euros) diz que a empresa quer ver “o que dá a análise à acumulação teórica de apoios”.

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