Renováveis ainda aguardam explicação para corte de 140 milhões

Empresas dizem que cumpriram a lei e esperam que o Governo revele quanto lhes vai cortar nas tarifas subsidiadas.

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As tarifas da electricidade de 2017 já beneficiaram do contributo de 70 milhões com o corte anunciado pelo Governo aos produtores eólicos Paulo Ricca

Já passaram mais de dois meses desde que as empresas de renováveis foram surpreendidas com o anúncio de que o Governo lhes vai cortar 140 milhões de euros nas tarifas já em 2017, mas continuam à espera de saber “o porquê” da medida e “quanto” vai custar a cada uma.

“A Direcção-geral de Energia e Geologia [DGEG] ainda não concretizou as situações de incumprimento, pelo que as empresas continuam na expectativa”, disse ao PÚBLICO o presidente da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), António Sá da Costa.

Numa portaria de 13 de Outubro, o secretário de Estado da Energia, Jorge Seguro Sanches, confirmou a detecção, pela DGEG, de uma dupla subsidiação aos produtores de renováveis pela acumulação de tarifas garantidas e apoios públicos ao investimento. “Os valores recebidos em excesso”, de 140 milhões, serão devolvidos ao sistema eléctrico, explicava então o diploma, adiantando que a DGEG deveria apresentar uma proposta “no máximo 30 dias” a identificar o valor a “ser corrigido” por cada empresa. O PÚBLICO questionou a tutela sobre se esse trabalho está concluído, mas não obteve resposta.

A APREN calcula que o trabalho ainda não esteja feito: “A DGEG tem estado a confirmar com os promotores os montantes que receberam, e a pedir elementos adicionais”, mas “ainda não disse” que legislação foi desrespeitada, “nem o valor a mais, nem se este está nas tarifas ou nos apoios comunitários”.

Sá da Costa mantém que “as empresas cumpriram a lei” e lamenta que a DGEG não tenha partilhado a avaliação de políticas públicas que, segundo a portaria, justificou os cortes. Os produtores queixam-se que estão em causa apoios concedidos há mais de uma década, em processos que “foram auditados e escrutinados pela DGEG, pelo Governo e por Bruxelas” e criticam que “passados 12 anos, se venha dizer que estavam errados”. Alegam em sua defesa que o próprio executivo assumiu que o sector tinha direito a apoios cumulativos.

Isso mesmo vem explicitado numa apresentação oficial sobre a política de desenvolvimento das energias renováveis divulgada em Maio de 2004, na cerimónia de assinatura dos contratos de incentivo à energia eólica. Nela, o Ministério da Economia, liderado à época por Carlos Tavares, reconhecia que os projectos contavam com “incentivos e apoios públicos a três níveis complementares”. Segundo a apresentação consultada pelo PÚBLICO, em causa estavam incentivos públicos (reembolsáveis e não reembolsáveis) no âmbito do PRIME - Programa de Incentivo à Modernização da Economia, num montante de 148 milhões para as eólicas e mais18 milhões para outras renováveis. Destinavam-se a cobrir até 24,3% do investimento de cada projecto eólico e 37,6% nas outras renováveis.

Num segundo nível estava a tarifa de electricidade “garantida e subsidiada” (84,75 euros por megawatt/hora para as eólicas e 77,79 euros para outras fontes renováveis) e o compromisso de que toda esta produção em regime especial (PRE) seria comprada pelo sistema eléctrico. Ficavam ainda assegurados investimentos de ligação à rede eléctrica para escoamento da PRE em torno de 140 milhões (representando 22,8% do investimento total da REN).

Mas estas condições assumidas pelo executivo de Durão Barroso parecem agora ser questionadas pelo de António Costa. O problema, notam os produtores, é que a legislação até pode ir mudando, “mas não tem efeitos retroactivos”. “Que houve dinheiros recebidos cumulativamente, houve, mas não vimos qual é a fundamentação para dizer que foram excessivos”, salienta Sá da Costa. O responsável diz que os cálculos sobre devoluções “não são simples” e diferem para cada um dos cerca de 120 projectos que calcula estarem abrangidos pelo corte. O presidente da EDP Renováveis, João Manso Neto, já afirmou que o custo para a empresa estará entre “dez a 20 milhões de euros, a pagar numa só vez”, embora tenha sublinhado que a legislação não proibia a acumulação de apoios.

Apesar de Sá da Costa ter recusado falar, para já, no recurso aos tribunais, parece certo que os produtores se estão a preparar para a eventualidade de contestarem a medida. Em resposta às indagações da DGEG, as empresas têm elas próprias formulado perguntas, procurando saber com que fundamento os pedidos são feitos e se há processos abertos contra elas.

As tarifas eléctricas definidas para 2017 já incluem um contributo de 70 milhões (é uma das razões que explica porque é que os preços só vão subir 1,2%); outros 70 milhões serão utilizados para reduzir a dívida tarifária. Mesmo que a ERSE ainda não tenha recebido da DGEG o cálculo que lhe permitirá saber quanto vai tirar a cada produtor, os cortes vão mesmo avançar, sob pena de se criar um “buraco” que tenha de ser compensado mais tarde pelos consumidores (desfecho que também é provável se, numa disputa judicial, o tribunal der razão às empresas).

Sá da Costa interroga-se como serão calculadas as correcções, lembrando que “muitos fundos foram devolvidos, como os empréstimos a custo zero de Bruxelas, enquanto outros foram empréstimos não reembolsáveis, para os quais a própria DGEG incentivou os promotores a apresentarem candidaturas”. Questiona, por exemplo, como é que serão ajustados projectos “que já vão em 4ª mão”, como os parques da antiga Enersis, que foram vendidos pela Semapa à australiana B&B e por esta ao fundo Magnum Capital, liderado por João Talone, que entretanto mudou o nome da empresa para Iberwind e a vendeu, no ano passado, ao fundo Cheung Kong.

Segundo a portaria, assim que a DGEG definir o valor a devolver por cada empresa (e a ERSE calcular o corte por MWh), o comercializador de último recurso (a EDP) começará a pagar a nova tarifa a cada uma pela aquisição da sua produção renovável. Os pagamentos feitos pela EDP aos produtores são recuperados pela eléctrica nas tarifas da luz nos cinco anos seguintes.

Como as tarifas da PRE são muito mais altas que o preço da energia em mercado, este diferencial cria um sobrecusto. O sobrecusto da PRE (que é tanto maior quanto maior for a produção de renováveis, porque a venda está sempre garantida) agrava o défice tarifário, que ronda 5000 milhões de euros, e é, entre amortização de dívida e pagamento de juros, um dos factores que mais pesa nas tarifas cobradas às famílias.

 

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