Luiz Caracol: “Fui criado nessas metades, Portugal, África, Brasil”

O cantor e compositor tem novo disco. Metade e meia, um jogo de mestiçagens, chega esta sexta-feira às lojas e aos palcos.

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Luiz Caracol numa imagem trabalhada para a capa do disco Metade e Meia PEDRO MADEIRA PINTO
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Luiz Caracol ao vivo ALFREDO MATOS
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Luiz Caracol durante a sessão fotográfica para o seu primeiro disco, Devagar ALFREDO MATOS

O primeiro disco chamou-se Devagar e não era uma brincadeira com o seu nome, Luiz Caracol. O segundo, Metade e Meia, que agora chega às lojas e aos palcos, herdou do primeiro a calma com que foi produzido: “Consegui fazê-lo de maneira tranquila, fui para o estúdio sem uma coisa que eu odeio, que é ter o ‘taxímetro’ ligado.” Mas fê-lo com maior maturidade. Depois do grupo Luiz e a Lata, este é o seu segundo trabalho a solo. “Tenho uma natureza inquieta e procuro subir degraus, melhorar sempre, seja ao nível da autoria, da composição, como ao nível da estética. No disco anterior, eu tinha uma ideia do caminho por onde queria seguir. Mas houve coisas que consegui neste, até por ter um pouco mais de tempo, em que sinto uma maior maturidade, não só autoral como a nível da produção.”

Luiz Caracol nasceu em Elvas, em Janeiro de 1976, mas era para ter nascido em Angola. Só que os seus pais tiveram de sair de lá, no processo pós-independência, em Novembro de 1975, e isso mudou tudo. Ou quase tudo. “Fui criado numa cultura mestiça, estive para nascer em Angola. Para quem olha para mim e não me conhece, eu sou simplesmente um indivíduo caucasiano, português. Mas a verdade é que não sou. Sempre me senti muito mais um filho da pátria-língua portuguesa do que do Portugal geográfico. A história da Metade é isso. Eu fui criado nessas metades. E mesmo como músico, há um lado português em mim mas também há um lado africano, ou do Brasil, e essas misturas influenciaram muito o meu trabalho.”

África, Brasil e poesia

Os seus discos têm essa marca de mestiçagem. Mas a Metade tem ainda outras justificações: “Achei que o disco ia ser metade meu, metade não. Tinha metido na cabeça que ia convidar amigos para ajudarem a ‘pintar’ um bocadinho, até para ter energias diferentes. Mas acabei por gostar tanto do processo de estar sozinho que foi mais do que metade meu.” Ser pai também ajudou. “Ia-se chamar Metade, mas a meio do processo de gravação o nascimento do meu filho acabou por inspirar muito o álbum. E achei piada à brincadeira do Metade e Meia.”

A par de originais só dele, há várias parcerias. Com Remna Schwartz, filho do compositor José Carlos Schwartz (uma referência incontornável na música da Guiné-Bissau), em Devagar (que, sendo o nome do disco anterior, é agora nome de canção), com Fred Martins em Às vezes, com Zeca Baleiro em De Amor, ou até com José Luís Peixoto em Tempo, uma faixa escondida. Começando por este último: “Eu sabia que ele já tinha escrito para músicos portugueses, como os Moonspell, e sugeri fazermos alguma coisa juntos. Enviou-me um poema, pedi-lhe se podia mudar algumas palavras que não me soavam bem cantadas. Ele concordou e, quando construí o tema, descobri nele uma energia que exigia mais um bocado de texto.” Desafiado, o escritor fez então novo texto a que depois deu voz no final da canção. “E se fosses tu a dizer?, perguntei-lhe. ‘Nunca ninguém me convidou para isso’, respondeu. Mas aceitou. E ficou muito entusiasmado.”

Do Brasil, vieram duas parcerias. Uma foi com Zeca Baleiro. “Eu tinha gravado um tema dele no meu primeiro disco e depois fizemos um concerto juntos em São Paulo, num clube espectacular. No concerto houve uma empatia bonita e eu disse-lhe: um dia temos de fazer uma canção. Uma semana depois, tinha no e-mail uma letra, fiz a canção e ele ficou emocionadíssimo ao ouvi-la.” Outro parceiro brasileiro foi Fred Martins: “É um dos maiores fazedores de canções da geração dele. Partilhámos o palco algumas vezes, eu tinha escrito essa letra e disse-lhe: ‘Acho que tem a ver com a tua energia’. Passados três dias tinha uma canção. Ele tem uma capacidade incrível!”

A par dos originais, Luiz Caracol incluiu uma versão de uma canção angolana de Paulo Flores e Ciro Bertini, Ser da lata, que no disco tem participação vocal da cantora Aline Frazão: “Nos meus discos procuro homenagear autores que são referências para mim. No primeiro fi-lo com o Zeca Baleiro e com o Jorge Palma, e neste tive vontade de gravar essa música do Paulo. A Aline é uma amiga de longa data e a vontade de cantar com ela era já antiga. Quando estava a montar a canção, a voz dela surgiu-me naturalmente ao ouvido.”

Música, uma arma forte

Entre as composições de Luiz Caracol, há um olhar social. Tou farto é exemplo disso. “Apesar de as minhas maiores influências musicais virem do universo lusófono, a minha primeira memória musical é ouvir Bob Marley. Tirando a expressão anglo-saxónica, que não é a língua com que eu mais me identifico do ponto de vista autoral, ele é talvez a minha maior referência do que significa um fazedor de canções interventivo mas não demasiado politizado. Eu não me considero um músico de intervenção mas não consigo viver sem comentar as coisas. A música é cada vez mais uma arma de comunicação forte e eu gosto de a usar não só para escrever coisas bonitas. Gosto de falar também das que me incomodam, porque estar vivo é isso mesmo.”

O disco está a ser apresentado em vários concertos. Esta sexta-feira em Sesimbra, no Cine Teatro João Mota (21h30) e posteriormente em Cuba (dia 17), Coimbra (dia 30), Leiria (7 de Abril), Silves (8 de Abril) e Santa Maria da Feira (dia 17 de Maio). Os concertos no Porto e em Lisboa serão respectivamente na Casa da Música (25 de Maio) e no Cinema S. Jorge (26 de Maio), com convidados.

 

P.S.: O "metades" do título é aqui usado a título metafórico e não literal (que seria idiota), como sugere ironicamente um comentário ao texto. São partes, influências, que completam (à vez) a criatividade e os horizontes culturais do músico em causa.

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