Seis programas para seis décadas de RTP

A televisão em Portugal faz esta terça-feira 60 anos. Convidámos seis rostos da história do canal a falar dos seus programas preferidos, dos momentos memoráveis e da sua experiência como espectadores e protagonistas.

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A televisão em Portugal faz esta terça-feira 60 anos Mara Carvalho
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O Tal Canal xx
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Artur Agostinho DANIEL ROCHA
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Maria Elisa Domingues Nuno Ferreira Santos
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Catarina Furtado miguel manso
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Joaquim Furtado RICARDO BRITO

1960

Júlio Isidro

Aos 15 anos, em Janeiro de 1960, estreou-se na RTP na apresentação do Programa Juvenil. Apresentador histórico da estação pública, tocou quase todos os seus canais.

A minha televisão nos anos 1960… Já lá estava, mas só ao fim-de-semana. Nos outros dias, o televisor era ligado ainda com a mira técnica no ar a dar música. Depois vinha o genérico e o sorriso da Maria Helena, ou das colegas. Ia ser boa a noite televisiva. Dava o Noticiário mais para o meu pai, mas era dia do concurso Quem sabe sabe com o Artur Agostinho. E havia a série do Homem Invisível e as Melodias de sempre, cantigas das minhas avós, apresentadas pelo Jorge Alves. À segunda havia teatro e à quarta-feira cinema. No dia do Museu do cinema com o António Lopes Ribeiro, o que a gente se ria com as comédias mudas do Buster Keaton ou do Charlot.

Silêncio total para ouvirmos os concertos para a juventude do Carnegie Hall com o maestro Leonard Bernstein, a fazer fácil a música difícil. O país parava com o Festival da Canção e vibrou com os 5 a 3 à Coreia dos nossos Magriços em Inglaterra. Lá para a meia-noite vinha a bandeira, tocava o hino e havia mais TV amanhã.

1970

Maria Elisa Domingues

Começou como locutora na RTP e rapidamente se tornou jornalista do canal. Foi directora de programas em dois períodos, um deles depois de uma breve passagem pela SIC.

É a década mais importante da minha vida e isolar uma só memória é muito difícil – mas será a cobertura das primeiras eleições livres, para a Assembleia Constituinte [em 1975]. Foi uma época de exaltação permanente nos primeiros tempos a seguir ao 25 de Abril e foi uma cobertura muito difícil. Os resultados iam chegando através dos telefonemas do Ministério da Administração Interna e entre o final da votação e o apuramento dos resultados foram 30 e tal horas. Passámos 30 e tal horas no ar, com uma interrupção durante a noite, sempre ao telefone. A minha função era apontar os resultados, a giz, num quadro preto. Estava no estúdio com o Carlos Cruz e Gomes Ferreira, foi uma experiência única. O ambiente era de euforia. Tive o duplo papel de ser a representante da RTP na preparação das eleições junto do Ministério da Administração Interna através da primeira Comissão Nacional de Eleições, e depois de ser a jornalista no estúdio encarregue “da matemática”.

1980

Manuela Moura Guedes

Foi no final da década de 1970 que se estreou na RTP, primeiro no Festival da Canção, depois como locutora e na década de 1980 já como jornalista. Passou depois pela TVI e regressou ao canal como apresentadora.

O momento de que mais me lembro foi quando estava a apresentar o Jornal das 9 e abrimos com a imagem de Tiananmen e um homem a afrontar com um chapéu de chuva os tanques, a China. Para mim, simbolizou o sentido de liberdade. Mas como espectadora, é o Tal Canal. Coincidiu com um momento de viragem na RTP, em que o Fernando Lopes estava na RTP2, por exemplo. Era um programa com humor com enorme talento e imensa inteligência. O Herman José é o humorista com mais talento de Portugal e eu via o programa como espectadora mas também não perdia os intervalos do meu trabalho nos estúdios do Lumiar para ir assistir às gravações do Tal Canal, que eram delirantes. Nenhum take era igual ao seguinte. Todos devemos ter a capacidade de nos rirmos de nós próprios e o humor é também um alerta – social, político. Não sei se a sociedade portuguesa terá mudado assim tanto desde os anos 1980.

1990

Herman José

O apresentador, humorista e actor estreou-se na RTP nos anos 1970, onde fez programas de humor, concursos e talk shows. Depois de dez anos na SIC, regressa ao canal público em 2010.

Pode soar um pouco a falta de modéstia, mas não posso deixar de evocar o Herman Enciclopédia de 1997. Primeiro porque foi a consagração definitiva de um grupo autoral cuja criação espoletei, as Produções Fictícias; depois porque cresceu a reboque do talento de comediantes de primeira água no auge de suas capacidades como o José Pedro Gomes, a Maria Rueff, o Miguel Guilherme, a Lídia Franco, o Joaquim Monchique; e finalmente porque marcou uma geração de jovens que ainda hoje repete no dia-a-dia bordões como “Não havia necessidade”, “Este homem não é do Norte”, “Certo? Certo!” ou “onde é que tu estavas no 25 de Abril?”.

Como espectador, a minha escolha recai sobre o programa Conversas Vadias, protagonizadas pelo imortal Agostinho da Silva em 1990. Uma mistura explosiva de espontaneidade, cultura, inteligência e imprevisibilidade. A expressão máxima daquilo que deve ser um conteúdo de televisão do serviço público: diversão com alma e alguma densidade intelectual.

2000

Jacinto Godinho

Jornalista da RTP desde o final da década de 1980, recebeu o Grande Prémio Gazeta de jornalismo em 2006 e é autor da série documental A PIDE antes da PIDE.

O título mais marcante para mim foi A Guerra, de Joaquim Furtado. Foi uma década muito difícil para a RTP, praticamente uma década de sobrevivência – outras décadas foram de competição, os anos 2000 foram de ameaça constante e conflito público pela existência da RTP, da ameaça de venda da RTP2 ao período em que teve de reestruturar a sua dívida, mudar o seu âmbito enquanto empresa. Para o serviço público, obrigado a manter uma programação de referência mas ao mesmo tempo a estar visível no jogo das audiências, foi um tempo muito difícil. Documentários, como A Guerra, foram feitos na RTP com muita dificuldade mas por isso mesmo representam o que a RTP deve fazer enquanto serviço público — uma programação alternativa, de referência, fazendo o que os outros canais não fazem.

A série de António Barreto, Portugal, Retrato Social, ou a série sobre a história da emigração, são uma linha que talvez melhor exemplifica o que pode ser o contributo da RTP para a cultura portuguesa — fazer investigação em áreas que os outros canais não fazem e assegurando o seu dever de memória, de registo documental. A Guerra exemplifica aquilo que o jornalismo pode fazer de melhor, que não é substituir-se aos historiadores mas fazer um trabalho de grande profundidade e rigor e trabalhar com os testemunhos, com as fontes primárias, e deixar um trabalho que possa servir aos investigadores do futuro. Representa o melhor contributo que o jornalismo pode dar à sociedade, e que sai da linha do infotainment, da tabloidização, do jornalismo que procura a adesão fácil. Faz a defesa da possibilidade de um outro tipo de jornalismo.

2010

Catarina Furtado

Um dos “rostos RTP”, estreou-se em 1990 no canal e pouco depois foi para a SIC, regressando à estação pública em 2003. É apresentadora e actriz.

Voltei para a RTP para fazer um conceito mais moderno de talent shows, trazer uma energia renovada depois da experiência na SIC. Desde então, embora veja menos televisão do que deveria, refiro o Herman como alguém transversal na minha experiência como espectadora; acho que nunca noutra estação poderia haver um documentário sobre a Guerra Colonial como A Guerra – as coisas que me atraem mais são muitas das que vão buscar ao espólio do nosso arquivo. A década começa com a minha proposta para fazer um formato poder juntar o meu papel como Embaixadora de Boa Vontade do Fundo das Nações Unidas para a População com a RTP e a tentação maravilhosa de unir o mundo inteiro e transmitir rigor e esperança. O programa Príncipes do Nada nasce com o realizador Ricardo Freitas e já contou muitas histórias na área do desenvolvimento, da educação e da saúde e insere-se em acontecimentos mundiais marcantes também desenvolvidos na própria RTP. Fomos ao Haiti depois do sismo, à Indonésia depois do tsunami e fomos os primeiros media portugueses a ir ao Sudão do Sul após a independência.

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