PEV junta-se ao BE e ao PAN e anuncia proposta para despenalizar morte assistida

Intervenções andaram entre os argumentos do “matar a pedido” do CDS e a “dignidade na morte” pedida à esquerda. PCP e PSD apelam a uma discussão serena e sustentada.

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José Manuel Pureza do BE durante o debate Miguel Manso
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O deputado bloquista apresentou os seus argumentos pelo "sim" à eutanásia Miguel Manso
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Isabel Moreira do PS elogiou o relatório já feito Miguel Manso
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A deputada socialista depois de discursar Miguel Manso
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Carlos Abreu Amorim do PSD reconheceu que aprendeu muito com este processo Miguel Manso
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Jovens assistem ao debate parlamentar Miguel Manso
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João Semedo, ex-líder do BE, participou na petição Miguel Manso
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A novidade das pequenas (mas intensas) intervenções sobre a petição que pede a despenalização da morte assistida acabou por chegar na última linha do último discurso: a deputada Heloísa Apolónia anunciou que Os Verdes também irão apresentar em breve, tal como o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Animais Natureza (PAN), uma proposta própria sobre a despenalização.

A parlamentar ecologista não estabeleceu prazos, mas os outros dois partidos também não o fizeram - o Bloco disse mesmo que "não tem pressa" -, no entanto, como pretendem que o assunto seja resolvido ainda esta legislatura, e tendo em conta que o processo de discussão se prevê longo, tudo aponta para que as propostas sejam conhecidas ainda este ano. O PEV assume assim uma opção muito diferente da do PCP, com quem sempre concorreu às legislativas coligado na CDU.

Heloísa Apolónia desejou que seja um "debate consequente" por se tratar de direitos fundamentais. "É de dignidade das pessoas que falamos. (...) A vida que vale a pena ser vivida é a da opção de cada um quando nos dizem que o sofrimento miserável é o que se nos oferece para sempre, até à morte anunciada."

Nas intervenções de quase quatro minutos sobre a petição de 8427 subscritores que pedem que o Parlamento despenalize a morte assistida, todos os partidos consideraram a matéria complexa e delicada, que exige uma discussão aprofundada e meticulosa, ouvindo todas as opiniões. Mas ficaram delineadas barreiras: BE, PAN e PEV são claramente a favor, o PCP ainda não se decidiu e não deixa antever o seu sentido de voto, o PS não tem uma posição definida mas é maioritariamente a favor — ou não seria a deputada Isabel Moreira a fazer a intervenção, no púlpito —, o PSD não concorda mas mostra alguma abertura, o CDS afirma-se frontalmente contra. 

Antes, já o bloquista José Manuel Pureza fizera uma defesa veemente do que considera o direito de cada um a poder escolher a forma como quer acabar a sua vida e fora muito aplaudido pelo PS. “A escolha de suportar o sofrimento é legítima e responsável, mas a obrigação de o suportar é uma prepotência e uma imposição totalitária”, vincou o deputado. Por isso, a despenalização é a “melhor solução para toda a gente: permite mas não obriga ninguém; pelo contrário, a penalização impede e obriga toda a gente”.

Pureza defendeu que esta é uma questão de “liberdades pessoais” e de “direitos fundamentais” e rejeitou "chantagens que agitam o medo para deixarem tudo como está": “Saber se uma sociedade pluralista e tolerante, num Estado laico e democrático, a vida é um direito ou uma obrigação; se somos obrigados pela lei a ter que suportar um caminho de degradação física, dependência e sofrimento atroz que não desejamos e que é grotescamente contrário à vida que nos dignifica, ou viver, aos nossos próprios olhos, um fim de vida que desrespeita, que agride, que viola os valores e padrões que escolhemos ao longo da nossa existência.”

“O debate sobre a morte assistida é um debate sobre direitos humanos de quem está no fim da linha, e é um debate sobre como se morre: se com sofrimento agónico, atroz e intolerável ou, se pelo contrário, de forma digna, respeitosa, livre”, defendeu o deputado André Silva, do PAN, acrescentando que o processo de morte pode ser “pior do que morrer”. Porque, disse, “o sofrimento é uma dependência, uma indignidade, uma ausência de ser, uma falta de sentido”.

André Silva, que foi aplaudido por PS e BE, defendeu o poder que cada pessoa deve ter sobre dispor da sua vida e extremou argumentos ao considerar “inconstitucional” a forma como o Estado está a “ditar às pessoas o modo como devem gerir a sua vida”. Apontou ainda ser “extremamente moralista e paternalista dizer às pessoas que estão prestes a morrer que elas recebem cuidados tão bons que não precisam de dispor da opção da eutanásia”, salientando que os cuidados paliativos “não eliminam por completo do sofrimento de todos os doentes”.

PS recusa referendo: lugar para discutir o tema é a AR

A socialista Isabel Moreira lembrou as muitas audições já realizadas no grupo de trabalho criado para analisar a petição, cujo relatório, "exaustivo e sério", como elogiou, foi feito por José Manuel Pureza. Na sua apresentação na comissão, todos os partidos foram unânimes nessa apreciação e o social-democrata Carlos Abreu Amorim chegou mesmo a reconhecer que aprendera muito durante este processo.

A deputada disse que o seu grupo parlamentar não tem ainda uma "posição definida sobre a matéria", reconheceu a "importância vital" que assume para muitos doentes e deixou um recado ao CDS, que já defendeu a realização de um referendo: "Legislar sobre esta matéria não é fácil. O local para essa escolha, ou para a sua recusa, é esta casa [Parlamento], porque estamos no âmago dos direitos fundamentais."

Carlos Abreu Amorim defendeu que a petição contrária a esta, que entrou há dias no Parlamento, deve merecer o mesmo tratamento e pediu que a futura discussão das propostas de lei seja feita "sem sectarismo" e seja "alicerçada no conhecimento (...) abstraindo-se de querelas político-partidárias". O debate, acrescentou, "não pode ser metamorfoseado num debate meramente partidário em que a esquerda pensa de uma maneira, o centro assim-assim, e a direita, eventualmente, pensará 'assim não'".

"O tema confronta-nos com o lado mais profundo e indesvendável da condição humana: o fim da vida", apontou o social-democrata, que lembrou ainda que a questão "atravessa a sociedade e os partidos de uma forma transversal, sem olhar a convicções e simpatias políticas nem mesmo a opções religiosas".

Nessa lógica, o deputado António Filipe defendeu a necessidade de um debate "com base na tolerância para com as diferentes convicções", pediu que não se cavem "trincheiras" porque isso só irá toldar a discussão. E este "não é um debate em que alguma das posições tenha o monopólio da clarividência".

O comunista considerou "generoso" que se parta do objectivo primordial de "aliviar o sofrimento insuportável" das pessoas, mas avisou que o partido "não encara a eutanásia como um sucedâneo dos cuidados paliativos". Também por isso, o PCP não aceitará "soluções que possam conduzir a uma deriva economicista da eutanásia como forma de aliviar os encargos com a saúde ou a segurança social", nem tomará os países onde esta é admissível como "modelos inquestionáveis".

Da centrista Isabel Galriça Neto veio a crítica mais dura às pretensões assumidas de parte da esquerda: "Não se trata de discutir um direito a morrer nem de uma morte assistida, trata-se de criar um pretenso direito a ser morto por outra pessoa." A deputada defendeu que a aprovação desta despenalização será sempre um "retrocesso na sociedade", uma "banalização" da ideia do "matar a pedido", uma "visão apoucada do ser humano". Afirmando taxativamente que o CDS-PP é "contra a eutanásia", Isabel Galriça Neto defendeu que o "sofrimento em fim de vida trata-se cuidando e não eliminando aquele que sofre".

Pouca assistência nas galerias

Nas galerias da assembleia, a ouvir o debate, estiveram algumas caras conhecidas de signatários da petição, nomeadamente o médico e antigo deputado bloquista João Semedo e o oncologista Jorge Espírito Santo. Mas a assistência não foi muita.

Quando perto das 18h os deputados iniciaram a discussão sobre a petição, estas, que até então estavam cheias, ficaram praticamente vazias. Afinal, a esmagadora maioria das pessoas que nesta quarta-feira foram ouvir os parlamentares estavam lá por outro tema que antecedeu a discussão sobre eutanásia: o ramal ferroviário da Lousã e os sucessivos adiamentos sobre a obra de revitalização desta estrutura.

Maria José Tabucchi, 70 anos, uma das signatárias da petição que quer despenalizar a eutanásia, foi das que fizeram questão de assistir ao debate da eutanásia, por considerar que o tema é muito importante. É uma pena que poucos a tenham acompanhado, disse, mas “já é bastante positivo” que o assunto tenha chegado pela primeira vez ao plenário, afirmou. “É justo que as pessoas possam escolher morrer. Mas reforço que é uma escolha sempre pessoal e não podemos obrigar os outros a nada e o país deve garantir bons cuidados paliativos a todos.”

Na bancada à frente da de Maria José Tabucchi estava Tomás Castelo, de 17 anos. É contra qualquer despenalização da morte assistida. “Não quero uma sociedade que dê aos médicos o direito de assistirem alguém a morrer”, justificou. Para o estudante, a vida deve sempre prevalecer e, por isso, defende que o país garanta bons cuidados paliativos para os doentes em estado terminal. Com Romana Borja-Santos

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