O milagre inacreditável de Yael Naïm (obrigado, Steve Jobs)

Revelada ao mundo pela campanha de um produto da Apple, a pop disfarçada de jazz e folk de Yael Naïm ganhou uma dimensão planetária. Este sábado actua no Theatro Circo, em Braga.

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A cantora franco-israelita Yael Naïm Zoriah
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Yael Naïm dr

Ao apresentar ao mundo mais uma das criações da Apple, um computador que cabia dentro de um envelope de papel, Steve Jobs revelava, em 2008, não apenas um novo produto da sua companhia, mas também uma cantora franco-israelita de que quase ninguém ouvira falar. New soul, a canção que servia de banda sonora ao anúncio da marca da maçã omnipresente nos nossos dias, havia sido escolhida pelo próprio Jobs e, num repente, roubava Yael Naïm ao anonimato.

No espaço de uma semana, em Janeiro de 2008 New soul cavalgava as tabelas de vendas de música digital um pouco por todo o planeta, escassos meses depois da editora francesa Tôt ou Tard ter lançado local e discretamente o seu álbum homónimo. Trabalhado ao longo de dois anos por Yael com o marido, o percussionista David Donatien, o disco foi gravado em casa, com parcos meios, um orçamento a tender para zero e mais de metade dos temas cantados em hebraico. Parecia a receita certa para a invisibilidade. “Toda a gente desta indústria nos dizia que devíamos fazer isto e aquilo para obter algum reconhecimento”, lembra a cantora ao PÚBLICO, “até que dissemos ‘que se lixe, vamos apenas fazer a música de que gostamos’. E foi então que tudo subitamente aconteceu.”

À explosão de popularidade que se seguiu, Yael chama-lhe “um milagre inacreditável”, com o único senão de o casal não estar preparado para a febril actividade que estar nas bocas do mundo via Apple naturalmente implicava. “As viagens constantes e o cansaço exigiam e exigem uma preparação física e mental muito grande, uma enorme atenção com a comida, fazer algum ioga, cuidar da saúde – mas só isso é que foi difícil”, confessa. De resto, o único cuidado a ter daí para a frente seria fechar os olhos à tentação de apontar à repetição do impacto de New soul: “Não queríamos ir atrás de um novo sucesso, porque isso seria o oposto daquilo que tínhamos feito e significaria perdermos toda a liberdade e felicidade que tínhamos encontrado. Tentamos sempre pensar no sucesso que tivemos a sorte de conquistar como um belo presente e não como uma prisão.”

Se de um dia para o outro Yael e David levavam a música do seu modesto apartamento para os maiores palcos do mundo, a estabilidade financeira proporcionada por New soul havia de garantir-lhes o sossego necessário para poderem testar e experimentar novas canções sem a obrigação apressada de se atirarem logo de cabeça para um segundo álbum. She Was a Boy, sem trair a leveza pop da música de Naïm perfumada por jazz e folk, chegaria em 2010, e o terceiro álbum, Older – que a cantora traz a Portugal numa apresentação única em Braga, no Theatro Circo, este sábado – teria uma longa gestação de cinco anos.

Aberta ao mundo

Nascida em 1978, em Paris, Yael Naïm é filha de judeus sefarditas originários da Tunísia e mudou-se para Israel aos quatro anos, onde passou a infância e chegou a cumprir serviço militar. A sua história pessoal, diz, “é uma parte do puzzle tão essencial” que é impossível descortinar aquilo que possa daí verter para a música. “Aquilo que sei é que somos livres de fazermos o que quisermos com esse legado e de nos reconstruirmos”, afirma. “Como israelita e judia tornei-me sensível ao facto de humanos, animais e árvores estarem num mesmo plano de igualdade, e não haver razões para quaisquer sentimentos de superioridade.” No seu caso, ter crescido em Israel aguçou-lhe a vontade de viajar e conhecer outros lugares, em parte porque a música que ouvia, de Aretha Franklyn e Nina Simone a Joni Mitchell e Ali Farka Touré, a levava a concluir que algo de mágico havia no contacto com culturas diferentes da sua. “Claro que também se pode nascer em Israel e ser-se um fanático, mas comigo levou-me a estar aberta ao mundo.”

Essas referências, a que se juntam a música clássica ou a indiana, constituem a espinha dorsal da música de Yael Naïm. Mas a par deste tronco comum, que acaba por vir à tona de quase todas as suas canções, há dois aspectos que sempre se manifestam: “há o lado emocional, que não controlo nem tento controlar, e que tem que ver com quem se é em cada momento, em quem nos tornamos; e depois há o lado da pesquisa musical que fazemos diariamente, de ouvir muita música e procurar explorar cores diferentes a toda a hora.”

Older não significa, no entanto, qualquer revolução na escrita de canções de Yael Naïm, não se afastando muito dos dois álbuns anteriores – antes do encontro com David houve um outro, In a Man’s Womb (2001), demasiado imaturo para que a cantora o inclua nas suas contas. Em cada novo registo, vê-se a braços com um processo terapêutico que passa por “deitar para fora” os acontecimentos mais marcantes da sua vida e usar as canções para criar uma distância entre si e esses momentos, como se os expulsasse do corpo directamente para a música. “Escrever uma canção permite-me entender o que estou a viver, aceitar isso e seguir em frente”, resume.

Nem só das suas canções, no entanto, vivem os concertos de Yael. Não é incomum tirar da cartola um exemplar de Britney Spears, Nirvana ou o tema de Giorgio Moroder para o filme Flashdance (What a Feeling). Para que o palco possa também ser sempre um lugar de risco. 

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