Pedida auditoria a IPSS onde trabalha mulher de autarca de Gaia

Eduardo Vítor Rodrigues justificou parte dos aumentos da mulher como sendo decorrentes da actualização da tabela salarial das IPSS. Mas esses salários estavam congelados na altura.

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Remuneração base e subsídios de férias e de Natal surgem discriminados nestas tabelas DR

O Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social está a analisar o pedido de auditoria ao funcionamento e às contas da Cooperativa de Solidariedade Social Sol Maior apresentado no final do ano por um empresário de Gaia. Tal como o PÚBLICO noticiou a 27 de Dezembro, esta instituição particular de solidariedade social (IPSS) foi co-fundada, em 2007, pelo actual presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, então presidente da Junta de Freguesia de Oliveira do Douro. A mulher do autarca, Elisa Costa, trabalha na Sol Maior desde 2010.

O gabinete do ministro Vieira da Silva confirmou ao PÚBLICO que está apreciar o pedido de auditoria ao funcionamento e às contas dos últimos cinco anos da Sol Maior, à qual a autarquia entregou o negócio das Actividades de Tempos Livres (ATL) nas escolas e jardins-de-infância e que era gerido pelas associações de pais.

Há pouco mais de uma semana, o PÚBLICO revelou que familiares directos do presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, e do vice-presidente, Patrocínio de Azevedo, ambos com responsabilidades políticas no PS, a adjunta da presidência e autarcas das juntas de freguesia de Mafamude/Vilar de Andorinho e da União de Freguesias de Sandim, Olival, Crestuma e Lever, fazem parte dos órgãos sociais de três instituições de solidariedade social do concelho, que são parceiros da autarquia no Programa Gaia@prende+, uma das bandeiras do mandato do presidente.

O chefe de gabinete de Eduardo Vítor, António Rocha, tal como a sua irmã, Margarida Rocha, que é adjunta da presidência, integram a direcção da Sol Maior. Esta instituição emprega também Armanda Moreira, mulher do vice-presidente da autarquia, Patrocínio de Azevedo, que é fundador da Associação para o Desenvolvimento Social de Olival e presidente da direcção desta IPSS.

A notícia do PÚBLICO revelava que a mulher do presidente, Elisa Costa, directora técnica da Sol Maior, viu a sua remuneração base aumentada por seis vezes (entre 2010 e 2015) em mais de 390%, passando de 475 para 2343,71 euros. Mas foi sobretudo a partir de Outubro de 2013, quando Eduardo Vítor Rodrigues trocou a junta pela câmara, que o seu salário conheceu sucessivos aumentos. Nessa altura, o vencimento era já de 800 euros e subiu para 1018, em Maio de 2014. Cinco meses depois (em Outubro), a Sol Maior aumentou, de novo, a directora técnica em 150 euros, chegando a sua remuneração aos 1168 euros.

Questionado há duas semanas pelo PÚBLICO, Eduardo Vítor Rodrigues explicou que o “alegado ‘duplo’ aumento no mesmo ano [2014] não se concretizou nesses termos, tendo constado de uma actualização anual remuneratória de acordo com a tabela das IPSS e o seu índice de actualização, cumulativamente a uma condição de ‘isenção de horário’ devido ao tempo de trabalho fora de horas, nunca tendo beneficiado de remuneração de ‘trabalho extraordinário’”. Sucede que os aumentos nas IPSS estiveram congelados entre 2010 e Outubro de 2015.

Ouvida na mesma altura pelo PÚBLICO, Elisa Costa começou por negar os sucessivos aumentos, mas acabou por considerá-los ”normais”. “Decorrem das responsabilidades que desempenho”, justificou.

O PÚBLICO tem na sua posse documentos (ver imagem) relativos à carreira contributiva de Elisa Costa que mostram que a mulher de Eduardo Vítor Rodrigues viu o salário aumentado três vezes ao longo do ano de 2015: em Março, em Junho e em Agosto. Neste último mês, a sua remuneração base atingiu os 2343 euros, valor que continua a auferir té hoje. Contas feitas, entre Outubro de 2013 e Agosto de 2015, o vencimento da directora técnica da Sol Maior aumentou 192%.

Após a publicação da primeira notícia do PÚBLICO sobre o caso – à qual, nas redes sociais, Eduardo Vítor Rodrigues atribuiu motivação política e prometeu responder com um processo judicial – o presidente da Câmara de Gaia escreveu que a evolução salarial da mulher tinha sido mal interpretada, por ter sido considerado um vencimento pontualmente inflaccionado pelo subsídio de férias. Tal não corresponde à verdade. Nas tabelas com as remunerações de Elisa Costa a que o PÚBLICO teve acesso, os subsídios de Natal e de férias não surgem somados ao vencimento, antes aparecendo, individualizados, na linha subsequente à da remuneração base do mês em questão. E dos seis aumentos contabilizados pelo PÚBLICO nenhum tem a ver com meses de pagamento de subsídios de Natal ou de férias.

Além de directora técnica da Sol Maior, Elisa Costa tem a seu cargo a coordenação do Gai@prende+, um projecto sócio-educativo que a IPSS desenvolve nas escolas e jardins de infâncias das freguesias de Oliveira do Douro, Mafamude e Vilar do Paraíso/Vilar de Andorinho. As outras duas IPSS que promovem o Gai@prende+ são a Associação para o Desenvolvimento Social de Olival e a Associação de Solidariedade Social da Madalena.

O vice-presidente da câmara, Patrocínio de Azevedo, é o presidente da direcção da Associação para o Desenvolvimento Social de Olival, e o seu pai, Manuel Joaquim dos Santos Azevedo, é vogal da assembleia geral desta instituição e presidente da União de Freguesias de Sandim, Olival, Crestuma e Lever.

A vereadora Elisa Cidade, adjunta do presidente para as questões da Educação e Acção Social, já teve responsabilidades na direcção da Associação de Solidariedade Social da Madalena. Agora, é o seu marido que integra os órgãos sociais desta IPSS. Ambos são militantes do PS, sendo que Elisa Cidade é vice-presidente da concelhia socialista.

Como o PÚBLICO também escreveu a 27 de Dezembro, o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) do Porto está a investigar uma denúncia sobre as ligações entre a Cooperativa Sol Maior e a Câmara de Gaia, que foi apresentada em Setembro de 2016. Um dia depois da publicação da notícia, foi divulgado que o DIAP arquivara um processo de investigação relativo à Sol Maior e a outras IPSS. Trata-se, porém, de um caso diferente do referido pelo PÚBLICO. A denúncia arquivada diz respeito ao programa Gai@aprende+ e terá sido apresentada em Setembro de 2015, segundo declarações de Eduardo Vítor. E o DIAP que recebeu e arquivou essa denúncia foi o de Gaia, e não o do Porto.

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