Mulher do presidente da Câmara de Gaia aumentada 390% em cinco anos

Elisa Costa é assistente social na Sol Maior, uma IPSS de que o marido é co-fundador. Na direcção desta IPSS tem assento o chefe de gabinete e a sua irmã, adjunta do presidente da autarquia. Há uma denúncia no DIAP sobre estas ligações.

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Eduardo Vítor Rodrigues foi co-fundador da Sol Maior em 2007, antes de ganhar a câmara de Gaia Manuel Roberto

Familiares directos do presidente da Câmara de Gaia, Eduardo Vítor Rodrigues, e do vice-presidente, Patrocínio de Azevedo, a adjunta da presidência e autarcas de juntas de freguesia, todos com responsabilidades políticas no PS, integram a direcção de três das principais instituições de solidariedades social do concelho, a quem a autarquia entregou o negócio das Actividades de Tempos Livres (ATL) nas escolas, que eram geridos pelas associações de pais.

O chefe de gabinete de Eduardo Vítor Rodrigues, António Rocha, por exemplo, é vogal da direcção da Cooperativa de Solidariedade Social Sol Maior, a mesma IPSS onde trabalha a mulher do presidente da câmara. As outras duas instituições que empregam familiares de autarcas de Gaia são a Associação para o Desenvolvimento Social de Olival e a Associação de Solidariedade Social da Madalena.

Estas três IPSS´s têm relações privilegiadas com a autarquia que as comparticipa através de vários programas, em particular o Gai@prende+, uma das bandeiras do mandato de Eduardo Vítor Rodrigues.

A mulher do autarca, Elisa Costa, é vice-presidente da assembleia geral na Sol Maior, de cuja direcção faz também parte, como vogal, Margarida Rocha, adjunta do autarca e irmã do seu chefe de gabinete. Margarida Rocha, membro da comissão política concelhia do PS de Gaia, é um dos nomes apontados para integrar a lista à câmara nas autárquicas de 2017.

Já o deputado do PS e presidente da Junta de Freguesia de Mafamude e Vilar do Paraíso, João Paulo Correia, preside ao conselho geral daquela IPSS, da qual faz ainda parte outro presidente de Junta de Freguesia, neste caso de Oliveira do Douro, Dário Freitas.

Isenção de horário

Além de vice-presidente da assembleia-geral, Elisa Costa é directora técnica da Sol Maior, de que o seu marido foi co-fundador quando ainda era presidente da junta de Oliveira do Douro.

Entre 2010, ano em que entrou para a instituição, e 2015, a mulher do presidente da Câmara de Gaia viu a sua remuneração base aumentar mais de 390%, passando de 475 para 2343,71 euros. Mas foi sobretudo nos dois últimos anos, a partir de Outubro de 2013, que o seu salário base conheceu sucessivos aumentos. Nessa altura, o vencimento era já de 800 euros e subiu para 1018 euros, em Maio de 2014. Sucede que em Outubro desse ano, a direcção da Sol Maior voltou a aumentar a directora técnica em 150 euros, chegando a sua remuneração aos 1168 euros.

Ao PÚBLICO, Eduardo Vítor explicou que o “alegado ‘duplo’ aumento no mesmo ano [2014] não se concretizou nesses termos, tendo constado de uma actualização anual remuneratória de acordo com a tabela das IPSS e o seu índice de actualização, cumulativamente a uma condição de ‘isenção de horário’ devido ao tempo de trabalho fora de horas, nunca tendo beneficiado de remuneração de ‘trabalho extraordinário’”.

Questionada pelo PÚBLICO, Elisa Costa começou por negar os aumentos, mas depois considerou-os “normais”. “Decorrem das responsabilidades que desempenho”, justificou.

De acordo com documentos a que o PÚBLICO teve acesso, Elisa Costa conheceu ainda três aumentos no ano de 2015: Março, Junho e Agosto, mês em que atingiu os 2342 euros. Contas feitas, entre 2013 e 2015, o vencimento da mulher do presidente aumentou 192%.

Passeio à Kidzânia

Além de directora técnica, a mulher do autarca de Gaia tem a seu cargo a coordenação do Programa Gai@prende+, um projecto socioeducativo que a IPSS desenvolve nas escolas e jardins de infâncias das freguesias de Oliveira do Douro, Mafamude e Vilar do Paraíso e Vilar de Andorinho. Trata-se de uma parceria entre a Sol Maior e a câmara e que envolve 5000 alunos, segundo o autarca.

Foi através desta parceria que a câmara pagou à Sol Maior, em 2015, 93.973 euros. Já as mensalidades pagas pelos pais dos alunos no âmbito do programa atingiram os 403 232 euros.

O presidente da câmara, que tem os pelouros da Educação e da Acção Social, nega “qualquer favorecimento” à Sol Maior. “Sei bem do que pode acontecer quando se cai nas más-línguas e, por isso, sempre deixei claro que a Sol Maior era uma espécie de entidade proscrita, entre aspas, porque não pode beneficiar”, afirmou ao PÚBLICO, revelando: ”A minha vida foi feita ao longo destes 20 anos sempre numa relação profissional numa relação local comunitária. Sempre fui, nesse sentido, um provinciano, porque estive muito ligado às coisas locais”.

O autarca tenta distanciar-se do seu antecessor. “O doutor [Luís Filipe] Menezes era presidente de câmara e, mal feita a comparação, nomeou a esposa [Teresa Móas] directora municipal [da Divisão de Trânsito], o mais importante cargo de chefia na câmara, e não tem mal nenhum, e eu também posso dar o subsídio às IPSS’s, mas depois não faltam maldades a dizer que são favorecimentos”, disse.

Apesar de negar que a Sol Maior recebeu subsídios da autarquia, o PÚBLICO sabe que Eduardo Vítor não só apoiou como votou pelo menos uma proposta nesse sentido. Trata-se de um apoio financeiro no valor de 4000 euros para a realização de um passeio à Kidzania, na Amadora. Eduardo Vítor votou a proposta juntamente com os restantes eleitos do PS. Por sua iniciativa, a câmara entregou ainda a coordenação técnica do Programa de Contratos Locais de Desenvolvimento Social (CLDS+) à mesma IPSS.

Mas há mais benefícios. A Sol Maior dá emprego a Armanda Moreira, mulher de Patrocínio de Azevedo do vice-presidente de Gaia e presidente da Olival Social, uma IPSS fundada em 2006. A teia familiar do vice-presidente estende-se ao seu pai, Manuel Azevedo, que é segundo vogal da assembleia-geral da Olival Social (outra parceira da câmara no Gai@prende+).

O PÚBLICO sabe que foi feita uma denúncia, em Setembro, no Departamento de Investigação e Acção Penal do Porto, sobre as ligações entre as três IPSS´s e a autarquia. Posteriormente, chegaram ao DIAP mais informações sobre esta matéria no sentido de averiguar se existe algum ilícito criminal.

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