Razões de esperança

Aproveitando a minha fama de otimista, há quem me pergunte se podemos esperar que 2017 seja melhor do que 2016. A resposta é não: em 2017 vamos começar a ver os resultados das más decisões tomadas em 2016. Britânicos e estadunidenses embebedaram-se em 2016; em 2017 vamos todos partilhar a ressaca. Lamento.

Mas aceito uma nova pergunta. No fundo, o que as pessoas querem saber é se há razões para esperança. Como explicava Viktor Frankl, um pensador que passou os melhores anos da sua vida em Auschwitz e por pouco sobreviveu ao holocausto, é marca do humano buscar por sentido até no mais cruel dos absurdos — aquilo a que ele chamava de “otimismo trágico”. Com a busca de sentido, vêm razões para ter esperança. Com a esperança nascem razões para agir. E isso não nos falta, mesmo neste mau momento.

Quais são as razões para esperança em 2017?

Em primeiro lugar, o povo. Mesmo em 2016 nos EUA, a maioria dos eleitores escolheu outras opções que não Trump — e por uma grande margem. Clinton teve três milhões de votos a mais; se juntarmos os candidatos libertário, verde e independente, Trump foi rejeitado por uma robusta maioria de onze milhões de americanos e cerca de dez por cento do voto. Não quero com isto retirar legitimidade à eleição de Trump. Pretendo antes dizer que, ao contrário do que parece, estamos longe de ter nas sociedades democráticas consolidadas uma maioria absoluta que deseje eleger um racista com impulsos autoritários. A eleição nos EUA depende do colégio eleitoral e das suas distorções, justificadas ou não. Na França e nos outros países que nos deixam nervosos para 2017, a eleição dependerá do voto da maioria do povo.

Em segundo lugar, os jovens. No Reino Unido os jovens rejeitaram por esmagadora maioria a política do fecho de fronteiras, da culpabilização dos estrangeiros e de uma pseudo-recuperação de soberania em que uma parte da elite nacional, nos jornais, nas oligarquias e na partidocracia, finge estar do lado do povo para roubar à outra parte da elite a dinâmica política, ambas prometendo fazer qualquer coisa contra uma globalização da qual, no fundo, dependem. Os jovens britânicos, tal como os jovens da maior parte das nossas sociedades, desconfiam justificadamente de quem lhes quer retirar o acesso ao resto do mundo para satisfazer o impulso política pela conquista do poder no plano nacional. Falta-lhes, para já, capacidade de representação política, mas esse momento chegará.

Em terceiro lugar, as ideias. Os votos no Brexit e em Trump, tal como a porção de votos que terá no próximo ano Le Pen, Beppe Grillo ou o partido alemão AfD, são votos sem qualquer ideia de futuro. As pessoas sabem disso, mesmo quando votam neles: votar em Trump é como fantasiando que se comprar um capachinho para a calva se lhe diminuirá a pança. Votar por um homem que parece saído dos anos 50 não nos devolverá o vigor passado. As nossas sociedades esperam e desesperam por novas ideias de cidadania, justiça global e responsabilidade perante o planeta. Estas ideias já existem. Estão subrepresentadas na política. Mas há uma ideia de onde as procurar.

Em quarto lugar, o resto do mundo. A Europa está numa encruzilhada, é certo. E onde estão a Rússia, a Turquia, o Brasil, os EUA e o Reino Unido do Brexit? Num ermo frio, desolado e zangado em permanência. Será Putin, Trump ou Erdogan companhia para procurar o que quer que seja de bom, belo, justo ou verdadeiro? Uma minoria de crentes pensa que sim. Para uma maioria de pessoas na maioria das nossas sociedades, a Europa é ainda — com todos os seus problemas, mas com todas as suas possibilidades ainda por explorar — um solo muito mais fértil para ideias de futuro. Quanto mais cedo percebermos isso, mais cedo plantaremos essas sementes. Desconfio, aliás, que em Portugal já nos apercebemos disso.

Há, pois, razões de esperança. O que nos falta, para já, são os seus intérpretes.

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