Responsável russa reconhece "conspiração institucional" no doping. Verdade ou distorção?

Directora-geral da agência anti-doping admite operação em larga escala para beneficiar a Rússia nos Jogos Olímpicos. Agência diz que declarações foram distorcidas.

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Putin durante os Jogos de Inverno de Sochi. Responsáveis russos negam envolvimento do Presidente no esquema de doping AFP/KIRILL KUDRYAVTSEV

“Era uma conspiração institucional”. Foi assim que a directora-geral da Agência Nacional Anti-doping da Rússia, Anna Antseliovich reconheceu, em declarações ao The New York Times, que o seu país é responsável por uma enorme operação de doping que envolveu dezenas de atletas olímpicos russos. As suspeitas existiam há muito mas Moscovo tinha até este momento negado qualquer envolvimento nos casos de doping detectados nos seus atletas. Agora, Antseliovich admite que durante anos foram montados esquemas que permitiam para dar aos atletas russos vantagens sobre os seus adversários. A responsável sublinhou, contudo, que os altos dirigentes do Governo não tinham conhecimento do que se passava.

Logo depois da publicação da notícia do New York Times, a agência anti-doping russa emitiu um comunicado a dizer que as declarações da sua directora-geral foram distorcidas e retiradas do contexto.

Um relatório elaborado por Richard McLaren, investigador da Agência Mundial Anti-Doping, e divulgado a 9 de Dezembro, concluía que, entre 2011 e 2015, mais de mil russos, incluindo vários atletas que tinham conquistado medalhas olímpicas, beneficiaram de um programa de doping apoiado pelo Estado. Entre as provas então apresentadas está, por exemplo, a existência de um banco de urina limpa em Moscovo para subsituir as amostras contaminadas ou de um cocktail de drogas, conhecido como Duquesa, com uma janela de detecção muito curta e que foi desenvolvido para evitar a identificação de fraude.

O relatório referia ainda a utilização de sal e café nas amostras de urina para esconder as drogas tomadas pelos atletas, num esquema que foi usado tanto nos Jogos Olímpicos de Londres em 2012, onde os russos ganharam 72 medalhas, 21 das quais de ouro, como nos Jogos de Inverno de 2014 em Sochi, na Rússia, nos quais ganharam 33, das quais 13 de ouro. A divulgação do relatório levou à abertura de procedimentos disciplinares a mais 28 atletas por parte do Comité Olímpico Internacional.

Richard McLaren disse, citado pelo The New York Times, que ficava satisfeito por ver que a Rússia já não contesta as conclusões do seu relatório, considerando, contudo, que esta mudança de posição pode ser uma tentativa de evitar uma investigação mais aprofundada. “Trata-se de controlo de danos”, afirmou.

Anna Antseliovich declarou-se chocada com as revelações e a escala da operação e Vitaly Smirnov, um alto responsável desportivo dos tempos soviéticos, hoje com 81 anos, e que foi nomeado pelo Presidente Vladimir Putin para reformar o sistema anti-doping da Rússia, foi também claro: “Do meu ponto de vista, como antigo ministro do Desporto e presidente do comité Olímpico, cometemos muitos erros.”

No entanto, tanto Antseliovich como Smirnov mantiveram-se firmes num ponto: apesar da dimensão, o programa de doping russo não foi arquitectado ao mais alto nível. Ou seja, o Presidente Putin e o seu círculo próximo não estiveram envolvidos, segundo os dois responsáveis desportivos. “Temos que perceber as razões que levaram jovens atletas a aceitar o doping”, afirmou Smirnov, numa declaração entendida pelo The New York Times como expressando “vontade de avançar, mais do que atribuir responsabilidades por violações passadas”. 

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