Berlim: imperturbabilidade máxima

A resposta à violência é mais democracia e humanidade, não xenofobia e fascismo.

1. A questão nunca foi o "se” um ataque terrorista ocorreria mas o "quando". Há muito que a Alemanha se tornou um alvo privilegiado para o terrorismo islâmico. Só em 2016 a lista de atentados e ataques conseguidos ou falhados é extensa. Vejamos. Leipzig, Outubro: a polícia desmantela um possível ataque a um aeroporto alemão, o suspeito é detido e enforca-se na prisão. Ansbach, Julho: 15 feridos na sequência de um engenho explosivo detonado por um refugiado sírio que morreu na mesma. Würzburg, Julho: um jovem afegão de 17 anos ataca à machadada uma família de Hong Kong num comboio regional. O jovem com ligações ao IS foi abatido pela polícia. Düsseldorf, Maio: três suspeitos foram detidos por planearem um atentado no centro da cidade. Hanôver, Fevereiro: uma mulher com ligação ao ISIS esfaqueia um polícia. Alemanha é um país muito seguro. Porém, segurança a cem por cento é coisa que não existe.

2.  A resposta alemã  ao atentado tem sido exemplar. O facto de a Alemanha ter vivido os anos de chumbo da RAF dotaram as polícias com os instrumentos e a experiência para lidarem com a ameaça terrorista. Por outro lado, a sociedade civil recusa-se a ceder ao medo e a entrar numa histeria generalizada que serve de húmus para outros extremismos.

A imprensa, mesmo tablóides como o Bild, estão a dar lições de piedade, respeito e ética. O Der Spiegel publicava uma reportagem em que falava da "imperturbalidade máxima" dos berlinenses. A cidade acordou como se nada tivesse acontecido e as praças públicas encheram-se de gente, para homenagear as vítimas e bater pé ao medo. Quando uma mãe alemã educa os seus filhos, habitualmente tenta transmitir-lhes um valor: a Vernunft (razoabilidade). Qualquer criança alemã terá tido como mantra "Sei doch vernünftig!" ( "sê razoável/sensato").

Apelando a essa Vernunft tão germânica, mesmo quando nos confrontamos com a nossa vulnerabilidade, a Der Spiegel escrevia que ser razoável é "não propagar ainda mais o ódio, a desconfiança entre alemães, estrangeiros, muçulmanos, o Ocidente ou o Sul, o Leste". 

Razoável é também "não silenciar”. "O atacante parece ter entrado no país como refugiado – o que constitui um problema. Por isso, é preciso falar nas falhas de segurança na entrada dos refugiados e reduzi-las. É preciso corrigir o que está a correr mal, e essa é uma tarefa dos governos, dos parlamentos e dos órgãos de segurança."  Numa intervenção serena, a chanceler, Angela Merkel, frisou que está indignada e chocada. Todavia, os actos isolados de alguns não devem "penalizar os milhões que precisam da ajuda [da Alemanha]".

3. A resposta à violência é mais democracia e humanidade, não xenofobia e fascismo. Estes não "são os mortos da Merkel" como o partido de extrema-direita AfD o afirmou; são as vítimas de uma pessoa ao serviço de uma ideologia assassina. A Alemanha tem de reconhecer a sua força. Sim, é um alvo dos terroristas que têm como agenda polarizar a sociedade e acicatar medos. Porém, também é uma democracia forte. As instituições do Estado funcionam. Há muito que se temia a ocorrência de um atentado como este. Não há segurança absoluta contra o terror. Mas os órgãos de segurança já conseguiram evitar muitos outros atentados. Os terroristas e os seus apoiantes no país e no estrangeiro podem ser e serão perseguidos sem contemplações

4. Como escreveu o Stuttgarter Zeitung, "este ataque abalou a sociedade [alemã]". "Todavia, ela é, apesar de todas as diferenças, suficientemente forte para dar a resposta correcta: os valores que defendemos podem ser atingidos por um acto de terror, mas não podem ser destruídos por ele." Caso contrário, isso seria uma vitória para o terror. Faça-se o luto pelas vítimas de Berlim e não pelo nossos valores.

Sugerir correcção
Ler 13 comentários