O cronocídio

Já ninguém fala em matar o tempo. Agora só se fala no tempo que não se tem. Matar o tempo soa como um crime duma estupidez atroz.

Desligar o telemóvel é receber uma fortuna de tempo. Se formos ver o que fazemos com os telemóveis é entretermo-nos com coisas. Pensamos que estamos a actualizarmo-nos ou a mantermo-nos informados mas o que estamos a fazer é a participar em passatempos. Agimos como se tivéssemos tempo a mais. E assim matamos o tempo. Assim matamos o tempo que, depois de descontado todo o tempo passado em passatempos, fatalmente já não temos.

Falamos em poupar tempo mas melhor seria falar em ganhar tempo. Sempre que reduzimos o tempo que gastamos a fazer coisas que não nos dão prazer estamos a ganhar tempo para fazer as coisas que nos dão. Deveríamos ter, pelo menos, 8 horas por dia para fazermos o que nos apetece. Os outros dois-terços do dia seriam para dormir, trabalhar e cuidar da higiene.

8 horas! 8 horas limpas, para ocupar com prazeres verdadeiros que já ninguém nos tira! 8 horas não é pedir muito mas quem é que as tem? Quase ninguém. E porquê? Porque anda a gastar esse tempo noutras coisas: está, sem dar por isso, a matar o seu próprio tempo, a cometer cronocídio.

A aldeia remota, a ilha do Corvo andam sempre connosco, cá dentro. Temos o mesmo tempo do que quem lá vive - e num sítio com muito mais coisas para fazer. Basta desligar e começar a ganhar tempo até se ter as 2, 4, 6, 8 horas por dia de que precisamos para gozar a vida breve que é a nossa.

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