A dopagem na Rússia e a segunda parte do relatório McLaren

Não nos podermos esquecer que a Rússia vai ser a organizadora do Campeonato do Mundo de Futebol de 2018. Quais as consequências que poderá vir a ter este escândalo para essa organização?

1. O tema que envolve a problemática da dopagem de atletas russos, em particular em competições internacionais, revela-se cada vez mais actual em virtude dos novos desenvolvimentos que ocorreram na sequência da publicação da segunda parte do relatório elaborado por Richard McLaren. É que, na verdade, embora o relatório mencione somente factos (deixando de lado qualquer consideração jurídica), não deixa de sustentar a existência de um esquema de dopagem apoiado pelo Estado russo, abrangendo potencialmente a dopagem de mais de mil atletas (entre 2011 e 2015).

2. Neste sentido, se a factualidade aí denunciada corresponder à verdade, trata-se, e independentemente de apurar se aquela pode ter consequências jurídicas, de uma confirmação das suspeitas (nem sempre bem sustentadas) de que uma das nações com maiores sucesso olímpico, especialmente nos últimos anos, não respeitou devidamente as normas de antidopagem. É, portanto, indiscutível que, sendo verídico, estamos perante o maior escândalo do Séc. XXI no que respeita à dopagem. Esta constatação implica, mais do que encontrar um “culpado” (num sentido não jurídico), que sejam ponderadas as razões que levaram à falência do modelo transnacional (com implicações a nível nacional) de regulação da dopagem.

3. A função de discutir os modelos de regulação transnacional da dopagem – que tem sido levada a cabo pela Agência Mundial de Antidopagem (AMA) – não é, porém, um exclusivo do movimento olímpico e das federações desportivas (transnacionais e nacionais), mas pertence também aos Estados (e às respectivas autoridades de antidopagem). Sem essa actuação conjunta, pode falhar qualquer iniciativa de reformulação (num sentido positivo) da regulação mundial do quadro jurídico dopagem.

4. Sendo certo que a erradicação do fenómeno da dopagem por completo não é possível, será sempre de ponderar que o reforço de poderes investigatórios dos responsáveis (transnacional e nacionalmente) pela antidopagem, numa lógica de potencial interacção entre a dimensão transnacional e a nacional. Este reforço pode acontecer com o auxílio dos Estados, ponderando quais os mecanismos jurídicos mais adequados para permitir que a integridade da competição desportiva não seja afectada – pelo menos com esta dimensão – pela possível existência de esquemas de dopagem.

5. Por outro lado, haverá quem defenda – de modo diferente ao que professamos – simplesmente o fim do quadro jurídico da antidopagem (e dos controlos de antidopagem), deixando de lado a hipótese de existir juridicamente um conceito de “dopagem”. Esta solução tem, porém, uma fragilidade: a de não permitir salvaguardar – pelo menos na sua essência – a integridade física dos atletas. Este é, porém, o momento de se analisarem todos os contributos para percebermos qual a forma mais eficaz de se garantir a integridade da competição desportiva, a qual fica, sem margem para dúvidas, afectada por conflitos que envolvem a potencial dopagem de atletas.

6. O grande debate jurídico está ainda por surgir. Se olharmos para a tomada de posição quer da AMA, quer do Comité Olímpico Internacional (COI), encontramos facilmente um consenso relativamente à tomada de medidas, de modo de proceder a uma investigação concreta sobre a veracidade dos factos presentes no relatório McLaren e, em particular, do enquadramento jurídico destes. A posição concertada é saudável – se comparada com a tomada nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro – e permite que, do quadro de conflito anteriormente existente entre a AMA e o COI, se constante uma união indispensável para ultrapassar este imbróglio que terá muito provavelmente disputas jurídicas muito intensas.

7. Na verdade, começa agora a luta jurídica relativamente aos efeitos que os factos que Richard McLaren apurou. Desde aferir a possibilidade de existirem sanções disciplinares aplicadas pelas federações, de potenciais recursos dessas sanções no Tribunal Arbitral du Sport ou, posteriormente, de acções de impugnação da sentença arbitral perante o Tribunal Federal Suíço, os conflitos jurídicos estão longe de terminar com o relatório McLaren.

Este é um ponto muito importante a ser retido: decorreram vários anos desde o apuramento do resultado de competições internacionais muito relevantes, como por exemplo, os Jogos Olímpicos de Londres ou de Sochi. Todos esses resultados, quando envolvam atletas russos, podem agora vir ser alterados na sequência da potencial abertura de procedimentos disciplinares, com as concomitantes consequências nefastas para patrocinadores (de todos os atletas ou mesmo da competição) e para os atletas (mesmo os que não se doparam, mas que concorreram contra os atletas russos) que vêem constantemente a sua posição desportiva afectada. Se numa escala mais pequena esta situação pode ser considerada pouco significante, numa dimensão tão elevada como a potencialmente apresentada pelo relatório de Richard McLaren, os efeitos de sanções disciplinares na competição desportiva podem ser efectivamente devastadores.

8. Esta constante intervenção na competição desportiva pode também descredibilizar a competição. Uma última observação merece, em particular, a circunstância de não nos podermos esquecer que a Rússia vai ser a organizadora do Campeonato do Mundo de Futebol de 2018. Quais as consequências que poderá vir a ter este escândalo para essa organização? Sem escrutinarmos os possíveis efeitos jurídicos, podemos, desde logo, afirmar que terá muito provavelmente efeitos económicos relevantes em virtude da possível falta de confiança dos patrocinadores.

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