O católico patriota que quer liberalizar a França

Aguentou anos de humilhação enquanto primeiro-ministro de Sarkozy, mas eis chegado o momento de Fillon. Concorre à presidência com um programa duro na segurança e na economia e que prevê uma aproximação a Moscovo.

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François Fillon é um seguidor do liberalismo económico aplicado por Thatcher nos anos 1980 no Reino Unido AFP/THOMAS SAMSON

O terceiro elemento

Há muito tempo que François Fillon preparava o triunfo pelo qual ninguém esperava. A ideia de liderar o centro-direita pós-Nicolas Sarkozy estava na sua cabeça desde 2012, quando disputou a chefia da União para um Movimento Popular (UMP), acabando por sair derrotado por Jean-François Copé, em eleições ensombradas pela suspeita de fraude.

Ameaçou desertar e fundar um novo partido, mas desistiu e passou os últimos anos a trabalhar de forma metódica e discreta para o seu regresso. As sondagens davam como certa uma disputa entre Nicolas Sarkozy e Alain Juppé, mas as bases dos Republicanos preferiram o liberalismo e o conservadorismo de Fillon à extravagância de um e ao multiculturalismo de outro que marcaram o programa dos seus adversários.

“Mr. Nobody”

Com uma carreira de 35 anos na política, Fillon, que parecia destinado ao papel de actor secundário, surge agora como um dos candidatos mais bem posicionados para chegar ao Palácio do Eliseu. Aos 27 anos foi eleito deputado, tornando-se na altura no mais novo de sempre a entrar na Assembleia Nacional.

Passou por vários governos até chegar, em 2007, a primeiro-ministro durante a presidência de Nicolas Sarkozy. Foram anos de uma coabitação difícil em que Sarkozy não perdeu oportunidades para secundarizar o seu chefe de governo, chamando-lhe “colaborador” – mais tarde o apelido seria “Mr. Nobody”. A lealdade de Fillon provou ser à prova do fulgor excessivo do Presidente até à derrota de 2012.

O momento certo

Tinha chegado o momento que sentia ser seu por direito. Foi o primeiro, logo em 2013, a anunciar a intenção de se candidatar em 2017. Nesta altura já não deixava passar sem resposta o que considerava abusos do ex-Presidente: “Durante um ano, em cada um dos nossos encontros, Nicolas dizia-me: ‘Tu és o melhor.’ Depois, assim que eu saía, ele recebia amigos meus para me criticar. A partir de certa altura, torna-se de mais”, dizia no final esse ano ao Journal du Dimanche.

A sua paixão pela velocidade – Fillon é natural de Sarthe onde se disputa a célebre corrida “24 Horas de Le Mans” – contrasta com a calma e a tranquilidade que todos lhe apontam. Mas estes traços não o impedem de ser assertivo – ou até polémico. No Verão, chegou a descrever o colonialismo francês como uma “partilha cultural”. “A França não é culpada de ter querido partilhar a sua cultura com os povos de África, Ásia e da América do Norte”, afirmou.

Thatcher e De Gaulle

É descrito como um seguidor do liberalismo económico nos moldes de Margaret Thatcher, que o próprio assume como um exemplo. “Sou gaullista, de direita. Não há nenhuma razão para andar na sombra”, disse recentemente.

O programa de Fillon parte do pressuposto de que o Estado francês está em “falência” e a forma de o salvar é através de reformas profundas que abalam alguns dos princípios basilares da França do pós-guerra. Entre elas está o corte de mais de meio milhão de funcionários públicos em cinco anos e o fim das 35 horas semanais de trabalho, permitindo às empresas negociar horários que podem ir até às 48 horas. “É verdade que o meu projecto é mais radical, talvez mais difícil”, admitiu Fillon no último debate com Juppé, na quinta-feira.

Islão e Rússia

Numa França abalada pelo terrorismo, Fillon rejeita a visão de uma sociedade multicultural e assume existir um “problema com o islão” no país. Na sequência do atentado de Nice, lançou um livro (Vaincre le totalitarisme islamique) em que defende a retirada da nacionalidade aos cidadãos franceses acusados de actos de terrorismo e o alargamento da aplicação do regime de crime contra o Estado a “todas as pessoas culpadas de cumplicidade” com organizações terroristas. Outra das medidas propostas é a expulsão dos estrangeiros que “constituem uma ameaça para a segurança do território”.

É também com a ameaça terrorista em mente que Fillon propõe uma viragem na política externa francesa, no sentido de uma aproximação à Rússia. Esteve com o Presidente russo, Vladimir Putin, em várias ocasiões e está contra a estratégia de isolamento actualmente em vigor, uma vez que só tem levado Moscovo “a endurecer, isolar-se e a recorrer a instintos nacionalistas”. O plano é encontrar terreno comum onde for possível, nomeadamente na coordenação da luta contra o Estado Islâmico na Síria, e pôr de lado as divergências. Afasta, porém, o rótulo que a esquerda lhe tem colado de “amigo de Putin”. “A Rússia é um país perigoso porque está carregada de armas nucleares e nunca conheceu a democracia”, afirmou numa entrevista na semana passada.

Conservador

Casado com uma galesa com quem tem cinco filhos, Fillon não esconde o seu profundo catolicismo, mas promete não reverter os actuais regimes do aborto e do casamento entre pessoas do mesmo sexo, apesar de ter apoiado as grandes manifestações contra o chamado “Casamento para todos”. Propõe, por outro lado, reverter a adopção por casais homossexuais hoje em vigor.

Fillon defende ainda a utilização obrigatória dos uniformes escolares como forma de reafirmar a “autoridade” da escola e a reformulação dos manuais de História para que reflictam uma “narrativa nacional”.

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