Philip Roth aguado

Reconhecem-se os traços de Roth, mas aguados; e se esquecermos Roth, continua aguado na mesma. O mérito de Uma História Americana, estreia na realização de Ewan McGregor, é, apenas, não ser desastroso.

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Ewan McGregor não faz a coisa por menos, e para se estrear como realizador de cinema escolheu apenas um dos romances mais célebres de um dos mais respeitados escritores das últimas décadas, Philip Roth. Roth, de resto, não tem sido muito feliz com os periódicos filmes que o cinema americano vai arrancando à sua obra: oscilam, por norma, entre o simpaticamente fraquinho (The Human Stain por Robert Benton), o francamente mau (o The Humbling de Barry Levinson com Al Pacino), e o inapelavelmente péssimo (o Elegy que Isabel Coixet extraiu do Animal Moribundo). A sorte não muda muito com esta Pastoral Americana a que o distribuidor português preferiu chamar Uma História Americana vá-se lá saber porquê. O esforço de McGregor não é indigno, na sua fidelidade quase escolar a um padrão de correcção industrial, mas exactamente pelas mesmas razões bate muito rapidamente num limite inultrapassável, a necessidade de encaixar o relato e a escrita de Roth num padrão de correcção industrial seguido com fidelidade quase escolar. O argumento, de resto, não tem muita habilidade para lidar com o processo narrativo de Roth, e se Nathan Zuckerman (David Strathain), a personagem clássica do escritor, aparece a abrir e a fechar o filme, isso não tem qualquer efeito a partir do momento em que a voz interior e a primeira pessoa servem apenas para caucionar um banalíssimo movimento de entrada e saída do flashback que ocupa o lugar central da narrativa — sinal de que, no fundo, e como tem sido habitual, o filme procura mais a história (ou a “estória”) do que o encontro com uma forma de traduzir, fazer equivaler, a mordacidade e a frequente crueza da linguagem do escritor.

Por conseguinte, e se conseguirmos acreditar que Ewan McGregor, com o seu fácies de proletário escocês, é mesmo um judeu de New Jersey, Uma História Americana reduz-se a pouco mas do que um déjà vu, enésima repetição da desilusão do sonho da família americana, e da fractura geracional entre os pais que viveram o tempo da II Guerra e o filhos baby boomers que cresceram nas décadas seguintes. Podia ser, se as coisas se concentrassem nisso, uma história de amor louco entre um pai e uma filha perdida, para além de toda a racionalidade, para a “contracultura” contestatária dos anos 60 e 70 — mas quer um, o pai, mesmo enquanto símbolo de um ideal de classe média tão respeitável quanto conformista, quer outra, a filha (Dakota Fanning), enquanto símbolo de um idealismo radical e por isso destrutivo, acabam por ser pouco mais do que estereótipos, com personagens pouco trabalhadas e (sobretudo no caso do pai, McGregor) presas em actores incapazes de um gesto ou de um olhar que abras fissuras nessa armadura. Melhor é por exemplo a mãe, Jennifer Connelly, com a sua beleza neurasténica de ex-miss, mas o filme acaba por secundarizá-la. Tudo se conserva a um nível meramente funcional, e estritamente profissional nesse designío — nos bons e maus sentidos destas asserções, incluindo a imaculada reconstuição de época, onde tudo (as casas, as ruas, as lojas) parece ter sido inaugurado na véspera, ou pelo menos ter saído na véspera do armazém de adereços da produção. Reconhecem-se os traços de Roth, mas aguados; e se esquecermos Roth, continua aguado na mesma. O mérito de Uma História Americana é, apenas, não ser desastroso.

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