Dez pequenas histórias da Casa Branca

Não viveram lá todos — só ficou pronta em 1800 e John Adams foi o primeiro inquilino —, mas estão lá todos. O seu nome original, aliás, era Casa do Presidente.

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A famosa Sala Oval da Casa Branca, um marco da paisagem política norte-americana Jewel Samad/AFP

1. Jefferson e a ideia de que “todos os homens são iguais”

Foi Thomas Jefferson, Presidente entre 1801 e 1809, quem introduziu a frase na Declaração de Independência. Tinha, porém, 200 escravos e nunca libertou nem um. A sua ideia era a de construir uma sociedade livre mas para homens, proprietários de terras e brancos. Não lhe passou pela cabeça dar direitos às mulheres no novo país que nascia, aos índios e muito menos aos negros. Jefferson defendia que os negros deviam sair dos EUA. Para isso acontecer, os proprietários de escravos deviam libertá-los todos ao mesmo tempo de forma a serem devolvidos ao seu continente de origem. O movimento Back-to-Africa, que floresceu no início do século XIX nos EUA, encorajava os ex-escravos a voltarem para “casa” — a Libéria foi fundada por ex-escravos ou seus descendentes, em 1847.

2. John Quincy Adams perdeu o voto popular mas ganhou a Casa Branca

Foi o primeiro Presidente a ser eleito (em 1825) apesar de ter perdido o voto popular — o seu adversário Andrew Jackson teve mais 44.804 votos do que ele, mas Adams elegeu mais delegados para o Colégio Eleitoral que escolhe o chefe de Estado. Mais três Presidentes chegaram à Casa Branca apesar de perderem o voto popular: Sutherford B. Hayes, que perdeu para Samuel Tilden por 264.292 votos (1876); Benjamin Harrison, que perdeu por 95.713 votos para Grover Cleveland (1888); e George W. Bush, que perdeu para Al Gore por 543.816 votos em 2000. John Quincy Adams e George W. Bush partilham outra curiosidade: os pais de ambos também foram Presidentes, respectivamente John Adams e George Bush.

3. Sete Presidentes não nasceram nos EUA

Martin Van Buren foi o primeiro Presidente (1837-41) a ter nascido nos Estados Unidos da América. Os anteriores — George Washington, John Adams, Thomas Jefferson, James Madison, James Monroe, John Quincy Adams e Andrew Jackson — nasceram na colónia americana de Londres e eram, por isso, súbditos ingleses. A lei diz que só uma pessoa nascida em território dos EUA pode ser Presidente — Obama teve que divulgar dados sobre o seu nascimento (no Hawai) para abafar o rumor de que teria nascido no Quénia, o país do seu pai.

4. Andrew Jackson, o primeiro de muita coisa

Foi o primeiro democrata a ser eleito (foi Jackson quem fundou o partido em 1828, após a cisão no Partido Democrático e Republicano de Thomas Jefferson e James Madison). Foi também o primeiro Presidente a ter morto alguém num duelo: foi em 1806 e a vítima foi um homem que ofendera a honra da mulher de Jackson, Rachel (Jackson foi também o primeiro a ser casado com uma divorciada). Foi também o primeiro Presidente a ser alvo de um plano para o assassinar — um oficial da Marinha, Robert B. Randolph, tentou matar o chefe de Estado que ordenara o seu afastamento por receber subornos.

5. Assassínios e óbitos

Oito presidentes morreram em funções. Abraham Lincoln foi o primeiro a ser assassinado (14 de Abril de 1865), John F. Kennedy o segundo (a 22 de Novembro de 1963). James Garfield, que foi atingido por dois tiros, morreu em 1881, não dos ferimentos mas de uma infecção — foi um caso claro de negligência médica. O 25.º Presidente, William McKinley, também foi atingido por um anarquista em Setembro de 1901 e morreu de gangrena. Já Zachary Taylor morreu em 1850 de cólera, depois de ter comido cerejas e leite contaminados, e William Henry Harrison teve o mandato mais curto de sempre, 32 dias. Fez um discurso tão comprido ao frio e à chuva, a cavalo, quando tomou posse, em 1841, que contraiu a pneumonia que o matou em Abril.

6. O que aconteceu aos corpos dos assassinos de Presidentes?

Leon Czolgosz, que disparou contra William McKinley, foi executado em 1901. O seu corpo foi dissolvido em ácido sulfúrico. Charles Julius Guiteau, o advogado com problemas mentais que matou James Garfield em 1881, foi enforcado — no cadafalso, recitou um dos seus poemas e pediu para ser acompanhado por uma orquestra. Parte do seu esqueleto está guardado no Museu Mütter de Filadélfia, que tem também um frasco com bocados do seu cérebro. Os cientistas quiseram estudar este cérebro para procurar uma deficiência que explicasse o seu comportamento criminoso.

7. Andrew Johnson, o primeiro impeachment

Quando o vice-presidente de Lincoln, Andrew Johnson, se tornou Presidente, depois do assassínio, ficou patente que o Congresso o detestava. De tal forma que, em 1867, lhe abriu um processo de impeachment. O Presidente não podia demitir membros do Governo sem autorização do Congresso. Johnson despediu o secretário da Marinha e, três dias depois, arrancou o processo de destituição. Escapou por um voto. Passaram-se séculos até ser aberto um processo de destituição contra outro Presidente: Bill Clinton, em 1998. No julgamento, por perjúrio e obstrução à justiça, foi absolvido. Mas a primeira vez que a Câmara de Representantes tentou destituir um Presidente, o alvo foi John Tyler (1841-45) e o motivo foram os vetos presidenciais. Não conseguiu. Já Richard Nixon não foi destituído porque se demitiu antes de o julgamento arrancar.

8. Um queijo de proporções míticas para Jefferson

Foi na noite de Natal de 1802 que Thomas Jefferson recebeu a primeira prenda dada a um Presidente dos EUA. E que prenda. O pastor baptista John Leland ofereceu-lhe um queijo gigantesco, que tinha quase quatro metros de circunferência e 560 quilos. Foi feito por uma comunidade de dissidentes religiosos, os baptistas republicanos de Berkshire Hills, Massachusetts, para homenagearem Jefferson pelo seu respeito pela liberdade religiosa e celebrarem a sua vitória frente ao federalista John Adams (o Partido Federalista dominava na Nova Inglaterra e tinha sido imposta a Igreja Congregacionalista no Massachusetts). O queijo celebrava uma vitória política e religiosa.

9. As jóias de Patty Nixon

No início de 1972, Pat e Richard Nixon foram votados, numa sondagem da Gallup, o casal “mais admirado do mundo”. Mas já o Presidente estava atolado com o escândalo Watergate, quando um artigo no Washington Post, em Maio de 1974, pôs ainda mais em causa a sua conduta e da sua mulher, Pat. O jornal acusava o casal de não ter registado as jóias que recebera de presente de países estrangeiros, sobretudo árabes, e que segundo a lei eram propriedade federal e não pessoal. Os Nixon rejeitaram a acusação, dizendo ter registado os presentes que deviam. O que levou alguns países, como o Irão e a Arábia Saudita, a divulgarem as prendas que tinham dado. A legislação, que dizia apenas que as prendas aos Presidentes eram património federal, foi alterada, passando as prendas aos familiares directos a terem que ser também registadas e classificadas como património do Estado. Todos os membros do governo e seus familiares passaram a só poder receber, a título pessoal, prendas até 50 dólares. Houve um surto de devolução de jóias por parte de membros dos ministérios, mas algumas das jóias mencionadas como estando na posse de Pat nunca foram devolvidas.

10. Um dia, a casa veio abaixo

A pedra basilar da Casa Branca foi colocada em 1792. Desde então que esta é a residência do Presidente dos Estados Unidos e a sede do Governo (na famosa West Wing, criada por Theodore Roosevelt). Em 1947, a casa estava tão podre que as pernas do piano da filha do Presidente Harry Truman furaram o chão; o piano quase caiu um andar. Os peritos declararam que a casa estava à beira de colapsar e, em 1948, foi preciso realizar obras profundas para salvar este marco da paisagem política americana — em parte devido ao desvio da verba que era anualmente atribuída para reparações e outras obras. O processo de reconstrução só ficou completo em 1953. Durante esse tempo, Truman viveu do outro lado da Pennsylvania Avenue, na Blair House. A “Casa Branca de Truman” é agora onde ficam os convidados oficiais. Foi lá que, a 1 de Novembro de 1950, dois porto-riquenhos tentaram entrar para matar Truman. 

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