Anemia de um crime

Se o leitor conhece a Anatomia de um Crime, de Preminger, o melhor é abster-se; e se não conhece o melhor é abster-se na mesma e ir procurar o filme de Preminger, obra-prima do “filme de tribunal”, ao pé do qual Toda a Verdade é duma absoluta insignificância.

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Um “drama de tribunal”, na essência puro e duro (muito pouco se passa fora da sala de audiências), onde Keanu Reeves é o advogado de defesa de um jovem que, todos os índícios apontam, matou o pai a sangue frio.

Detectam-se no argumento alguns elementos interessantes: uma muito hitchcockiana “circulação” da culpa, ao longo do julgamento, por várias personagens além da do jovem acusado de parricídio, chegando mesmo à própria vítima, que todos os testemunhos apontam ter sido um homem horrível; a fragilidade dos depoimentos orais, instalados numa fina e indestrinçável linha entre verdade e mentira (que é a coisa que a realizadora Courtney Hunt mais depressa destrói, através dos flash backs ilustrativos); e a voz off do advogado, na primeira pessoa, como elemento estruturante, toque muito film noir em parte justificado pelo desenvolvimento da narrativa. Mas tudo isto é aniquilado pela realização amorfa de Hunt, totalmente alheia ao sentido da teatralidade dos trâmites do julgamento, instalada numa modorra sem qualquer espécie de imaginação, e incapaz de fazer salientar a verve, a força da palavra e dos discursos, que é a força motriz de qualquer “courtroom drama” – para o que também contribuem a presença indiferente de Keanu Reeves, que está longe de ser o mais expressivo dos actores, e dum modo geral a falta de profundidade de todas as outras personagens.

Resumiríamos assim: se o leitor conhece, por exemplo, a Anatomia de um Crime, de Preminger, o melhor é abster-se; e se não conhece o melhor é abster-se na mesma e ir procurar o filme de Preminger, obra-prima do “filme de tribunal”, ao pé do qual Toda a Verdade é duma absoluta insignificância.  

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