Surpresa! Nos Estados Unidos há mais do que dois partidos

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Jill Stein, dos Verdes, chegou a ter 4% na média das sondagens, mas caiu para 1,8% AFP/PATRICK T. FALLON

Numas eleições em que os dois principais candidatos têm taxas de popularidade semelhantes aos de uma barata que corre para um buraco assim que se abre a porta de um hotel manhoso, muitos analistas acreditaram que este seria o ano em que um terceiro partido iria finalmente começar a derrubar o sistema dominado por Democratas e Republicanos. Logo após as nomeações de Hillary Clinton e Donald Trump, em Julho, os ventos sopravam a favor de Gary Johnson, um antigo governador do Novo México que dá a cara pelo Partido Libertário, e de Jill Stein, uma médica reformada que ergue a bandeira dos Verdes.

No início de Agosto, com boa parte dos eleitores do Partido Democrata ainda furiosos com a nomeação de Hillary Clinton e a acusar os seus líderes de terem roubado a vitória ao senador Bernie Sanders, a candidata dos Verdes apareceu como uma bóia de salvação para os mais desiludidos – em Filadélfia, num acampamento improvisado por apoiantes de Sanders, muitos jovens garantiam que iriam votar em Jill Stein e nunca em Hillary Clinton, a quem acusavam de fazer parte de um sistema corrupto. Por essa altura, a candidata dos Verdes e o seu companheiro de corrida, o activista Amaju Baraka, chegaram aos quatro por cento na média das sondagens do site Real Clear Politics, um valor muito próximo dos cinco por centos necessários para embolsar 20 milhões de dólares para as próximas eleições.

Mas a campanha de Stein (que chegou a convidar Sanders para seu companheiro nas eleições, sem sucesso) foi perdendo gás. No domingo, a média das sondagens dava-lhe 1,8 por cento, mas até este prognóstico pode acabar por ser muito optimista. Em 2012, quando se candidatou à Casa Branca pela primeira vez, também pelos Verdes, Jill Stein recebeu apenas 0,36 por cento dos votos depois de uma última sondagem CNN/ORC lhe ter atribuído um por cento.

Tem sido essa a tendência dos candidatos dos partidos que correm por fora do sistema historicamente bipartidário nos Estados Unidos – quase sempre as sondagens são melhores do que os resultados finais. Por um lado, as grandes cadeias de televisão dedicam-lhes menos espaço do que a um vídeo de um cãozinho que ficou preso num bloco de gelo; por outro lado, os partidos mais pequenos não conseguem chegar sequer aos cinco por cento e acabam fechados num ciclo vicioso por não conseguirem aceder a um simpático financiamento para se apresentarem mais bem preparados nas eleições seguintes. Mesmo assim, ainda que um deles consiga atingir esse patamar, 20 milhões de dólares é um cheque magro demais para enfrentar os dois grandes colossos num país com 50 estados, cujas campanhas chegam a gastar mil milhões de dólares num ano eleitoral em viagens para todo o lado e tempestades de anúncios na televisão. Para além disso, as regras dos debates televisivos exigem que os candidatos tenham pelo menos 15 por cento nas sondagens para poderem medir forças com os nomeados dos dois principais partidos.

O mesmo tem acontecido à candidatura de Gary Johnson e William Weld. Por terem sido ambos governadores pelo Partido Republicano (Johnson no Novo México e Weld no Massachussetts), tinham à partida uma vantagem, a que se juntava a maior visibilidade do Partido Libertário em relação aos Verdes. Em meados de Setembro a média das sondagens chegou aos 9,4 por cento, mas no domingo estavam nos 4,8 por cento - se a tradição se mantiver, o resultado final será inferior a isso e também não terão direito ao cobiçado cheque.

Tanto uns como outros podem somar mais alguns votos de protesto contra Hillary Clinton e Donald Trump, mas muito dificilmente farão a diferença em algum estado – Jill Stein, por exemplo, não tem o seu nome nos boletins no Nevada, no Dacota do Sul e no Oklahoma.

À partida, os apoiantes mais fervorosos de Bernie Sanders têm em Jill Stein e nos Verdes o seu destino mais natural, apoiado por personalidades como a actriz Susan Sarandon e o actor Viggo Mortensen – as propostas mais vigorosas de luta contra as alterações climáticas, por exemplo, eram essenciais no movimento que se juntou à volta do senador do Vermont durante as eleições primárias no Partido Democrata.

Mas os meses foram passando e a maioria dos apoiantes de Bernie Sanders foram aceitando a nomeação de Hillary Clinton, tal como a maioria dos Republicanos foram regressando a casa, depois de umas eleições primárias ainda mais fracturantes dos que as do Partido Democrata. Entre os que continuam a jurar que não votam nem em Clinton nem em Trump, uns vão abster-se e os outros devem votar mais em Johnson do que em Stein, de acordo com as sondagens entre os indecisos.

Há mesmo quem esteja indeciso entre a candidata dos Verdes e o do Partido Libertário, apesar das diferenças fundamentais que cada um deles reserva para a intervenção do Estado na vida pública – ao contrário dos Verdes, os libertários sonham com um Estado reduzido ao mínimo possível, e Gary Johnson ficou conhecido enquanto governador do Novo México como o político que, se pudesse, privatizava tudo o que lhe aparecesse à frente.

Mas o Partido Libertário e os Verdes disputam o voto dos eleitores mais jovens porque ambos têm algo com que eles se podem identificar. Se os Verdes são progressistas, têm uma agenda para o Ambiente muito mais ambiciosa do que a do Partido Democrata e são frontalmente contra o acordo TPP, o Partido Libertário contrapõe ao seu conservadorismo na economia uma visão liberal sobre a vida de cada cidadão. O seu lema é “tirem o governo do meu quarto e do meu bolso”, em linha com grande parte da geração millenial: menos impostos; mais facilidade de movimento no mercado de trabalho e na criação de empresas, ainda que isso signifique menos protecção social; respeito pela orientação sexual de cada pessoa; menos intervenção militar no estrangeiro; e apoio à imigração e à legalização da marijuana.

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