Entre ser e parecer, João Vieira é White Haus

Nas canções pop sintéticas de Modern Dancing cabem Woody Allen, new wave ou sintetizadores analógicos.

Foto
FOTO: Luis Espinheira

Há dois anos João Vieira dos X-Wife lançou um álbum a solo com a designação White Haus. Poder-se-ia pensar que seria lançamento único. Mas não. Os X-Wife continuam em actividade – há espectáculos de retrospectiva de carreira marcados para 28 de Outubro no Centro Cultural de Belém em Lisboa e para Novembro em Madrid e Barcelona – numa altura em que outra aventura que lhe granjeou protagonismo nos anos 2000, o Club Kitten, foi reactivado no contexto do Nos em D’Bandada.

Mas eis que acaba de ser lançado o segundo álbum de White Haus. Chama-se Modern Dancing e o seu autor diz-nos que foi um disco feito num contexto emocional diferente do de estreia. “Esse registo acabou por ser concretizado numa altura negra e complicada da minha vida pessoal onde, para além disso, sentia uma grande instabilidade em relação ao futuro e ao que fazer”, reflecte, apontando que o novo álbum respira outra sensibilidade. “É sem dúvida uma obra mais desprendida e luminosa, com momentos de humor até ao nível das letras, onde recorro ao universo do cinema.” E dá o exemplo do filme Annie Hall (1977) de Woody Allen, uma das obras que mais o marcaram. “A forma como as personagens principais se despedem, o fim da relação, ficam amigos e depois voltam a encontrar-se, enfim, existe um trajecto com o qual nos conseguimos identificar. Existe humor em tudo aquilo, mas também um clima nostálgico. Esses polos acabam por estar presentes neste disco. A ideia do álbum passou por essa tentativa de criar um caminho, entre a comédia, a respiração, com encontros e desencontros, que permitiram que todas as minhas referências tombassem por ali.”

O primeiro álbum desenvolvia-se por entre canções pop electrónicas, com qualquer coisa de luxuriante, e temas de pendor mais dançante. “Era um disco que poderia ter resultado em dois, no sentido em que havia um lado mais virado para a electrónica e outro mais direccionado para a ideia de concerto com banda”, reflecte. Na sua visão o novo álbum possui uma identidade mais definida. “Há muitas referências, como sempre, com caixas de ritmo, linhas de baixo, sintetizadores e baterias, mas o mesmo universo. Nesse sentido é uma obra mais positiva, consistente e segura.”

De que anos 80 falamos?

É um disco de inúmeras referências, já antes trabalhadas por João Viera, mas dir-se-ia que desta vez de forma mais distendida do que nunca, algures entre a no wave e a new wave, as guitarras e os sintetizadores, o espaço de Brian Eno e o nervoso de James Murphy, entre o krautrock e o humor, sem nunca se colocar em bicos de pés tentando ser quem não é.

O que também se alterou foi o processo de trabalho. O disco anterior foi concretizado de forma mais caseira, com pontas soltas, sendo algumas das fragilidades plenamente assumidas em termos de produção. Agora foi diferente. “Quando estava a compor já estava a visualizar os músicos a tocar as canções ao vivo. Neste tive esse cuidado. Quis ter uma experiência de estúdio mais plena, não estar tão isolado, ouvir outras opiniões.”

Ao longo da conversa dirá por diversas vezes que os anos 1980 foram relevantes em termos de inspiração para a feitura do disco. Mas, afinal, de que anos 1980 estamos a falar? “Não é os anos 1980 dos Duran Duran, mas sim o período punk e pós-punk entre 1975 e 1985 quando bandas rock começaram a tocar sintetizadores, gente com universo e sentido de humor, como Flying Lizards ou B-52’s, esse tipo de coisas. Se bem que me continue a interessar por coisas ligadas à editora 99 Records como as ESG, ou aos primórdios do electro. Esses anos 1980.”

Foto
FOTO: Luis Espinheira

Os dois primeiros temas foram os que mais demoraram a ser feitos. Faltava-lhes estrutura. Ficaram em pousio imenso tempo. Depois comprou novo equipamento – caixas-de-ritmo e sintetizadores analógicos – e esse facto também lhe permitiu ser transportado para outras dimensões. “O tipo de som que se extrai do equipamento também acaba por ter influência na direcção estética e na composição e foi isso que aconteceu.” A ideia inicial era gravar apenas um EP mas a ideia de álbum começou a ganhar forma. “Sentia-me numa onda criativa positiva e telefonei ao Zé Nando Pimenta da Meifumado a dizer-lhe que gostava de ir gravar um EP nos seus estúdios ao que ele me respondeu que poderia ser mas tinha de ser rápido porque estava de partida para ir viver para Lisboa e foi aí que percebi que tinha que gravar um álbum porque havia material para tal e queria encerrar aquele capítulo da minha vida.”

Ao mesmo tempo abriu um novo ciclo. Tinha até há pouco tempo outras actividades que deixou de lado – nomeadamente uma oficina de serigrafia – ocupando-se agora inteiramente da música seja através de White Haus, X-Wife ou da sua actividade como DJ. “Do ponto de vista material já estive melhor do que hoje, na fase do DJ Kitten, e nesta actividade não existe o mínimo de segurança, mas estou confiante, retiro imenso prazer do que faço, mesmo com todas as dificuldades.”

Não encontra no panorama musical de hoje a mesma energia e apetite performativo que vislumbrou na primeira fase dos anos 2000 quando The Strokes, White Stripes, Peaches ou LCD Soundsystem irromperam – “havia mais diversão e caos”, resume – mas continua com um apetite imparável por música. “Não existem por aí muitas bandas rock que me entusiasmem, mas dou por mim a ouvir cada vez mais house ou tecno. Existe talvez mais seriedade nos dias de hoje.”

No início dos anos 2000 quando o Porto estava mergulhado num certo marasmo, e a cena de música de dança parecia fechada sobre si própria, o seu Club Kitten foi importante para mostrar outras formas de fazer a festa e desfrutar da música em comunidade. Agora o contexto mudou. O Porto está em ebulição. A forma como nos relacionamos com a música transformou-se. E ele regressa com aquele que é o seu disco mais lúdico e ao mesmo tempo mais maduro, sem desejos de querer parecer seja o que for. Limita-se a ser.

Sugerir correcção
Comentar