Nesta rua do Parque das Nações, peões e carros partilham o mesmo espaço

A junta de freguesia lisboeta inaugurou uma zona de coexistência no Passeio dos Fenícios. Aqui os automóveis não podem andar a mais de 20 km/h e os peões são incentivados a fazer jogos na via pública.

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A criação de zonas de coexistência estão previstas no Código da Estrada mas são ainda pouco comuns em Portugal enric vives-rubio
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A Junta de Freguesia do Parque das Nações, em Lisboa, inaugurou esta sexta-feira aquela que será a primeira de três zonas de coexistência. A partir de agora, no Passeio dos Fenícios os peões podem circular livremente e parar para conversar num banco ou para fazer um jogo, lado a lado com os automóveis, que estão proibidos de circular a mais de 20 km/h.

“É um pouco retornar aos tempos da minha meninice, em que podia partilhar a rua onde vivia, as ruas do meu bairro, com os meus amigos”, notou o presidente da junta de freguesia, na conferência que antecedeu a inauguração. “Esses tempos foram-se perdendo e o automóvel foi tomando conta da nossa cidade”, lamentou José Moreno, sublinhando que essa é uma realidade a que “importa pôr termo”.

Tendo esse objectivo em mente, mas sabendo que “obviamente não se pode dispensar o automóvel” das cidades, o autarca acredita que a solução passa por tornar possível a “partilha” de espaço entre peões e veículos motorizados. Foi nesse sentido que a junta de freguesia decidiu avançar com a criação de zonas de coexistência, que estão previstas no Código da Estrada mas são ainda pouco comuns em Portugal.

José Moreno admite que “alguns discordarão” da experiência que foi agora feita no Passeio dos Fenícios, e que em breve poderá prolongar-se à Rua Nova dos Mercadores e à Rua da Centieira, mas defende que “com o tempo todos vão compreender como é bom e saudável para a cidade” que haja “bolsas de coexistência pacífica entre peões e automóveis”.      

Antes de concretizar este projecto, a junta de freguesia teve a preocupação de perceber se a ideia do espaço partilhado podia funcionar e, em caso afirmativo, “em que circunstâncias e para quê”. Depois de um trabalho de “observação, consulta às pessoas e testes”, o consultor em transportes João Bernardino chegou à conclusão de que esta iniciativa, que teve como modelo a cidade de Genebra, estava talhada para “resultar”.

Para essa conclusão contribuiu também uma experiência feita, durante uma semana, na Rua Nova dos Mercadores, na qual foram colocados obstáculos nas vias, feitas pinturas no chão, ocupados lugares de estacionamento com espaços de estadia para as pessoas e promovidos eventos na rua. “Houve muito mais satisfação do que desconfiança. E vimos várias pessoas com os olhos a brilhar, a lembrar-se como era no tempo delas, com as crianças a brincar na rua”, descreve João Bernardino, que é também residente no Parque das Nações.

Segundo disse ao PÚBLICO Sofia Lima, do Núcleo de Mobilidade e Segurança da junta de freguesia, a obra inaugurada esta sexta-feira teve um custo de oito mil euros. O pavimento, que era já igual em toda a extensão da via, não teve que ser alterado, mas foi preciso investir em sinalização, nos seis jogos que foram espalhados pelo Passeio dos Fenícios e na criação de estacionamentos para bicicletas.

Nesta artéria, limitada pela Alameda dos Oceanos e pela Rua Ilha dos Amores, foram também instalados bancos e floreiras, que de acordo com a técnica estavam em armazém e foram aqui reutilizados. Com estas medidas, Sofia Lima acredita que será possível ultrapassar aqueles que eram alguns dos problemas do Passeios dos Fenícios, como a “velocidade excessiva”, a “ocupação indevida dos corredores de circulação pedonal” e a “carência de espaços de estadia”.

A sua expectativa é que a criação desta zona de coexistência, assinalada com um sinal de trânsito em que se vê um peão adulto, uma criança com uma bola, um carro e uma casa, contribua, entre outros aspectos, para “fomentar relações de vizinhança”. Quanto à segurança de quem por lá passar, João Bernardino mostra-se confiante de que ela vai “manter-se ou aumentar”.

A questão da segurança foi também abordada pelo consultor em transportes e gestão da mobilidade Mário Alves. Segundo este orador, nos espaços em que há uma segregação e em que abundam os sinais e as marcações “o perigo percepcionado é menor do que o real”. Já nas zonas de coexistência, sustentou, existe “a percepção de que o perigo é maior do que é”.

“É uma situação não controlada, de ambiguidade do espaço e os condutores andam mais devagar”, explicou. Ainda assim, o mestre em transportes reconheceu que as zonas como aquela que foi agora inaugurada “funcionam bem quando há um equilíbrio entre carros e peões, o que nem sempre acontece”, sendo disso exemplo os dias de chuva ou as madrugadas, em que quase não há quem ande a pé nas ruas.

Mário Alves sublinhou ainda que “não é possível” haver zonas de coexistência “em todo o lado” e fez saber que há “duas regras” essenciais para que possam resultar: os automóveis circularem a “velocidade baixa” e serem “poucos”.

Presente nesta iniciativa, que assinalou o início da Semana Europeia da Mobilidade, esteve também o vereador da Mobilidade de Proximidade da Câmara de Lisboa, para quem a criação de uma zona de coexistência no Passeio dos Fenícios “é um regresso quase às origens, de que precisamos em cada um dos bairros de Lisboa”.

Contando que também ele é “do tempo em que se jogava à bola na rua”, Carlos Castro defendeu a necessidade de se “voltar a ocupar o espaço público”. O autarca acredita que para esse fim contribuirão projectos camarários em marcha, como o Plano de Acessibilidade Pedonal e o programa Uma Praça em Cada Bairro.

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