Se os autarcas governassem o mundo

Cascais levou a Haia ideias e projectos que espelham bem a sua liderança e pioneirismo.

A semana passada tive a honra de representar Cascais no primeiro “Global Parliament of Mayors” (GPM) em Haia, a cidade da paz e da justiça. Mais de 100 cidades de todo o mundo materializaram nesta reunião a visão de Benjamin Barber (“If Mayors Ruled the World”, Yale University Press). Andy Warhol, ícone da Pop Art, dizia que a única coisa boa de se nascer numa cidade pequena é desejar um dia sair dela. Nada como participar no GPM para perceber duas coisas: a primeira, é que esta visão é redutora e o mundo tem muito a ganhar com a partilha de experiências entre as megametrópoles e as pequenas/médias cidades; a segunda é que não há fórmulas absolutas sobre o melhor modelo de cidade.

O GPM é uma extraordinária montra para quem se interessa pelo planeamento e conceptualização da cidade e permitiu comparar três modelos de desenvolvimento da urbe. O primeiro modelo, o de Megapolis, foi corporizado, por exemplo, por Amesterdão, Roterdão, Haia e Utrecht. Este conglomerado urbano, a que os holandeses dão o nome de Randstad, tem uma população de 7,6 milhões habitantes.

Mas o mais curioso nesta solução é que assenta em quatro pólos, sendo que cada um desempenha uma função e apresenta um grau de especialização elevado: Haia é a sede do governo de representações diplomáticas e inúmeros organismos internacionais; Amesterdão é a capital do país e um polo fervilhante de cultura, criatividade e cosmopolitismo; Roterdão é o motor da economia holandesa, com o maior porto da Europa e a sede de uma das business schools líderes no mundo (a Rotterdam School of Management); o último polo é Utrecht, antiga capital do país e sede de uma das mais prestigiadas universidades da Europa. Este modelo policêntrico demonstra ser altamente competitivo e tem um enorme poder de adaptabilidade a um mundo em constante mudança. O Randstad é, hoje, uma das regiões da Europa com maior poder de atractividade de talento, de criatividade, de investimento e de visitantes. O segundo modelo, o concentracionista, foi apresentado por cidades como Nova Deli (22 milhões de habitantes), Seul (10 milhões) ou Cidade do Cabo (4 milhões).

Como é de esperar, está em completa oposição às políticas descentralizadas e compartimentadas de desenvolvimento urbano que vimos no modelo anterior. Os ‘mayors’ destas cidades trouxeram para cima da mesa uma perspectiva muito influenciada pela escala tremenda dos problemas que enfrentam. Desafios e realidades sobre as quais as sociedades ocidentais só ouvem falar nas notícias. Qualquer uma destas cidades tem desafios e soluções tão gigantescas que só têm escala de comparação com a maioria dos Estados, não das cidades, europeus. O terceiro modelo é o das cidades intermédias. O modelo que Cascais orgulhosamente defendeu baseia-se numa ideia de desenvolvimento assente na participação, na cidadania e na co-criação.

Perguntará o leitor, legitimamente, o que é que uma pequena cidade, que orgulhosamente continua a gabar-se de ser Vila de Cascais, tem para oferecer a estes gigantes mundiais? Tendo hoje cerca de 210.000 habitantes, e sabendo nós que cerca de 50% da população mundial vive em cidades até 500 mil habitantes, Cascais e cidades da sua dimensão podem e devem desempenhar um papel liderante na adopção de políticas públicas inteligentes, sustentáveis e integradoras. ‘Políticas benchmark’ que sejam percepcionadas como boas e que sejam replicáveis noutros núcleos urbanos da mesma escala ou superior. Os problemas das megametrópoles têm solução nas boas práticas implementadas nas pequenas e médias cidades. É nas cidades de média escala que temos a flexibilidade e velocidade de adopção de políticas inovadoras que solucionem problemas para os quais os governos centrais já demonstraram não ter competência. Falo do problema das alterações climáticas, do terrorismo, do combate à pobreza ou do tráfico e consumo de drogas. Em todos estes tabuleiros, no terreno a batalha é liderada por milhares de cidades. Por outro lado, são as cidades que incubam hoje as maiores inovações ao nível cultural, social e político. São o alicerce civilizacional do mundo global.

Cascais levou a Haia ideias e projectos que espelham bem a sua liderança e pioneirismo. Por exemplo o orçamento participativo (OP), em que é líder e modelo internacionalmente. Dar aos cidadãos a oportunidade de intervirem activamente na construção da cidade é um passo incontornável no sentido do aprofundamento da nossa democracia. Em Cascais votam mais cidadãos para o OP do que a totalidade dos votantes em todos os partidos políticos nas eleições autárquicas. É bem ilustrativo da necessidade de repensar os modelos de democracia e participação em vigor nas sociedades ocidentais. Mas não ficámos por aqui. Apresentámos, em estreia mundial, a nossa proposta de “roaming” das cidades. Cascais acredita que é possível criar uma rede mundial onde os cidadãos de diferentes cidades possam usufruir dos serviços e infra-estruturas de forma transparente e independentemente da geografia em que se encontrem. Este tipo de projectos e políticas aproxima os cidadãos, restabelece laços de confiança e projecta a cidade do amanhã. São ideias disruptivas para uma realidade disruptiva. Se no médio prazo mais de 75% da população mundial viverá em cidades, então cabe às cidades e aos seus líderes indicar o caminho para o futuro do desenvolvimento humano.

Gestor, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Cascais

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