40 anos de Festa, 40 anos de um namoro proibido

A Festa do Avante! é uma porta aberta ao que de melhor se faz em Portugal. Ao longo de três dias podemos aprender, comer, beber, ouvir, ver e viver, sem preconceitos ou juízos de valor

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Daniel Rocha

Lembras-te da nossa primeira Festa? Ainda adolescentes, os teus pais não sabiam que namorávamos e tu passaste o tempo todo a fugir deles para nos encontrarmos às escondidas! Foi assim a nossa primeira Festa do Avante!, um namoro proibido... Marcávamos encontro no Alentejo ou em Viana do Castelo, antes e depois do almoço ou do jantar, ou então, mergulhados na multidão, corríamos livres sem casa e sem tecto por entre os concertos e a Carvalhesa, tocada vezes sem conta, assim chamando um povo inteiro para que, todos juntos, possam saltar e dançar ao ritmo da liberdade.

E sim, no Domingo choveu, e com a Festa a chegar ao fim mais cedo fomos todos para Coimbra onde não vos conto o muito vinho, “penaltys“ e “shots“ que fizeram desta a melhor Festa de que há memória.

Desde então, e depois desta Festa de arromba e oficializado o nosso namoro (os teus pais não são tão maus assim e até gostam de mim, como gostam de ti), dedicámos os anos seguintes a explorar a Festa, as peças de teatro, a feira do livro, as bienais de artes plásticas, as exposições, a astronomia e o Espaço Ciência, os comes e bebes de todo um país juntos à volta da mesa, a sopa da pedra em Santarém, o bacalhau à Braga, a açorda alentejana, o picadinho da Madeira, sem esquecer a ginja, a sangria ou a cerveja, pois claro, os debates contra a opressão e exploração laboral, a história, tantas vezes esquecida e ignorada, da luta contra a Ditadura, as representações internacionais tão diversas desde a Alemanha ao Chipre, do Peru a Itália, passando pelos PALOP, os concertos intimistas e alternativos no auditório 1.º de Maio, os mais de nove palcos onde a música, o folclore e os novos valores são uma constante, ou simplesmente na relva ao sol junto ao lago a meio da tarde entre pares de beijos e os sonhos desta vida.

A Festa do Avante! é o maior evento político-cultural do país. A Festa do Avante! é uma grande chatice, porque não só não está infestada de comunistas como é uma porta aberta ao que de melhor se faz em Portugal a nível gastronómico, literário, artístico, sem esquecer o desporto, fruto do voluntariado de milhares de pessoas e onde ao longo de três dias podemos aprender, comer, beber, ouvir, ver e viver, sem preconceitos ou juízos de valor, sem a obrigatoriedade de comícios ou propaganda, factos que em si não só enxotam estereótipos como baralham ideias, tornando a Festa num perigo a exterminar por todos quantos se identificam com outras forças partidárias, entenda-se de direita, mas onde Fernando Seara não deixou de comprar uma “boina à Che Guevara“ e onde Marcelo, ele mesmo, o Professor e agora Presidente da República, foi presença constante ao longo de vários anos.

Preconceitos, meus caros, são só para os ignorantes. E, espantem-se, na Festa há um espaço criança, com escorregas e tudo, sem que ninguém venha para as comer.

A Festa tem um espaço Emigração, coisa que vem mesmo a calhar agora que vivemos os dois cá fora, não nos sendo possível ir à Festa com a mesma regularidade de anos passados. Mas, entretanto, já estivemos a olhar para o calendário e para o ano começamos a trabalhar mais tarde, pelo que lá estaremos, em 2017, mergulhados na multidão a correr livres, sem casa e sem tecto, por entre os concertos e a Carvalhesa, tocada vezes sem conta, assim chamando um povo inteiro ao seu regaço para que, todos juntos, possamos saltar e dançar ao ritmo da liberdade.

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