Anticorpo consegue eliminar as placas no cérebro dos doentes de Alzheimer

Concentrações altas de uma molécula removeram quase totalmente placas de beta-amilóide, associadas à doença de Alzheimer. Há sinais de que o declínio cognitivo foi travado. Os ensaios clínicos continuam.

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Até agora, não há um medicamento capaz de travar a doença de Alzheimer, que causa a perda de memória em pessoas geralmente com mais de 65 anos. Uma das hipóteses sobre as causas das disfunções cognitivas ligadas à doença é a acumulação de placas da proteína beta-amilóide no cérebro. Mas, apesar de décadas de investigação, aquela relação não foi provada. Agora, um estudo clínico mostrou que um novo anticorpo é capaz de eliminar a grande maioria das placas no cérebro daqueles doentes, segundo um artigo publicado nesta quinta-feira na revista Nature.

Embora a investigação não tenha tido como objectivo avaliar o efeito deste anticorpo nas capacidades cognitivas dos doentes, as análises preliminares mostraram que houve um atraso no declínio cognitivo nas pessoas que tomaram a dose mais alta de anticorpos.

“Com os resultados deste [primeiro] ensaio clínico, estamos optimistas de que podemos dar um grande passo em frente no tratamento da doença de Alzheimer”, diz Roger Nitsch, professor da Universidade de Zurique, na Suíça, um dos autores do trabalho que contou com investigadores da empresa farmacêutica Biogen, em Massachusetts, nos Estados Unidos. “O efeito do anticorpo é impressionante. E o resultado é dependente da dose do fármaco e do período de tratamento do anticorpo”, acrescenta, citado num comunicado da sua universidade.

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Imagens do cérebro mostram que as placas de beta-amilóide (a vermelho) foram eliminadas nos doentes que receberam mais anticorpos Sevigny <i>et al</i>

O novo medicamento experimental usado nestes ensaios chama-se Aducanumab e foi desenvolvido a partir de anticorpos humanos. Estes anticorpos foram produzidos por células imunitárias chamadas linfócitos B, na presença das placas de beta-amilóide. Estes anticorpos ligam-se às placas e, depois, dão um sinal ao resto do sistema imunitário para as atacar.

Para serem usados num contexto clínico, estes anticorpos têm de chegar ao cérebro, onde se acumulam as placas. É um grande desafio. No cérebro existe a barreira hematoencefálica – uma camada de células que cobre todos os vasos sanguíneos do cérebro e evita que muitas moléculas, células e organismos patogénicos atravessem os vasos e saltem para o mundo dos neurónios. É difícil encontrar fármacos para doenças cerebrais que atravessem essa barreira. No caso do Aducanumab, apenas um ou dois anticorpos em mil conseguem fazê-lo. Mas este rácio parece ser suficiente para o que os cientistas pretendiam.

Para testar o composto, a equipa dividiu aleatoriamente, em cinco grupos, 165 pessoas com sinais iniciais de Alzheimer. Durante um ano, um dos grupos tomou um placebo (substância sem efeito médico) e os outros quatro foram submetidos a uma de quatro doses do anticorpo (um, três, seis e dez miligramas por quilo de peso).

Antes de iniciarem os ensaios clínicos, foi obtida uma imagem de tomografia por emissão de positrões do cérebro dos participantes. Esta imagem permitiu medir a quantidade de placas de beta-amilóide presentes. Ao fim das 54 semanas do ensaio clínico, os participantes que fizeram todo o tratamento voltaram a fazer aquele exame. Enquanto o grupo que tomou o placebo manteve a quantidade de placas, os doentes que receberam Aducanumab tinham menos placas. No caso dos doentes que receberam a dose maior, o exame mostrava que as placas tinham quase desaparecido.

“Tendo em conta que são necessários até 20 anos para se acumular o nível de placas beta-amilóide encontrado nos doentes no início do estudo, (…) a remoção ao fim de 12 meses parece encorajadora para uma mudança no tratamento dos doentes com Alzheimer”, lê-se no artigo da Nature. “Os doentes (…) submetidos ao tratamento tiveram uma estabilização do declínio clínico [nos testes cognitivos]”, relata ainda o artigo.

Dos 30 doentes que não chegaram ao fim do tratamento, 20 pararam porque a equipa detectou em imagens de ressonância magnética um efeito adverso no cérebro, que se traduziu em alterações no fluido cerebral. Estas alterações não são inéditas e muitas vezes são assintomáticas e pouco graves, mas quando são severas podem causar acidentes vasculares cerebrais.

Apesar de todos os grupos do estudo terem tido casos destes, um número maior de doentes (nove) do grupo que recebeu a dose máxima do anticorpo sofreu o efeito adverso. Por isso, os cientistas querem encontrar a concentração certa do anticorpo que retire o máximo de placas e, ao mesmo tempo, cause o mínimo de casos deste efeito adverso.

Neste momento, já há mais ensaios clínicos, que estão a testar em 2700 doentes se esta substância trava ou não a perda cognitiva causada pela doença de Alzheimer.

Para já, os resultados obtidos pela equipa “não são definitivos”, sublinha Eric Reiman, do Instituto Banner Alzheimer, em Phoenix (no Arizona, EUA), num comentário na Nature ao novo trabalho. No passado, muitas moléculas promissoras acabaram por não ser eficazes contra a doença de Alzheimer. Por isso, o investigador é cauteloso: “É prudente não fazer uma avaliação sobre o benefício cognitivo do Aducanumab antes da publicação dos resultados dos ensaios clínicos mais alargados.”

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