Será viável a produção de açúcar de beterraba em Portugal continental?

O regresso da beterraba sacarina a Portugal Continental só se concretizará se o Governo Português desrespeitar o mais basilar critério de eficiência económica.

No próximo ano, em outubro, vai deixar de vigorar o regime comunitário das quotas de açúcar. Este facto traduz-se numa alteração significativa da organização do mercado comunitário do açúcar, com impactos potencialmente profundos e paradoxais no mercado nacional, recuperando a possibilidade de produção de açúcar de beterraba em Portugal Continental, produção essa que foi considerada como deixando de ser viável pelos agentes económicos nacionais, aquando da reforma da PAC de 2003.

Na execução dessa decisão tomada em 2003 foram, até agora, despendidos cerca de 15 milhões de euros, sob a forma de apoios vários concedidos ao operador de beterraba para a sua reconversão em refinaria, a que acresceram cerca de outros 15 milhões atribuídos aos agricultores para a correspondente reorientação das suas explorações agrícolas.

Consciente do impacto que esta alteração prevista para 2017 poderá vir a ter na atividade dos seus associados e procurando contribuir, como é seu propósito e responsabilidade, para uma melhor fundamentação das decisões de médio-prazo dos seus associados, a Associação dos Refinadores de Açúcar Portugueses (ARAP) solicitou ao Instituto Superior de Agronomia da Universidade de Lisboa a realização de um “Estudo sobre a viabilidade técnico-económica da reintrodução da cultura da beterraba sacarina em Portugal Continental”.

Esse estudo, realizado por um grupo de quatro especialistas da área da produção e da economia agrícola - Professores José Pimentel Coelho, Ricardo Braga, Francisco Gomes da Silva e Raul Jorge - e baseado na análise do comportamento previsível da oferta de beterraba sacarina no contexto de diferentes cenários alternativos de preços para os açúcares bruto e branco, para a beterraba e para o milho, está já concluído e dele podem retirar-se, na opinião da ARAP, as seguintes principais conclusões.

Em primeiro lugar, fica demonstrado que, para todos os cenários considerados, a cultura da beterraba sacarina não terá viabilidade económica em Portugal Continental durante a próxima década.

Assim, e utilizando um normal critério de racionalidade económica, será difícil, senão impossível, a captação de novos investimentos privados no âmbito da produção de açúcar de beterraba. Acresce ainda que, com esta flagrante fragilidade, o necessário apoio dos parceiros financeiros para o financiamento desta operação será bastante improvável, sobremaneira no contexto do crescente ataque público à prática de facilitismo de concessão de crédito e à consequente deriva institucional de exigência de rigor nessa atribuição.

Em segundo lugar, resulta claro, em qualquer dos cenários estudados, que a cultura da beterraba sacarina continuará a não ter viabilidade económica assegurada, mesmo que o Governo Português decida introduzir, em Portugal Continental, uma ajuda ligada (subsídio) à produção de beterraba sacarina com um valor idêntico ao atualmente em vigor em Espanha, e, com isso, penalizar outros setores como o do arroz, do tomate para indústria, do leite, ou outros.

Em terceiro lugar, que só uma eventual concessão simultânea de subsídios à produção, por parte do Governo Português, e ao transporte da beterraba, por parte da indústria, é que tornaria viável, e apenas para preços menos susceptíveis de serem atingidos, a reintrodução da cultura da beterraba sacarina o que, no entanto, iria exigir, anualmente, uma despesa pública três vezes superior ao correspondente valor acrescentado bruto adicional gerado pelos novos investimentos agrícolas e agroindustrial.

As conclusões apresentadas não deixam, pois, margem para equívocos.

O regresso da beterraba sacarina a Portugal Continental só se concretizará se o Governo Português, nas decisões que vier a tomar no âmbito da afetação dos fundos públicos nacionais e/ou comunitários disponíveis, desrespeitar, totalmente, o mais basilar critério de eficiência económica.

Presidente da ARAP-Associação dos Refinadores de Açúcar Portugueses

Sugerir correcção
Comentar