Para Laila, filha pugilista de Ali, “proteger o legado” foi a missão de uma vida

Sem o apoio do pai, Laila Ali foi campeã mundial invicta mas é acusada de ter fugido aos combates mais difíceis.

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Laila Ali com o pai, Muhammad Ali, após um combate vitorioso em 2005. REUTERS/Jason Reed

Nascer com o apelido do maior de sempre é como herdar uma inestimável porcelana chinesa a proteger a todo o custo. Para Laila Ali, a única filha de Muhammad Ali a subir ao ringue, a defesa do legado do pai tornou-se no principal objectivo de uma passagem feliz pelo boxe feminino (24 vitórias, 21 por KO, zero derrotas e zero empates) mas não isenta de controvérsia.

A descoberta da modalidade tinha sido tardia. “Sabia que tinha o boxe no meu sangue, mas foi só quando vi na televisão um combate de boxe entre mulheres, quando tinha 17 anos, que percebi que as mulheres também podiam lutar e que decidi que ia fazer o mesmo”, recordava em Maio no talk-show norte-americano FABLife, onde falava do desagrado inicial do pai pela sua opção.

“Apoiou-me só indirectamente. Tentou convencer-me a não lutar, mas isso não funcionou e a partir daí esforçou-se por garantir que estava no rumo certo e que trabalhava os aspectos que tinha de desenvolver, mas tive de treinar sozinha”, contava.

Laila, hoje com 37 anos, estreou-se no ringue em 1999 com uma vitória por KO aos 31 segundos do primeiro assalto, com o pai a assistir na primeira fila. O dom estava no sangue? Talvez estivesse, mas no primeiro e muito publicitado combate oficial da filha do maior pugilista de sempre, Laila enfrentou uma adversária até então desconhecida que se revelaria um fiasco no ringue: April Fowler, uma empregada de mesa que tinha apenas um combate (uma derrota) no currículo. Na altura, o promotor do duelo reconhecia ao New York Times que a adversária de Laila era má: “Não tinha nenhuma cassete dela [para avaliá-la a lutar]. Não podia adivinhar”. E o diário nova-iorquino chamava o cognome do pai Muhammad para titular que “Ali venceu, mas o combate não foi the greatest”.

Seguiram-se 23 combates em sete anos. Laila abandonou os ringues em 2007 com um registo invicto – incluindo uma vitória sobre Jackie Frazier-Lyde, filha de Joe Frazier – e quatro títulos mundiais. Mas saiu debaixo de críticas de outras grandes lutadoras do início do século, que a acusaram de fugir aos grandes embates. Ann Wolfe, considerada por muitos a melhor pugilista da história do boxe feminino, terá desafiado Laila várias vezes, mas o aguardado duelo nunca chegou a acontecer.

A filha de Ali justificou sucessivas recusas com os valores exorbitantes supostamente sugeridos pelas adversárias. Em vários momentos, Laila afirmou que o dinheiro não era o mais importante e que tinha “um legado a proteger”.

“Sou imbatível. E é isso que quero ser”, disse em 2005 ao New York Times. A lendária confiança de Ali, essa sim, estava no sangue. Mesmo após deixar o boxe, Laila declarou várias vezes que era capaz de derrotar “qualquer homem ou mulher”, o que chegou a levar a mediática lutadora de MMA e ex-judoca olímpica norte-americana Ronda Rousey a desafiá-la para um combate. Mais uma vez, Laila recusou o confronto.

Mas era sobretudo o orgulho no pai que dominava as intervenções públicas de Laila. Contava em 2012 a Piers Morgan, na CNN: “Tenho muito orgulho no facto de ser filha dele porque ponho o meu pai num pedestal muito alto. Simplesmente pelo que é enquanto homem, por defender aquilo em que acredita, por não se importar com o que os outros dizem, com o que pode perder financeira ou desportivamente. Já não há pessoas assim, já não são vê disto nos atletas profissionais de hoje em dia nem em nenhum homem. Agora só se preocupam com dinheiro e poder, e o meu pai não era assim”.

“Haverá sempre outros grandes atletas, mas nunca irá haver um homem como Muhammad Ali”, dizia.

Na sexta-feira, ainda antes de ser conhecida a notícia da morte do histórico pugilista e activista pelos direitos civis, Laila partilhou no Facebook uma fotografia do pai com a neta Sydney. Neste sábado, alterou a imagem de perfil naquela rede social para uma fotografia com Ali, na noite da conquista do título do World Boxing Council (WBC).  

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