“A ArcoLisboa é capaz de vingar e até de crescer”

Empenho de artistas, curadores e galeristas, associado à marca e à experiência da ArcoMadrid, pode fazer a diferença. Visita guiada à feira internacional de arte contemporânea que encerra este domingo na Cordoaria Nacional.

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A curadora Sara Antónia Matos junto a uma obra de Philippe Decrauzat na galeria espanhola Parra & Romero Daniel Rocha
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Obra da dupla Muntean & Rosenblum Daniel Rocha
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Ao fundo uma obra da dupla Muntean & Rosenblum Daniel Rocha
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Galeria Juana de Aizpuru, uma das fundadoras da ArcoMadrid Daniel Rocha
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Um visitante fotografa uma obra do colombiano Nicolás Paris na Galeria Luisa Strina de São Paulo Daniel Rocha
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O Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa passa por uma obra de Lawrence Weiner Daniel Rocha
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Obra de Julian Opie na Mário Sequeira Daniel Rocha
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Obra da dupla Muntean & Rosenblum Daniel Rocha

Faltam apenas 15 minutos para o meio-dia e as filas junto ao velho edifício da Cordoaria Nacional, depois de vencido o obstáculo da bilheteira, são longas. Enquanto esperam, há casais a fazer planos para o jantar e grupos de amigos a percorrerem o mapa das galerias, assinalando as que não podem mesmo falhar. Lá dentro todos estão mais do que preparados para receber o público. Na véspera terão passado pelo recinto desta primeira edição da ArcoLisboa, que encerra este domingo, 3500 convidados, entre profissionais do sector, jornalistas e coleccionadores, segundo a organização. Algumas das peças que estavam expostas na quarta-feira ao fim da tarde foram já vendidas.

“Isto é muito bom sinal”, diz um dos funcionários na galeria Luisa Strina, uma das mais importantes de São Paulo, enquanto um colega embrulha uma escultura do colombiano Nicolás Paris, muito lúdica, que em breve será entregue ao cliente que a comprou no dia anterior. “Esta não é a primeira que vendemos e acredito que não vai ser a última.” Passados poucos minutos, no espaço deixado vago, estava já a ser montada outra do mesmo artista.

As expectativas são grandes para esta feira em Lisboa, primeiro foco de internacionalização da ArcoMadrid, que acaba de fazer 35 anos. Grandes porque todos – galeristas, curadores, artistas e até políticos (o Presidente da República visitou a feira esta quinta-feira, o ministro dos Negócios Estrangeiros e o presidente da câmara foram na quarta-feira, dia da abertura para os convidados) – parecem apostados em que funcione, depois de várias tentativas falhadas para ter em Portugal uma feira internacional de arte contemporânea. Grandes porque a Arco é uma marca respeitada e porque a dinâmica que hoje se vive na capital em termos turísticos parece fazer deste o momento certo para um novo ensaio.

“Uma feira como esta é importantíssima como montra, como ponto de encontro entre os artistas e os comissários, os coleccionadores, os directores de museus e fundações, os galeristas de outros países”, diz Sara Antónia Matos, uma curadora com formação em escultura, habituada a cruzar os territórios da arte e da arquitectura e que dirige desde 2012 o Atelier-Museu Júlio Pomar. O PÚBLICO acompanhou-a num percurso pela feira em que reflectiu sobre o modelo desta primeira edição e sobre o impacto que pode vir a ter. Uma visita que é uma espécie de alternativa à que o programa da ArcoLisboa propõe em Walk With The Curators.

Paramos junto a uma obra muito recente de Ângela Ferreira, na Galeria Filomena Soares, logo à entrada, como mais tarde pararemos frente a uma escultura de Carlos Nogueira na portuguesa 3+1 ou a uma fotografia na afegã Lida Abdul na Giorgio Persano de Turim. Ângela Ferreira foi professora de Sara Matos e a relação que mantém com a arquitectura faz dela uma escolha natural da curadora. Em Obelisk One (2016) Ferreira usa uma série de imagens de construções do Antigo Egipto que tornam acessível o seu material de pesquisa. “A Ângela não tem pudor nenhum em mostrar as suas fontes, as suas referências, ao contrário de muitos outros artistas contemporâneos. Isso agrada-me muito porque torna a sua arte muito menos hermética, democratiza-a.”

Bem perto do trabalho de Ângela Ferreira está a escultura de um artista a que Sara Matos nunca se cansa de regressar – Rui Chafes. Vê-lo na cordoaria não a surpreende, embora prefira encontrá-lo noutros contextos: “É um trabalho que precisa de um lugar específico, não se vê convenientemente numa feira. Mas um artista com a importância de Rui Chafes tinha de estar aqui.”

Agora que “o meio é unânime ao dizer que os artistas portugueses são realmente bons, vibram”, fazia falta um empurrão como a ArcoLisboa, defende, uma feira que não está fechada num só espaço, que se espalha pela cidade (Eduardo Batarda visto por Julião Sarmento, no Museu da Cidade, por exemplo) e se desdobra em programas paralelos de conferências e encontros em que o público pode ficar a conhecer autores, coleccionadores e directores de museus. Numa altura em que as galerias estão “claramente a arrebitar”, mas os artistas continuam a arriscar muito para poderem trabalhar, “investindo por sua conta e risco”, um impulso destes é fundamental.

Agora é que é

“Esta feira tem tudo para correr bem, desde logo porque não há receio de falar na sua vertente comercial. Sem vender, os artistas não podem produzir”, diz Sara Matos, para quem o circuito internacional de feiras do género é já muito familiar. Visita-as para perceber o que andam os artistas a fazer e por onde circula a sua obra, mas também para ser surpreendida nos chamados “project rooms”, onde por regra se pode aceder ao trabalho dos mais jovens.

Na ArcoLisboa esta secção ainda não existe – “é natural, não se pode ter tudo na primeira edição”, diz – mas as “galerias estão a mostrar uma mistura muito interessante de peças recentes e outras menos, recorrendo aos artistas mais importantes dos seus portfólios”, como é o caso da João Esteves de Oliveira, que levou para a cordoaria obras de Jorge Martins, Miguel Branco e Pedro Cabrita Reis, este último presente em muitos espaços.

Outras galerias houve, como a Graça Brandão, em que o espaço é ocupado por apenas um ou dois artistas (no caso, a dupla João Maria Gusmão & Pedro Paiva). “Foram meus colegas de curso”, diz Matos, fazendo referência ao seu “percurso incomum, de rápida internacionalização”, e à sua “linguagem muito sólida”: “Eles são um daqueles casos raros em que saber e oportunidade se encontram.”

As tentativas anteriores para ter uma feira em Portugal falharam, defende esta comissária de 38 anos, porque houve sempre cambiantes de lugar, de estrutura, de organização. E porque nunca estiveram associadas a uma marca forte como a da Arco, que “não é só um nome que fica no ouvido”, é também uma garantia que vem com 35 anos de experiência. “Esta credibilidade que a Arco dá, e a forma como sinto as pessoas empenhadas em fazer com que resulte, faz-me acreditar que a feira é capaz de vingar e até de crescer.”

Carlos Urroz já o disse mais do que uma vez que a intenção da IFEMA, a organização que assegura também a congénere de Madrid, é que a feira de Lisboa se realize daqui para a frente com uma periodicidade anual, mas para isso é preciso que estejam reunidas as condições necessárias que passam, por exemplo, pela mobilização dos galeristas e dos coleccionadores, e por apoios públicos e privados, que podem não se traduzir apenas em dinheiro.

Uma feira original

A feira de Lisboa tem um orçamento de um milhão de euros, um quarto do da ArcoMadrid e menos de um quarto das galerias, lembra esta quinta-feira a imprensa espanhola (são 45 galerias de oito países, com 19 portuguesas e 13 espanholas). Os jornais descrevem-na como uma feira pequena mas cheia de personalidade, com um importante lote de artistas e obras de grande qualidade. Diz o diário ABC que se espera deste investimento um retorno de 20 milhões de euros em impacto económico, embora não explique como chegou a este valor. Passando em revista os anteriores projectos de internacionalização da Arco que ficaram pelo caminho – Miami, São Paulo, Dubai e China – apresenta Portugal como um mercado natural e garante que a IFEMA ainda não desistiu de uma extensão na América Latina.

Lisboa pode articular-se muito bem com estes planos de expansão porque, diz Sara Antónia Matos, como Espanha é a porta para o mundo latino-americano, Portugal pode sê-la para o africano. “Os grandes centros de produção da arte estão sempre curiosos em relação ao que se faz nos países periféricos. A abertura a África pode vir a ser, na continuidade da ArcoLisboa, uma das marcas diferenciadoras da feira. Quando duram, todas as feiras precisam de encontrar uma especificidade.”

A ArcoLisboa tem de ser uma feira original, mesmo se evoca um “gigante” italiano: “Isto é como uma pequena Veneza. Não sendo obviamente a Bienal, é feita num edifício que faz lembrar o do Arsenal”, brinca a comissária, depois de se cruzar com o artista Julião Sarmento num dos corredores e antes de se demorar frente a uma da imagens de Lida Abdul, que mostra uma fila de crianças a venderem tijolos vindos de edifícios destruídos pela guerra, em Cabul. O homem que os compra contando reutilizá-los faz com eles uma torre: “Gosto de pensar que a arte pode ser uma maneira de reconstruir e que ela existe mesmo quando quase tudo parece perdido.”

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