Começam os pêssegos

Passei por uns pêssegos e duvidei deles. No meio de Maio?

Passei por uns pêssegos e duvidei deles. No meio de Maio? A sério? Julgam que eu sou parvo? Pois julgaram bem.

Restituí três passos ao destino traçado. Encarei-os. Eram minorcas. Eram irregulares. Eram baratos: 1,95 euros por quilo. Todos bons sinais. Apanhei um deles e levei-o ao meu nariz. Cheirava bem.

Mas hoje em dia há sprays diabólicos em que o cheiro a pêssego, a morango ou a baunilha custa menos de 1 cêntimo por quilo espraiado.

Há ceras para os citrinos e colorantes para os tomates. Nunca a fruta teve tanta maquilhagem tão barata e tão fácil de aplicar industrialmente.

O que me convenceu a perder o amor a uma moeda de um euro que me estava a deformar um bolso foi a detecção de vários pêssegos a aproximarem-se da podridão.

Se a fruta frankensteiniana tem uma característica comum é a habilidade geneticamente alterada de ficar na mesma durante dias e semanas a fio, como se a frescura permanente fosse só uma questão de atitude. Pensa, fruta minha, se nunca quiseres envelhecer ou morrer: "Sou nova e hei-de sempre ser nova e estar viva só porque é isso que eu, com toda a sinceridade, quero".

Os pêssegos eram do Algarve - a única parte de Portugal que tem o clima que Portugal inteiro merece (ou, não merecendo, diz ter) - e eram fisicamente transcendentes. Tanto os carecas como os peludos: ambos tinham a polpa doce, acidulada, amarela, sumarenta e quase sublime, que é a maneira mais séria de se conseguir ser deveras delicioso.

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